Em Israel, a mídia reproduz a violência e apoia a guerra
Entre quinta-feira (5) até este sábado (7), a rede acadêmica “Interdisciplinary Net” realizou três conferências em Oxford, no Reino Unido. Na sessão intitulada “Comunicação e Conflito”, apresentei uma análise da mídia israelense na cobertura da Operação Chumbo Fundido, ofensiva que o Exército de Israel conduziu (com um papel fundamental da mídia etnocêntrica e dos argumentos da violência), durante 22 dias, contra a Faixa de Gaza.
Por Moara Crivelente, de Oxford para o Vermelho
Publicado 08/09/2013 06:54

O trabalho que apresentei neste sábado (7) intitula-se “O papel da mídia na mediação: Conflito israelense-palestino”, com discussão bastante frutífera.
O papel destrutivo (e que perpetua a violência) desempenhado pela mídia tradicional vem se comprovando de forma bastante clara, não apenas em casos de conflito armado ou da opressão violenta e direta, mas também, e talvez mais frequentemente, na manutenção de estruturas opressoras e relações de poder em vários níveis: doméstico, comunitário, nacional e internacional.
Motivos fundamentais identificados, como no caso da análise que fiz, são exatamente o etnocentrismo, o simplismo, o sensacionalismo e o papel fundamental das estruturas do Estado e do Exército como fontes principais, em caso de conflito armado. Neste sentido, a opção pela violência acaba reproduzida sem crítica pela mídia nacional, extremamente dependente das fontes oficiais para conseguir informações, principalmente em situação de guerra.
Minha análise centrou-se em dois jornais principais de Israel, o Haaretz e o Yediot Aharanot, e foi apoiada em métodos de importantes observatórios da mídia, de especialistas no assunto (inclusive do professor israelense Gadi Wolfsfeld) e de jornalistas locais (como a israelense Amira Hass, que mora em Ramallah, na Cisjordânia), abordando a influência da mídia na reprodução do discurso oficial de justificação da violência.
Exemplos são os “mecanismos jornalísticos de defesa”, como posto pelo professor Wolfsfeld, que servem para demonizar "o outro" (no caso, o Hamas, que apesar de ser um movimento de resistência e partido que governa a Faixa de Gaza, é referenciado apenas como grupo terrorista, assim como os seus membros, “operativos do terror”) e a humanização dos “nossos”.
O recurso à linguagem estratégica e militar quando cobrindo a morte do “outro” e a contextualização das circunstâncias da morte dos “nossos” (com números, associações combativas e outros recursos, no primeiro caso, ou nomes, idade, residência e circunstância da morte, no segundo caso), são exemplos desses mecanismos.
No primeiro ataque aéreo, realizado em 27 de dezembro de 2008, o saldo foi de 205 palestinos mortos. O maior número de vítimas fatais em um só dia desde a "Guerra dos Seis Dias", em 1967, foi dado como: “a maioria dos mortos era formada por operativos do Hamas”. De fato, 99 deles eram policiais que se formavam na Academia de Polícia e ao menos nove estavam no público, durante a cerimônia de comemoração. Mas isso foi explicado pelo Exército como “operativos do Hamas que usavam uniformes”, o que os tornaria, segundo a sua própria interpretação do Direito Internacional Humanitário, em “alvos militares legítimos”.

morte de tantos civis durante a Operação Chumbo Fundido. O Exército israelense alega que
o Hamas esconde-se e protege-se atrás dos civis.
No caso da única vítima fatal israelense, naquele dia, logo após a menção aos 205 palestinos mortos, "a maioria de operativos do Hamas", explicou-se a morte de Beber, 58 anos de idade, de Netivot (vila próxima à Faixa de Gaza), que estava em sua casa. A contextualização (e a humanização) torna-se fundamental para noticiar a morte "dos nossos".
A representação das vítimas palestinas também exemplifica um ponto fundamental para a análise: o uso do Direito Internacional Humanitário (chamado de “Direito da Guerra”, por alguns, já que estabelece limites da conduta beligerante, em teoria) como um vocabulário ético para explicar a morte e a guerra. No caso israelense, isso é institucionalizado, com a participação ativa de agentes de relações públicas e de diplomatas na seção de Advocacia Geral do Exército. Isso é detalhado por alguns pesquisadores como “lawfare” (condução da guerra através do Direito).
Estes e outros aspectos são fundamentais para a análise dos artigos publicados à época da Operação Chumbo Fundido, sobretudo pela reprodução acrítica que fizeram do discurso oficial, da justificação da guerra, principalmente com a transferência da “culpa” ou da responsabilidade ao Hamas. A mídia israelense vem sendo criticada frequentemente pelo papel destrutivo que desempenha na relação entre Israel e a Palestina e, assim, na manutenção da violência, da opressão e da ocupação, em geral.
Neste caso, sua atuação custou aos palestinos cerca de 1.400 mortos e a destruição de centenas de estruturas civis (como edifícios do governo, agências internacionais de ajuda humanitária e das residências, escolas, mesquitas, entre outras), mas o Exército finalizou a operação com um discurso de vitória e de “objetivos militares cumpridos”. Outra vez, reproduzidos pela mídia, em geral, com pouca crítica dos resultados.