Emissora BBC não permite denúncias sobre apartheid israelense

Enquanto estamos acostumados às realidades na ocupação israelense da terra palestina sendo excluídas das emissões da BBC, uma tendência nova, alarmante e muito real emergiu: aquela em que o sentimento pró-palestino é ativamente censurado pela emissora.

Por Amena Saleem*

Título original: "Por que a BBC não deixa Nigel Kennedy denunciar o apartheid israelense?"

A audiência da BBC testemunhará o último ato desta tendência na sexta-feira (23), quando o BBC Quatro emitirá um concerto com o violinista famoso mundialmente, Nigel Kennedy, e jovens palestinos músicos do Conservatório Nacional de Música Edward Said, baseado na Cisjordânia ocupada.

O concerto, originalmente apresentado em 8 de agosto, foi parte dos festivais anuais da BBC [chamados "BBC Proms"], que acontecem no Royal Albert Hall de Londres.

Enquanto se aproximava do fim, Kennedy disse à audiência que o aplaudia: “É um pouco medíocre dizer isso, mas todos sabemos a partir da experiência nesta noite de música que a equidade e o rechaço ao apartheid dá uma bela oportunidade para que as coisas aconteçam”.

Seus comentários foram ouvidos na transmissão ao vivo do concerto da Rádio 3 da BBC, e incluídos em uma gravação de áudio que pode ser acessada através da página da BBC pelos próximos sete dias.

Entretanto, eles serão editados e não aparecerão da emissão televisionada, na próxima sexta.
Respondendo a uma questão enviada por e-mail pela Campanha de Solidariedade à Palestina (PSC), um porta-voz da BBC disse: “O comentário de Nigel ao público (…) não será incluído na mencionada emissão na BBC Quatro, em 23 de agosto, porque não se enquadra no padrão editorial do Proms, como um festival de música clássica”.

Interferência política

O raciocínio aparentemente não se aplica à gravação da BBC3 disponível na sua página por sete dias, que não retirou os comentários de Kennedy. Entretanto, quando a gravação foi disponibilizada, ainda não houvera interferências políticas no caso.

Ela chegou depois, na forma da baronesa Deech, membro do Conselho de Lordes, que pressionou a BBC e classificou os comentários de “ofensivos e falsos”. A sua demanda à emissora de retirada das palavras quando o concerto for transmitido pela televisão foi feita apesar do fato de que a BBC, sob os termos da sua Carta Real, deve ser independente do Parlamento.

Entretanto, a supostamente imparcial BBC parece ter aceitado, e as declarações de Kennedy, que tinham como objetivo alertar o mundo de que os jovens músicos no palco, com ele, sofrem a desigualdade e o apartheid sob a ocupação israelense, serão censuradas como esperado.

Esta não é a primeira vez que um artista renomado é censurado pela BBC no Proms por tentar ressaltar a luta do povo palestino contra a ocupação israelense.

No ano passado, o diretor de cinema Ken Loach participou de uma performance da Orquestra Ocidental-Oriental Divan, que é formada por músicos israelenses, palestinos e outros árabes. Loach foi entrevistado durante o intervalo.

Ken Loach censurado

Loach contou ao portal The Electronic Intifada [A Intifada Eletrônica] que disse ao entrevistador: “Ver israelenses e árabes, inclusive palestinos, sentados lado a lado no palco nos faz confrontar a questão da opressão continuada do povo palestino, e eu pensarei neles enquanto ouvir a música, nesta noite”.

Estas palavras foram removidas da entrevista quando o concerto foi transmitido pela televisão, com a BBC alegando falta de tempo como a razão par a não incluí-las.

Um ano depois, em 2011, ela teve de recorrer a um pretexto diferente quando editou as palavras “Palestina Livre” de um rap improvisado do artista Mic Righteous, em um concerto da BBC Radio 1Xtra.

Em uma performance no programa Charlie Sloth Hip Hop M1X, em fevereiro, Mic Righteous improvisou uma composição sobre o preço que paga pela fama. Mas apesar de ser famoso, disse: “Ainda posso gritar ‘Palestina Livre’ para o meu orgulho / Ainda rezo pela paz”.

Quando a performance foi reproduzida, e depois repetida em abril, as palavras “Palestina Livre” foram removidas e substituídas pelo som de vidro sendo quebrado.

   Campanha de Solidariedade à Palestina coloca uma faixa na sede da BBC de
   Londres: "Palestina existe, Palestina resiste; BBC, acabe com o seu silêncio".

Em resposta às reclamações da PSC, a BBC originalmente disse que as palavras tinham sido removidas porque poderiam soar ofensivas para algumas pessoas.

Quando pressionados sobre quem poderia ser ofendido pela reivindicação de um fim para a ocupação, o então editor-chefe da BBC para áudio e música, Paul Smith, disse que o produtor do programa “não editou a palavra Palestina porque é ofensiva; referências à Palestina são permitidas, mas sugerir que ela não é livre é uma questão contenciosa”.

Democracia ou ditadura?

A última desculpa da BBC para a censura (de que os comentários de Kennedy não se encaixam na linha editorial) é deprimentemente familiar. Em abril deste ano, a BBC Quatro retirou da sua programação um documentário que dava evidências arqueológicas que sugeriam que o exílio judeu do ano 70 d.C. foi um mito. É nesta história sobre o exílio que o sionismo baseia o “direito” do povo judeu a “retornar” e colonizar a terra Palestina.

Quando questionada sobre o motivo de o documentário, parte de uma temporada sobre arqueologia, ter sido removido no último minuto, a BBC disse: “o filme não se enquadra na temporada editorialmente e não foi transmitido”.

Censurar artistas e reprimir a liberdade de expressão e dissensão política é a norma para emissoras estatais em regimes ditatoriais pelo mundo. O que é preocupante é quando começamos a ver este tipo de censura sendo praticado por nossas próprias emissoras estatais, a BBC. Em uma democracia, não deveria o público ser permitido saber que Israel está engajado em apartheid e que os palestinos estão sofrendo o resultado?

A BBC diz que não transmitirá as declarações de Kennedy no festival porque não se enquadram em um programa de música clássica. Ainda assim, por séculos, arte e música têm sido usadas para fazer declarações políticas.

Por que é tão amedrontador para a BBC quando os posicionamentos políticos em questão focam na ocupação israelense e na tentativa de subjugação do povo palestino? É compreensível que Israel, o ocupante, tentaria deter o holofote contra si. Mas qual é o pretexto da BBC?

*Amena Saleem é uma jornalista e ativista que trabalha com a Campanha de Solidariedade à Palestina em Londres, no Reino Unido.

Fonte: The Electronic Intifada
Tradução: Moara Crivelente, da redação do Vermelho