Odalys Buscarón: Relações Rússia – EUA estão em declínio

O caso do ex-analista da CIA Edward Snowden marcou um ponto na trajetória descendente das já complicadas relações russo-estadunidenses, apesar de inumeráveis gestos diplomáticos empenhados em uma aproximação.

Por Odalys Buscarón (*) 

Vale esclarecer que antes da chegada de Snowden ao aeroporto moscovita de Sheremetievo, a 23 de junho, as contradições acumuladas na agenda bilateral, só neste ano, eram suficientes para não crer no fim da retórica de confrontação.

Desde a volta do presidente Barack Obama à Casa Branca (janeiro de 2013), e da reeleição de seu par russo, Vladimir Putin, em março de 2012, as duas potências não conseguiram aproximar posições sobre questões estratégicas de segurança e o controle armamentista, para citar dois exemplos.

Existe coincidência entre especialistas russos em que a outorga de refúgio temporário a Snowden, o autor dos vazamentos do programa secreto da Agência de Segurança Nacional (ANS) para espionar clientes de Internet, foi só uma bolha na tormenta de desavenças.

Para surpresa de Moscou, Obama anunciou à ocasião de um encontro ministerial bilateral que cancelava a visita à capital russa para seu encontro com Putin, a inícios de setembro.

O encontro, preparado antecipadamente pelo chanceler Serguei Lavrov e o secretário norte-americano de Estado, John Kerry, apontava a esclarecer problemas pendentes na agenda, como o escudo antimísseis na Europa, que tanto irrita a Rússia por considerar uma ameaça a seu potencial nuclear e à segurança do território da Federação.

Segundo um artigo do site Global Research, existem outras razões de fundo e peso que impulsionaram Obama para essa abrupta decisão.

E é que parece que o político democrata está disposto a encarar os custos de uma deterioração dos laços russo-norte-americanos e satisfazer as exigências do setor ultrarradical dos neoconservadores.

Dentro do Congresso os senadores Bob Corker (republicano) e Eliot Engel (democrata) têm renovado a campanha para reviver o escudo, ignorando as preocupações de Moscou sobre a dispersão de mísseis balísticos para perto das fronteiras ocidentais da Rússia.

"Acho que o episódio mais recente (Snowden) soma-se a um número de discrepâncias surgidas nos últimos meses (…) e possivelmente seja adequado que façamos uma pausa, que reavaliemos para onde vai a Rússia, quais são nossos interesses centrais e calibremos as relações", expôs Obama na coletiva de imprensa.

Advertiu que "ninguém deve esperar acordos ao cem por cento" e as diferenças não podem ser disfarçadas totalmente.

O comparecimento de Obama ocorreu no meio das conversas em Washington, no formato "2+2", entre Lavrov, Ferry, e os titulares da Defesa, Sergei Shoigu e Chuck Hagel. O pronunciamento do governante não deixou dúvidas sobre um improvável acordo em torno do escudo, ainda que tanto Lavrov como Shoigu asseguraram que a reunião foi construtiva, e o mais importante, não há rupturas, nem retórica de "Guerra Fria", afirmou o chefe da diplomacia russa.

As críticas de Obama em seu discurso à situação dos direitos humanos na Rússia, em particular no âmbito dos homossexuais, seguiram a espiral de confrontação, desde que o Congresso – com sua aprovação – sancionou a lei Magnitsky, em dezembro de 2012.

Por iniciativa conservadora, o regulamento impôs a proibição de envio ao território norte-americano de servidores públicos russos, supostamente envolvidos em casos de violações de direitos humanos, sobretudo aqueles implicados no processo contra Serguei Magnitsky, acusado de evasão de imposto e morto em prisão, em 2009.

Em similar resposta, a Duma estatal aprovou a lei Dima Yakovlev, que proíbe a adoção de meninos russos por estadunidenses, unido a restrições de visto e outras medidas de pulso.

Para o vice-titular de Relações Internacionais do Conselho da Federação (senado) da Rússia, Andrei Klimov, a atitude de Obama resulta tremendamente estranha, em razão de que foi o mandatário quem proclamou o "reinício" das relações entre Rússia e Estados Unidos.

Obama viajou a Moscou no verão de 2009 com a missão de dar uma volta no relógio das deterioradas relações que deixou o ex-presidente George W. Bush.

O pronunciamento de Obama em relação à Rússia, afirmou Klimov, corrobora uma vez mais sua posição como "refém da situação política interna" e as tentativas dos Estados Unidos de erigir-se como o único centro de poder no universo.

Na opinião do assessor presidencial de Putin, Yuri Ushakov, a situação constata que "os Estados Unidos não estão prontos para desenvolver uma relação com a Rússia de igual para igual", como assim o proclamou naquele tempo o ocupante do Casa Branca.

Ainda que se minimize, não cabem dúvidas de que a concessão do refúgio temporário ao autor da revelação do escandaloso programa da NSA para espionar milhões de usuários, governos e firmas estrangeiras, provocou uma mudança brusca no cronograma de intercâmbios.

Não só ficou adiado o diálogo entre os presidentes, senão a assinatura de importantes acordos relativos ao comércio e os investimentos; a cooperação na luta contra o narcotráfico e o terrorismo internacional, além dos assuntos pendentes no tema do desarmamento nuclear.

Fontes oficiosas de ambas as partes asseguraram, no entanto, que os contatos prosseguirão entre os ministros e chefes negociadores.

Ao mesmo tempo, Obama esclareceu que irá à cúpula de líderes do G-20, programada para os dias 5 e 6 de setembro em São Petersburgo.

Após reviver os encontros "2+2", suspensos durante a era Bush, o divórcio em temas de maior envergadura na política internacional e das relações bilaterais torna improvável um giro no declínio das relações entre a Rússia e os Estados Unidos.

Seja como for, para o senador Klimov, os Estados Unidos se verão obrigados a cooperar com a Rússia em temas da atualidade mundial, que exige decisões mutuamente coordenadas, como no âmbito do Conselho de Segurança da ONU, onde as duas potências nucleares têm direito a veto.

(*) Chefe da sucursal da Prensa Latina em Moscou