Baby Siqueira Abrão: A carta de Putin ao povo dos Estados Unidos

O presidente russo estende a mão – de novo – a Barack Obama, dessa vez para tirá-lo da areia movediça constituída pela máfia que o cerca, lhe dá ordens e age contra os interesses dos cidadãos estadunidenses.

Por Baby Siqueira Abrão*, no Brasil de Fato

Vladimir Putin, presidente da Rússia, está usando (quase) todas as suas cartas para evitar um ataque militar dos Estados Unidos à Síria – ataque que, os serviços diplomáticos e de inteligência bem sabem, vai se transformar num conflito muito maior, dominando o Oriente Médio e grande parte do mundo. E vai respingar feio na América Latina, que além de óleo e gás, tem um recurso valioso que a Ásia ocidental não tem: a rica biodiversidade.

O mais recente movimento de Putin foi publicar um artigo assinado no New York Times de 11 de setembro. Pelo conteúdo, percebe-se que ele se dirige não apenas à opinião pública dos Estados Unidos, mas principalmente ao Congresso e ao presidente Barack Obama. O tom conciliador muito provavelmente fará aumentar o número de cidadãos estadunidenses que se opõem à guerra à Síria e, consequentemente, fará crescer a pressão que eles vêm exercendo nos congressistas para que votem contra o ataque militar ao país árabe. O principal objetivo de Putin, claro nas entrelinhas da carta, foi estender mais uma vez a mão a Obama, agora para ajudá-lo a sair de um lamaçal onde se misturam interesses sorrateiros e grupos idem, dispostos a provocar uma conflagração mundial para impor suas agendas sinistras a todos nós.

Esses grupos vêm agindo em países poderosos – e naqueles com algum poder regional, como o Brasil – há muito tempo, mas só recentemente passaram a exercer pressões mais intensas e mais urgentes. Tem-se a impressão de que eles se cansaram de estratégias graduais de convencimento da opinião pública e decidiram agir sem se importar mais com isso.

Basta, como se diz, “ter olhos para ver” a fim de descobrir, por meio das ações desses grupos, o que eles têm em mente. O direito internacional foi substituído pela força bruta, os direitos humanos foram atirados no lixo e as organizações terroristas vêm sendo apoiadas e armadas abertamente por aqueles que as criam. A manipulação de crenças e de emoções mantidas à flor da pele em treinamentos militares extenuantes e pela administração de drogas as mais diversas está formando exércitos compostos de monstros que hoje possuem e sabem manejar armas pesadas, além de substâncias químicas e biológicas capazes de exterminar populações inteiras em segundos.

Esse risco à humanidade ficou claríssimo quando o príncipe saudita Bandar bin Sultan visitou a Rússia, em agosto, para oferecer a Putin um acordo vantajoso no controle do óleo e do gás do Oriente Médio em troca de abandonar a Síria à própria sorte. Essa oferta não surpreende no cenário da política internacional. O que realmente surpreendeu foi a segunda oferta de Bin Sultan: impedir que terroristas chechenos realizem operações criminosas nas próximas Olimpíadas de Inverno da Rússia. “Os grupos chechenos que ameaçam a segurança dos jogos são controlados por nós”, afirmou Bin Sultan, segundo The Telegraph.

Madre Agnes Maria da Cruz, em entrevista ao jornal israelense Haaretz, denunciou os chechenos como os “mais cruéis” dos mercenários em ação na Síria. Mas sabemos todos que qualquer ser humano, adequadamente “azeitado” – incentivado em suas emoções e crenças mais profundas, com a consciência alterada por drogas e levado pelo chamado “espírito de grupo” (que nos leva a seguir as ações da maioria) – é capaz de torturar e matar sem nem mesmo se dar conta do que está fazendo.

São monstros assim que as grandes potências estão criando para desestabilizar países, em nome dos interesses de uma minoria que saliva diante da possibilidade de conquistar, a qualquer preço, as reservas de óleo, gás, pedras preciosas e matérias-primas para o fabrico de entorpecentes vendidos a preços altíssimos. Não importa quem mate ou quem morra, e em que número. Não importa se mulheres ou crianças – é até melhor que sejam mulheres, porque assim não darão à luz outros seres humanos, e crianças, que amanhã engrossarão as fileiras de desempregados e desesperançados, podendo virar-se contra os responsáveis por sua miséria pessoal, cultural, econômica, social. Não é outro o motivo, por exemplo, pelo qual os ataques do Exército de Israel a Gaza, e os mísseis lançados por drones estadunidenses no Afeganistão e no Paquistão, vitimam tantas mulheres e tantas crianças.

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Obama é presa desses grupos. Eles sabiam que para executar seus planos de domínio mundial era preciso sobretudo controlar o país militarmente mais poderoso do planeta. Conseguiram – depois de muitas ameaças, corrupção e assassinatos. Financeiramente poderosos, mandam no Congresso dos Estados Unidos. Agrados econômicos e ameaças políticas e pessoais levam esses grupos a aprovar as leis que seus assessores elaboram e entregam, prontas, para uma votação de cartas marcadas. Os mesmos métodos são empregados para convencer presidentes a agir segundo os interesses desses grupos. Eles sequestraram o mundo, com algumas raras exceções. Cuba, Venezuela, Irã, Rússia, China estão entre essas exceções, e por isso são países muito visados.

O que Vladimir Putin fez, com sua carta ao povo estadunidense, foi garantir a Obama que ele não está só e que pode virar o jogo, porque terá o apoio da Rússia e de seus aliados. Não foi ao acaso a crítica ao suposto “excepcionalismo” dos Estados Unidos, presente no discurso que Obama fez à nação na terça-feira, dia 10. Essa retórica é parte da retórica sionista sobre a própria “excepcionalidade”, que supostamente lhe daria o direito de se colocar acima de todos os povos e do direito internacional.

Esse recado de Putin também foi dirigido ao Congresso dos EUA, sempre subserviente à “excepcionalidade” alheia –— e própria. Agora é ver se os parlamentares vão se interessar mais pelo destino da humanidade, nas mãos de uma quadrilha perigosa, ou pelos milhares de dólares que tilintarão em suas contas bancárias caso aprovem o ataque à Síria.

Se Obama aceitar a mão estendida de Putin e se aliar a ele, grupos que dão retaguarda a pessoas como Bin Sultan e os voluntários do AIPAC, lobby sionista pró-guerra atuante no Congresso dos Estados Unidos, que vem visitando os políticos para garantir que a ação militar contra a Síria seja aprovada (veja meu artigo de ontem), começarão a perder espaço. Para alívio de todos nós.

*Baby Siqueira Abrão é jornalista, tradutora, escritora e pós-graduanda em filosofia, é correspondente do jornal Brasil de Fato no Oriente Médio.