A fúria do Estado versus a liberdade

O denominador comum: a revelação, ao público mundial, de informação que o governo dos Estados Unidos considera estritamente confidencial e que, supostamente, põe em “perigo” a segurança dos Estados Unidos.

Três nomes provocaram a ira do governo dos Estados Unidos nesta segunda década do século 21: Manning, Assange e Snowden. Todos jovens especialistas no uso das Tecnologias da Informação (TI).

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Uma parte importante do escândalo se refere à reação de amplos setores da opinião pública mundial frente aos abusos, por meio da intromissão na vida privada dos cidadãos, de aparatos da segurança do Estado.

Em 30 de julho passado, o soldado Bradley Manning (que ainda não completou os 26 anos), foi considerado culpado sob a acusação de roubo e espionagem. Nesta segunda-feira (19), a promotoria pediu que fosse condenado a 60 anos de prisão.

Diferentemente do “caso Snowden”, no caso de Manning, um analista de inteligência do Exército que vazou para o WikiLeaks (o portal criado pelo australiano Julian Assange, de 42 anos), suas “transferências de dados” deixaram muito má situação o governo dos EUA, inclusive devido à revelação de um vídeo em que aparece um helicóptero disparando contra a população civil no Iraque, assim como informações confidenciais diplomáticas (opiniões indelicadas acerca de aliados dos EUA e decisões que custaram vidas humanas) que foram vazadas para o portal WikiLeaks.

Por sua parte, Assange, asilado na embaixada do Equador no Reino Unido, procura não ser extraditado à Suécia (por acusação de assédio sexual), fato que poderia implicar seu envio aos Estados Unidos para ser julgado nesse país. Graças a ele, o mundo pôde ser informado de aspectos crus da “Realpolitik” do governo dos Estados Unidos que ultrapassam os padrões éticos mínimos quando se trata de vidas humanas.

Quanto a Snowden, ainda permanece no limbo, em Moscou, tentando não cair nas mãos da justiça dos EUA depois de ter contado ao diário britânico The Guardian sobre a espionagem que, sistematicamente a Agência Nacional de Segurança (ANS) exerce sobre cidadãos de todo o mundo.

Tanto Assange como Snowden se consideram a si mesmos, emblemas da liberdade e, por agora, estão fora das garras da justiça norte-americana. Snowden considera que foi o governo dos EUA que violou a lei, mas Manning não pôde evitar ser julgado por uma corte militar.

O vertiginoso avanço tecnológico em matéria de Tecnologias da Informação gerou um grande paradoxo que contribui para explicar as agudas controvérsias acerca da informação confidencial: por uma parte, o Estado conta com imensas capacidades tecnológicas para realizar monitoramentos das comunicações de milhões de indivíduos através da Internet. O centro de dados de Utah, que estará pronto em setembro, complementará as capacidades instaladas não só nos EUA, mas praticamente em todas as nações avançadas, que facilitam saber com quem e quando e o que se comunicam em tempo real, centenas de milhões de pessoas.

Por outro lado, o desenvolvimento das Tecnologias de Informação gerou em indivíduos e pequenas comunidades um poder de interação com os poderes públicos sem precedentes na história da humanidade. O acesso à Internet por meio de qualquer dispositivo, o uso de redes sociais e blogs e, em geral, a possibilidade de criar conteúdos, permitiram que cidadãos possam expressar opiniões e ser parte ativa de movimentos cívicos, políticos, étnicos, libertários, de orientação sexual e de muitos outros tipos.

É claro que as Tecnologias de Informação permitiram também que indivíduos e organizações (incluindo aquelas com propósitos criminosos) ingressem nas bases de dados reservadas, sejam públicas ou privadas, por meio de atividades típicas de “hackers”. Contudo, nos casos de Manning e Snowden não se trata simplesmente de trabalho de “hacker”, mas de revelações que voluntariamente realizaram acerca de suas atividades cotidianas.

Independentemente de que o aparato judicial dos EUA possa pôr as mãos em Snowden e Assange, é muito difícil ocultar as atividades dos aparatos de segurança em matéria de monitoramento da vida de indivíduos. O simples fato de que, no caso dos EUA haja milhares de empresas privadas vinculadas aos programas da ANS em atividades de manutenção e operação das plataformas sobre as quais se realizam os atos de espionagem, implica um enorme risco à pretensão de manter ocultas tais atividades.

Haverá mais Mannings e Snowdens, de maneira que é de se esperar que o mundo conheça nos próximos meses e anos mais detalhes do nível de intrusão dos aparatos de segurança na vida privada.

Mas, em contraste, o desenvolvimento das Tecnologias de Informação e a capacidade econômica dos Estados lhes permitirão, goste-se ou não disso, vigiar os movimentos, opiniões e rotinas dos governados. Haverá maiores doses de cinismo? Sim, e daí? Os cidadãos serão controlados ainda mais.

Redação do Vermelho, com Cubadebate. Extratos de comentário publicado originalmente na Telesur.