Haroldo Lima: Desmascarar a trama, impedir a guerra

O mundo assiste, aparentemente indefeso, ao desenrolar de trama hipócrita, ajustada entre forças diabólicas, para levar a morte a milhares ou milhões de pessoas, a destruição a um ou diversos países, a guerra a regiões inteiras. Nada é eminentemente novo no pérfido cenário calculadamente montado pelos Estados Unidos para fazer guerra à Síria.

Por Haroldo Lima*

Militantes na Síria - Ricardo Garcia Villanova / AFP / Getty Images

O comando do processo é do Estado norte-americano, que se considera acima dos demais, que julga, castiga, fulmina, assassina e mente descaradamente, para simular que são sérios seus propósitos e suas informações. Seus sequazes tampouco mudaram, são os governos inglês e outros controlados pela famigerada Otan, tisnada pelo sangue dos povos por ela massacrados.

O embuste divulgado é cópia quase igual a uma das mentiras mais deslavadas e desmascaradas já apresentadas ao mundo: a de George Bush, presidente dos EUA, em 2003, dizendo que o governo norte-americano tinha informações precisas de que o Iraque armazenara armas de destruição em massa.

A Inglaterra e a turma da Otan somaram-se aos norte-americanos no entendimento de que aquilo era inaceitável. Como poderiam admitir que o Iraque, um país não europeu, cheio de árabes e mulçumanos, tivesse armas de destruição em massa? Não. Só eles, os poderosos, poderiam tê-las. Uma resposta deveria ser dada de imediato, a guerra.

Nenhum crédito foi dado às reiteradas afirmações do governo iraquiano de que não possuía as referidas armas. Em março de 2003, o inspetor de armas da ONU Hans Blix declarou que, no Iraque, "nenhuma evidência (da presença das armas de destruição em massa) foi encontrada até agora".O embaixador Joseph C. Wilson, a serviço da CIA, escreveu no The New York Times, em junho de 2003, que as alegações de posse de armas de destruição em massa por parte desse país “eram falsas”.

Mas a conclusão já estava tomada: as armas existiam, e se ninguém as encontrava é porque estavam bem escondidas. A histórica cidade de Bagdá foi bombardeada, uma chuva de mísseis caiu sobre ela a 20 de março de 2003, quando começou a invasão e ocupação do Iraque, que, formalmente, duraria nove anos. O governo foi deposto. Seu presidente, humilhado e assassinado. Em meio aos saques de bens da antiga Babilônia, o país foi posto de pernas para o ar. E as armas de destruição em massa não foram encontradas. Não existiam.

Aos olhos do mundo um dado escandaloso ficou patente: uma guerra foi feita a partir de uma mentira solenemente afirmada e reiterada pelo presidente dos Estados Unidos George W. Bush. O Iraque ocupado foi presa fácil para a pilhagem de suas riquezas, sobretudo petrolíferas, e a organização de seu Estado, de suas forças armadas, de sua textura social, da paz possível que lhe permitia conviver com suas seculares diferenças religiosas, tudo acabou. Um crime, que, como outros tantos está impune, porque foi perpetrado pelo Senhor da Guerra.

Agora, ante os olhos incrédulos de muitos pelo mundo afora, os mesmos atores do crime bárbaro descrito, no mesmo cenário geopolítico, com a mesma desfaçatez, urde outra ópera-bufa similar, que conta mentiras e arrosta empáfia, e que só não é plena de ridículo e comicidade porque carrega letal carga de destruição e morte em dimensões insondáveis.

Os Estados Unidos há muito ameaçam a Síria, cujo governo não aceitou ser capacho norte-americano. E, tal qual a Líbia que também não aceitou essa vil condição, e por isto foi destruída, a sobrevivência da Síria ficou posta em causa há bastante tempo.

Outros fatores trabalham também favorecendo a guerra. A crise capitalista desgastou a economia norte-americana e depauperou a europeia. Seus produtos altamente industrializados não encontram mercados compradores. O predomínio da paz, ainda que com tensão e escaramuças, não cria um grande mercado consumidor de produtos nos quais os Estados Unidos tenham superioridade tecnológica. Uma guerra, sim, criaria um enorme mercado de armas, consumiria caudal de mísseis, tanques e artefatos de todos os tipos e, tal como em outras situações, as fábricas norte-americanas de armas e munições se reanimariam e poderiam aquecer a economia depauperada.

Tudo pronto, faltava o pretexto, a ignomínia. Na terra de Bush isto não foi um grande problema. Tratava-se de dizer, de forma retocada, e com a maior empáfia, a mesma coisa que o presidente da mentira dissera em 2003. Lá, ele afirmara ter descoberto, estocadas, armas de destruição em massa. Agora, dever-se-ia dizer que essas armas acabaram de ser usadas. Provas, lá não houve, e o próprio povo norte-americano não as exigiu muito. Também não havia porque exigir muito agora. Lá, foi dito que elas não foram encontradas porque estavam bem escondidas.

Agora, dever-se-ia dizer que o governo sírio, que as usou, sumiu com os vestígios de seu uso! Nada é verdade, mas pouco importa. Importa é a coisa ser dita, com a maior seriedade, e com o semblante de quem está preocupado com a paz no mundo, pelo presidente dos Estados Unidos. E outro ingrediente deveria ser acrescentado: o de que as intervenções norte-americanas e de seus seguidores dar-se-iam por razões humanitárias…

A Síria ainda não foi bombardeada. A guerra ainda não começou. O processo que a deflagrará, contudo, já está em curso. A ONU está sendo, mais uma vez, posta de lado, e o governo norte-americano não pensa em consultar seu Conselho de Segurança por saber que teria que enfrentar os vetos da Rússia e da China.

É hora de gestos eloquentes, de vozes se altearem e denúncias serem feitas, para que mais um crime imperialista não aconteça e o mundo não se veja às voltas com grandes morticínios e ameaças de grave conturbação da ordem.

*Haroldo Lima é membro do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil (PCdoB)