Lei de desapropriação pode ser revista por Corte israelense

Juízes da Suprema Corte israelense indicaram, nesta terça-feira (10), que querem evitar invocar a controversa Lei de Propriedade Ausente em Jerusalém Leste (território palestino), usada frequentemente para transferir propriedades de donos palestinos para as mãos de israelenses judeus. A Lei, de 1950, desenvolve-se em diversas condicionantes que reproduzem a discriminação racial e a ocupação israelense.

Bairro de Jerusalém Leste - Daniel Bar-On

A Lei de Propriedade Ausente foi conformada por uma série de medidas formuladas por líderes judeus após a Guerra de 1948, que resultou no estabelecimento do Estado de Israel, para a desapropriação de terras e residências palestinas, na construção e instituição do país judeu, então governado pelo primeiro-ministro (e atual herói nacional) David Ben-Gurion.

Em 1950, essas “ordenações emergenciais” foram compactadas em uma só lei, aprovada pelo parlamento israelense (Knesset). Apesar de ser caracterizada por um extenso detalhamento de comércios, propriedades agrícolas, residências e vilas que poderiam ser desapropriadas caso abandonadas (mesmo que por pequenos períodos de tempo em um contexto em que se formavam grupos de milhares de refugiados ou deslocados), a lei ainda é usada para a desapropriação e a demolição de propriedades palestinas.

Apesar do anúncio de desistir de recorrer à Lei para casos na Suprema Corte, entretanto, os juízes disseram estar preocupados com o desenvolvimento da opção, ou com “abrir a caixa de Pandora” dos problemas legais, de acordo com o jornal israelense Haaretz. Desde 1968, a aplicação da lei em Jerusalém já foi questionada por juízes e promotores ao menos mais quatro vezes.

Qualquer pessoa que viveu em um “país hostil”, ou na área da “Terra de Israel” que não estivesse sob o controle do Estado de Israel (como na Cisjordânia), e que fosse dona de propriedades dentro do Estado, segundo a lei, é considerada um proprietário ausente, e sua propriedade pode ser transferida para a Custódia de Propriedades de Ausentes do Estado. O objetivo primário desta lei era possibilitar o uso das terras que pertencem aos árabes refugiados da “Guerra da Independência”, de 1948, como denominada por Israel.

Depois da Guerra dos Seis Dias, em 1967 (ou Guerra Árabe-Israelense), que resultou na expansão das fronteiras municipais de Jerusalém até a Cisjordânia, os palestinos que tinham bens no município encontraram-se subitamente considerados “proprietários ausentes”, embora não tivessem ido a qualquer parte. Por vezes estavam vivendo a apenas alguns metros de distância, separados apenas pela nova linha divisória que Israel havia desenhado.

Ocupação transformada em discussão judicial

É estonteante analisar a forma como as questões da ocupação israelense sobre os territórios palestinos são transformadas em assuntos jurídicos, com argumentação baseada nesta lei de 63 anos, estabelecida durante a guerra que expulsou milhares de palestinos das suas casas e terras.

Em quatro casos julgados na Corte Suprema, moções para recorrer das decisões afirmam que a aplicação da Lei de Propriedade Ausente dentro de Jerusalém contradiz o objetivo da lei original: permitir o uso da propriedade deixada para trás por refugiados que fugiam da guerra.

Já não se pode classificar a região, que tem sido controlado por Israel há mais de 45 anos, de “território inimigo”, de acordo com os representantes dos palestinos, que opinam também que na aplicação atual da lei, colonos judeus na Cisjordânia que deixaram propriedades em Israel são ausentes cujas posses poderiam (mas não são), confiscadas pelo Estado. Mais uma vez, a discriminação racial na aplicação da lei fica evidente.

Além disso, defensores palestinos criticam o desenvolvimento da lei em que propriedades de Jerusalém Leste confiscadas não serão devolvidas a palestinos que tenham um “cadastro securitário” ou conexão com “elementos hostis”, o que em diversos âmbitos do corpo legal israelense, dá espaço para qualquer atividade política de resistência. Ainda, a ligação entre leis de propriedade e a segurança é também questionada, ao levantar-se mais uma vez a denúncia de abuso da lei.

Mais condicionantes questionáveis incluem a ponderação, na eventual devolução da propriedade confiscada de um palestino, sobre os efeitos da liberação da propriedade, de acordo com a sua localização e o tecido dos bairros de Jerusalém. Isto tornaria difícil que palestinos recebessem de volta as suas propriedades caso judeus tivessem se mudado para áreas adjacentes.

Com Haaretz,
Moara Crivelente, da redação do Vermelho