Obama suspende intervenção na Síria por proposta da Rússia

Em discurso nesta terça-feira (10) à noite, o presidente dos EUA Barack Obama afirmou que adiará a intervenção militar contra a Síria, para dar uma chance à proposta da Rússia, de entrega do arsenal químico sírio à Organização das Nações Unidas (ONU). Obama vem se deparando com uma oposição contundente à intervenção, por diversos motivos, e a votação prevista para esta quarta-feira (11) no Congresso estadunidense poderia negar a ofensiva.

Por Moara Crivelente, da redação do Vermelho

Barack Obama em discurso - Vídeo / Casa Branca

O discurso feito por Obama na Casa Branca foi televisionado, como uma conversa direta com os cidadãos estadunidenses. O presidente explicou, supostamente de forma didática, suas motivações e os planos para a possível intervenção militar, mas também disse que devido à falida experiência no Iraque, compreende a negativa da população, através de manifestações de rua, opiniões articuladas e da própria movimentação dos congressistas, que exigiram a votação do assunto em carta a Obama.

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A votação seria realizada nesta quarta-feira (11), dois dias depois do final do recesso no Congresso. Ao contrário do caso britânico, em que o Parlamento foi convocado de volta das férias para a votação (que resultou em uma negativa à participação do Reino Unido em uma intervenção), Obama esperou até o fim do recesso para que uma discussão ocorresse.

“É muito cedo para dizer se esta oferta [de entrega das armas químicas] será bem sucedida, e qualquer acordo deve garantir que o regime do [presidente da Síria Bashar] al-Assad cumpra seus compromissos”, disse Obama. “Mas esta iniciativa tem o potencial de remover a ameaça das armas químicas sem o uso da força”. Neste sentido, uma reunião do Conselho de Segurança da ONU, prevista para esta terça à tarde, foi suspensa.

A proposta russa, feita na segunda (9) pelo chanceler Serguei Lavrov ao homólogo sírio, Walid Muallem, em Moscou, foi rapidamente aceita e saudada por diversos líderes, entre os que já tinham se pronunciado contra uma ação militar e os que a favoreciam, ainda que indiretamente (sem grandes discursos a respeito), como a Liga Árabe, à revelia do clamor por uma intervenção pelos grupos (paramilitares, formados inclusive por mercenários estrangeiros, e políticos no exterior) que se aglomeram na categoria de “oposição” ao governo Assad.

Interessa ressaltar também a perspectiva do Instituto de Pesquisa sobre a Paz de Estocolmo (Sipri), organização sueca de monitoramento sobre os armamentos mundiais, que saudou a iniciativa como uma oportunidade para a Rússia demonstrar uma liderança global. Defendendo uma solução política e soberana para o conflito na Síria, a Rússia tem se afirmado contrária à ação militar, ainda que preocupada com a situação dos civis e os efeitos devastadores da violência armada prolongada por dois anos e meio.

De acordo com analistas que vinham criticando a posição dos EUA, do Reino Unido e da França, na defesa histérica da ofensiva militar contra a Síria, a proposta da Rússia de entrega do arsenal químico poderia ser interpretada de três formas gerais: é uma medida inteligente do governo de Assad, para demonstrar seu comprometimento e sua preocupação com os efeitos de uma intervenção militar sobre os civis; foi um tiro pela culatra dado pelo secretário de Estado John Kerry, que teria dito de forma desacreditada: “Quem sabe, talvez se eles entregassem suas armas químicas…”, para a pergunta sobre o que evitaria uma medida militar; ou na verdade, uma salvação para os EUA, que estão cada vez mais isolados na empreitada intervencionista.

No discurso, Obama disse que pediu aos líderes do Congresso, com suas diferentes motivações para a negativa à intervenção militar, que adiassem a votação sobre a ação. Jornais como o próprio New York Times já previam que o resultado seria negativo, como foi no caso do Reino Unido, contrariando a propaganda que tem sido feita por Obama, pelo próprio premiê britânico David Cameron (que até liderou o discurso intervencionista por um tempo), pelo presidente François Hollande, da França, e pelo secretário de Defesa norte-americano, Chuck Hagel.

Por outro lado, Obama “não disse quanto tempo está disposto a esperar” e nem o que fará caso a proposta russa não seja credível, ressalta o New York Times. “Para Obama, o discurso de 16 minutos desde a Sala Leste foi um reconhecimento franco de quão radicalmente a paisagem política e diplomática mudou em apenas alguns dias”, afirma o artigo. Notável também tem sido a afirmação de alguns "estrategistas" de que foi a ameaça de intervenção que possibilitou uma "posição mais comprometedora" do governo sírio.

Entretanto, Obama não deixou de referir-se às imagens “doentias” das vítimas civis dos ataques realizados no dia 21 de agosto, na região de Ghoutta, próxima à capital, Damasco. Os ataques, além de terem sido atribuídos ao governo pelos paramilitares (fontes consideradas “legítimas” pela mídia dominante, que toma parte do clamor pela intervenção), ainda não há conclusão sobre seus resultados na investigação conduzida pela equipe de peritos da ONU, que esteve na Síria após o convite e a negociação com o governo de Assad.

Os efeitos do uso da força, ainda que Obama reitere que seu objetivo não é a “mudança de regime” na Síria, certamente teriam impactos ainda mais desestabilizadores em um país e uma região já abalados pelo apoio financeiro e político dado pelo Ocidente e por países como a Arábia Saudita e a Turquia aos paramilitares.