George Braga: “A Copa tem de servir aos interesses do povo”

A Copa das Confederações aconteceu e o saldo é positivo. Agora, o Brasil se prepara para a Copa do Mundo de 2014 e em Pernambuco e no Recife a intenção dos gestores públicos que organizam o evento é de que ele deixe um sólido legado e sirva, sobretudo, aos interesses do povo.

Na entrevista abaixo, George Braga (foto), secretário de Esportes e Copa do Mundo da Prefeitura do Recife, discorre sobre esse novo olhar e faz uma leitura lúcida dos vários aspectos do maior evento esportivo do planeta no Brasil. Leia a seguir.

Como você avalia a realização Copa do Mundo no Brasil?

George Braga – Acho que precisamos entender onde nós nos metemos. Primeiro, é preciso contextualizar a Copa do Mundo, que é um dos maiores eventos, se não o maior evento esportivo do mundo. Um megaevento que quem o realiza ganha qualidade no jogo de xadrez mundial. Quem realiza a Copa do Mundo passa a ser um player mundial.

O Brasil tem buscado um posicionamento no mundo inteiro, liderando os Brics, com uma política externa em que avança e discute questões importantes para os países em desenvolvimento. Então, a postura do Brasil no mundo tem nos colocado de maneira mais afirmativa. Realizar a Copa do Mundo e as Olimpíadas faz parte dessa estratégia global de tornar a presença do Brasil no mundo mais forte e eficaz, como um país capaz de jogar todos os jogos, em todos os ambientes. Então, esse foi um dos elementos importantes na hora de decidirmos que íamos fazer a Copa do Mundo no Brasil.

Um segundo aspecto que acho importante destacar é que a Fifa é uma empresa privada, que é a dona do evento e tem um modelo para ele. E nós precisamos compreender isso para que não achemos que receberíamos ou íamos criar e fazer um evento exclusivamente público. É preciso termos também a consciência de que faz parte de nossas responsabilidades mediarmos os interesses da empresa Fifa, que tem um objetivo com a Copa do Mundo, e os interesses do Brasil. Este é o nosso papel.

Nós entendemos que é importante realizar a Copa do Mundo porque é um evento mundial e nos coloca na vitrine, nos dá muita visibilidade e nos possibilita mostrar que o país é capaz de realizar esse evento. Mas, é necessário que saibamos que esse é um jogo que precisamos mediar e que o papel do poder público é capitalizá-lo ao máximo para a população. Nós não vamos fazer investimentos para agradar a Fifa. Nós temos de fazer com que o evento sirva aos nossos interesses. E isso é um processo de negociação. A Fifa tem um interesse, nos temos outro. É preciso que isso fique claro.

Diferencial do projeto

Digo isso porque essas são premissas importantes para que entendamos que jogo nós estamos jogando e a minha impressão é de que o Brasil soube jogar esse jogo. Por quê? Vamos tomar como exemplo os números gerais. Não tenho os números dos outros estados, só os de Pernambuco, mas, vamos usar os números do Brasil.

O Brasil está investindo R$ 29, 5 bilhões para a Copa do Mundo. E isso é duas ou três vezes maior do que os investimentos feitos pelos países sedes das últimas Copas, como África do Sul, Alemanha, França, Espanha. E desses R$ 29,5 bilhões, apenas R$ 7 bilhões são investimentos feitos em estádios de futebol e, a maior parte, é de recursos que o BNDES emprestou para as empresas privadas construírem os estádios, ou seja, o dinheiro vai voltar aos cofres do governo. São investimentos feitos em associação ou não com os Estados.

Tem casos como o do Internacional de Porto Alegre e do Atlético Paranaense, que são estádios exclusivamente privados. O que ocorreu é que um banco emprestou dinheiro a um ente privado para fazer reformas. Então, não há nenhuma contradição entre o dinheiro usado para a Copa do Mundo e o que poderia ir para a construção de escolas ou hospitais.

E os outros R$ 22 bilhões são para quê? Os outros R$ 22 bilhões foram ou serão todos investidos em grandes obras de infraestrutura nas cidades que vão sediar a Copa do Mundo. Isso é um diferencial muito grande do projeto e talvez até aqui ninguém tenha conseguido trabalhar esse assunto. A imprensa pega esse número, R$ 29 bilhões, e diz que esse valor é superior ao que se gastou em outras Copas, como se esse valor estivesse sendo gasto exclusivamente para construir estádios. Não é isso, só uma parte disso são estádios, mesmo assim emprestado.

Quais obras foram ou serão realizadas em Pernambuco visando às Copas?

George Braga – Somente para a Copa das Confederações foram feitas diversas obras: instalação de seis ou sete novos conectores (fingers) e de nova passarela no Aeroporto Internacional do Recife; construção de terminal integrado de passageiros próximo ao aeroporto; construção do viaduto da Avenida Panordestina, em Olinda; requalificação da Estrada da Batalha, em Jaboatão, na Zona Sul da Região Metropolitana do Recife; duplicação da BR-408, os viadutos dos Bultrins e de Ouro Preto, em Olinda.

Temos ainda a construção da Estação do Metrô e do Terminal Integrado Cosme e Damião, feitos especialmente para a Copa do Mundo; o Terminal Marítimo de Passageiros, no Porto do Recife; novo Terminal Integrado de ônibus urbano no TIP; os viadutos da BR-408, de acesso à Arena Pernambuco; ramal Cidade da Copa, que vai ligar a estação do metrô ao estádio; aquisição de seis novos trens para o metrô, dos quais três já estão em funcionamento. São investimentos que totalizam R$ 736 milhões.

Se acrescentarmos a esse valor os recursos investidos na construção da Via Mangue (R$ 400 milhões); no Corredor Norte-Sul (R$ 180 milhões) e o Corredor Leste-Oeste (R$ 90 milhões), nós teremos investimentos totais no valor de R$ 1,5 bilhão. Nós estamos falando de quilômetros de BRT (Bus Rapid Transit). Imagine sair de Igarassu, na Região Metropolitana, e chegar ao centro do Recife em um ônibus que para cinco/seis vezes em estações em nível, como se fosse um metrô? Nós nunca imaginamos que pudéssemos ter isso em um curto prazo. E a Copa do Mundo proporcionou tudo isso. Então, a Copa do Mundo vai mudar a face do Recife. Objetivamente.

É importante destacar que para ter celeridade nessas obras, nós criamos o Regime Diferenciado de Contratações (RDC), que agilizou a contratação dos serviços. Ao mesmo tempo, foi criado o Portal da Transparência, que permite que as obras sejam acompanhadas praticamente em tempo real nos portais do Senado e da AGU. Completa transparência, apesar da celeridade.

Então, a grande questão da Copa do Mundo é: Qual é o objetivo do Estado, o que nós queremos fazer com a Copa do Mundo? Em Pernambuco, nós fomos felizes porque escolhemos obras decisivas, fundamentais, estruturais para cidade, que serão realizadas a partir da ideia da Copa do Mundo e o Governo federal disponibilizou uma linha específica de financiamento para essas grandes obras de infraestrutura.

Qual é o diferencial da Copa do Mundo em Pernambuco?

George Braga – O esforço de pensar nas ações da Copa voltadas também para a população. Esse é um outro olhar. Como a Copa do Mundo é um megaevento todo mundo gostaria de participar dele, mas tem uma limitação objetiva: o número de assentos nos estádios. Nós temos no Recife cerca de 1,5 milhão de habitantes, na Região Metropolitana temos 3,5 milhões, vamos supor que todo mundo pudesse entrar em uma fila para comprar um ingresso para ver os jogos da Copa. Só 200 mil pessoas conseguiriam comprá-lo e 3.400 pessoas ficariam de fora, pois a Fifa tem sua própria política de ocupação dos estádios, onde os patrocinadores recebem antecipadamente uma quantidade de ingressos. Então, o processo de ocupação dos estádios é diferente do que estamos acostumados.

O que é que o prefeito Geraldo Julio e nós enxergamos? Que precisávamos criar mecanismos de interação entre as pessoas para que elas pudessem participar da Copa do Mundo. E isso pode ser feito de diversas formas. Na Copa das Confederações, por exemplo, criamos oito pólos onde as pessoas puderam assistir às partidas, com shows, jogos, brincadeiras. No Parque Dona Lindu, no Sítio da Trindade e em Peixinhos (Olinda) nós armamos uma tenda com o poolball, novo esporte que mistura sinuca e futebol e é jogado com os pés em cima de uma mesa de sinuca, e passeio virtual pela Arena Pernambuco, em 3D. Também levamos cerca de 350 crianças das escolas públicas aos jogos na arena.

Qual o legado esportivo da Copa 2014?

George Braga – Nós estamos discutindo com o Ministério do Esporte o legado esportivo da Copa do Mundo. Então, nós criamos um projeto de revitalização dos campos de várzea; estamos pensando em ampliar nossa ação no PELC – Programa de Esporte e Lazer da Cidade e no Programa Segundo Tempo. Estamos discutindo isso com o Ministério do Esporte.

A Copa do Mundo não vai passar pelo Recife em branco, seja porque o Recife vai ter grandes obras estruturantes, seja porque estamos fazendo com que as ações, as brincadeiras, a parte lúdica da Copa chegue à população ou porque nós estamos pensado que a Copa do Mundo, por ser um grande evento esportivo, pode deixar um legado esportivo em nossa cidade.

Então, nós estamos trabalhando para ampliar o legado esportivo da Copa, ou seja, a partir do mote Copa nós vamos trazer mais recursos para atender mais crianças das escolas públicas, para atender mais pessoas na periferia da cidade com a nossa política de esportes. Esse é o modelo de Copa do Mundo que nós enxergamos.

Como você avalia o sentimento que se propagou especialmente nas redes sociais de que a Copa é ruim para o Brasil?

Ninguém pode dizer que a Copa do Mundo está sendo ruim para nós, depois de mostrarmos que é possível mediar a nossa relação com a Fifa. Nós não podemos nos submeter a todas as exigências da Fifa. Nós não podemos fazer a Copa para a Fifa, nós temos de fazer a Copa para o povo brasileiro. Mas, sabendo que a Copa vem com uma série de limitações, algumas de ordem objetiva porque não cabe todo mundo nos estádios e outras de modo subjetivo porque a Fifa por ser uma empresa tem interesses comerciais.

Mas, o nosso interesse é fazer com que a Copa do Mundo possa mobilizar o povo, porque as pessoas podem ficar felizes em assistir os jogos juntas. Nós vamos realizar o Fifa FanFest, que é uma grande arena de transmissão de todos os jogos da Copa e nos intervalos vão acontecer shows com grandes artistas nacionais e locais. Isso vai acontecer no Marco Zero, o ano que vem. Esse será um ótimo espaço de congraçamento das famílias, dos amigos, de participar do ambiente da Copa do Mundo.

Do Recife
Audicéa Rodrigues