João Moojen: Eleições diretas para o poder judiciário
A direita brasileira, como foi alijada democraticamente do Poder Executivo da Nação, busca fazer do Poder Judiciário o seu reduto privilegiado de luta política e manutenção de privilégios de classe.
Por João Augusto Moojen*
Publicado 13/09/2013 12:02 | Editado 13/12/2019 03:30
Sobre o Poder Judiciário
Hoje, assim como a relação do Estado com o capital – de cumplicidade orgânica – que obviamente continua, a relação do Poder Judiciário com os movimentos sociais e as organizações populares é de repressão estrutural, como também, é vanguardista dos interesses da direita reacionária.
O julgamento do STF em 2012 no dito “mensalão” tem um sentido claramente político e projeta-se no cenário da eleição presidencial de 2014. Não pretende-se aqui examinar esse processo, mas tomá-lo como exemplo do papel do Poder Judiciário na legitimação do Estado burguês.
As contradições subjacentes a esse processo não se resolveram. Mais ainda, exigem outra concepção de política e de luta política, baseada no marxismo enquanto corrente de pensamento e ação indispensável à libertação das classes trabalhadoras da tutela ideológica da burguesia.
O direito, a lei e os procedimentos para a aplicação da lei, na medida em que implicam instituições estatais, constitui, na perspectiva marxista, a superestrutura jurídico-política da sociedade a qual correspondem formas de consciência social, uma das quais certamente diz respeito ao pensamento dos juristas em suas diversas vertentes. Herdeiros do iluminismo e do hegelianismo cultivado pelos ideólogos alemães do século 19, tais juristas, com raras exceções, invariavelmente começam a história do direito pela concepção de justiça que identificam em cada época, apresentando-as como um desdobramento da razão histórica. Deste modo fortalecem a mitologia do constitucionalismo que legitima o direito atual.
Sob o império de Napoleão Bonaparte é que se cria a atividade judicial como função de Estado, pode-se dizer que uma das características do moderno estado de direito burguês nasce sob o manto do “despotismo da liberdade” (burguesa) de Napoleão na medida em que o regime estabeleceu a igualdade de todos os indivíduos perante a lei escrita ( código civil de 1804) e impôs a organização da magistratura em carreira, hierarquizada e obediente à lei, nomeada pelo poder executivo, para garantir o formalismo jurídico. Ainda não era um poder autônomo, pois as decisões dos tribunais dependiam da homologação do executivo.
A tripartição dos poderes do estado burguês resultou das lutas de classes do final do século 19 e do primeiro quartel do século 20 e das próprias mudanças que acarretaram, a exemplo das “salvaguardas constitucionais” para conter a ameaça do proletariado. Nesse sentido, a burguesia impulsionou a conformação do Poder Judiciário nos moldes da atualidade ao atribuir-lhe o papel de guardião da Constituição e da aplicação das leis conforme esta.
Na medida em que se amplia o processo de democratização, desenvolve-se também o sistema de controle. É dessa perspectiva que se deve avaliar aqui a função jurisdicional. Se a jurisdição constitucional assegura um processo escorreito de elaboração legislativa, inclusive no que se refere ao conteúdo da lei, então ela desempenha uma importante função na proteção da minoria contra os avanços da maioria.
No Estado burguês, o Poder Judiciário foi lançado no centro da vida social para intervir nas controvérsias jurídicas entre os poderes executivo e legislativo. Esse processo é a judicialização da política, tendendo à superação do modelo da separação dos poderes do estado burguês. Inevitavelmente, a autonomização do judiciário é afetada, acarretando a sua politização.
Os juízes são sujeitos políticos investidos de toga sem que a sua politização se desprenda dos marcos da legalidade burguesa. As relações sociais fundamentais entre capital e trabalho estão, portanto, asseguradas por esses mecanismos cuja eficácia somente pode ser explicada quando consideramos que a classe operária encontra-se na situação de defensiva histórica.
A financeirização do capital acarreta o aguçamento da luta pela redistribuição da mais-valia e, portanto, acentua o conflito entre as diversas frações do capital no comando do estado burguês no âmbito nacional. Tal conflito se expressa na relação entre os poderes constituintes do estado e na própria interpretação do poder judiciário enquanto “guardião constitucional”. É o que esteve em jogo no caso do processo penal do “mensalão”, julgado pelo STF.
No caso brasileiro em tela, a “judicialização” da política é uma tendência que reforça a máquina repressiva do Estado burguês. Assim, a ação do STF é provocada pelo Ministério Público Federal que, por sua vez, ampara-se na Policia Federal. Este órgão repressivo logrou alcançar um “empoderamento” tal que nem os militares teriam ousado permitir: a Polícia Federal estava à frente de 17 secretarias estaduais de segurança pública em 2010 e assumiu a coordenação da Força Nacional, aperfeiçoando a máquina repressiva do estado.
A interdependência entre o consenso e coerção no Estado brasileiro constituem uma advertência para aqueles que acreditam na democratização progressiva do Estado como estratégia da evolução para o socialismo. Isto é esquecer a tese clássica do marxismo sobre a unidade do Estado burguês e a divisão entre poderes é funcional a essa unidade.
Nossas teses apontam para o aprofundamento da democracia – exemplo é a Reforma Política – como medida para avançarmos nas mudanças em nosso país. O ítem 129 trata sobre as distorções e deficiências na esfera do Judiciário. A intenção deste artigo é propor o debate sobre a Eleição Direta para o Judiciário, único poder onde não há eleição com participação popular.
Penso que falar em Reforma Política, sem alcançar as estruturas do Poder Judiciário, é propormos uma reforma capenga. Só participação popular contrapõe poderes.
*João Augusto Moojen é militante da Base dos Advogados do PCdoB de Porto Alegre/RS.