Noam Sheizaf: oponho-me a reconhecer Israel como Estado judeu

Começando seu segundo termo como primeiro-ministro, e apresentando suas condições para as negociações com a Autoridade Palestina, Benjamin Netanyahu emitiu uma nova demanda para qualquer acordo final, uma que estava ausente de todas as rodadas de conversação anteriores, formal e informalmente.

Por Noam Sheizaf*, na +972 Magazine

Colonos judeus na Cisjordânia - Reuters

Diferente de seus antecessores, Netanyahu não estava satisfeito com o reconhecimento palestino do Estado de Israel, algo que a Organização para a Libertação da Palestina fez em 1988, e outra vez como parte dos Acordos de Oslo. Ele quer que eles reconheçam Israel como um Estado judeu.

Assim como muitas das políticas de Netanyahu, este último passo foi tratado por muitos como outro truque desenhado para impedir que o processo diplomático alcance uma conclusão; e a suspeita não era infundada.

No passado, Netanyahu foi pego pelas câmeras gabando-se para os colonos sobre o seu sucesso ao achar brechas nos Acordos de Oslo e usá-los para descarrilhar o processo. A exigência do reconhecimento de Israel como um Estado judeu pode ter sido outra mina cuidadosamente plantada fadada a detonar se uma perspectiva séria de solução de dois Estados sequer aparecesse.

Entretanto, mesmo que a demanda de Netanyahu fosse genuína, e não parte da sua estratégia de (não) negociação, ela deveria ser rejeitada, não apenas pelos palestinos, mas também pelos israelenses. Porque um Estado “judeu” (em oposição ao Estado cuja cultura é judia, ou que é “um lar nacional” para os judeus) sempre será um Estado racista e discriminatório.

A maior parte dos sionistas dominantes argumentaria que um “Estado judeu” não é diferente de um Estado alemão ou um Estado italiano, ou qualquer Estado-nação cuja identidade não é baseada no caldo cultural de uma sociedade imigrante (como o modelo americano).

O modelo de cidadania naqueles países é baseado em relações sanguíneas dentro de uma comunidade bem definida; ocasionalmente, eles também levam consigo algum simbolismo religioso, como uma cruz, ou um crescente. Por que não poderiam os judeus (discutivelmente uma das nações mais antigas e perseguidas da Terra) aproveitar-se de um Estado-nação próprio, também?

Mas este argumento é apenas uma semi-verdade: nacionalidades modernas, especialmente após a Segunda Guerra Mundial, têm nelas uma dimensão inclusiva. Uma pessoa pode não ser alemã por origem, mas assim que assume a cidadania alemã (ou italiana, ou britânica), ela se torna alemã (ou italiana, ou britânica), para todos os intentos e propósitos. Ela disfrutam dos mesmos direitos legais e estatuto simbólico que todos os outros cidadãos, sem importar quão antiga é a linhagem da sua família na história da nação.

Em outras palavras, a implementação do Estado do termo alemão é abrangente e inclusivo, mesmo quando a nacionalidade histórica germânica continua exclusiva. Uma pessoa pode ser alemã, mas também pode ser judeu e alemão, ou muçulmano e alemão, ou turco e alemão.

A identidade judaica não pode e não deseja ser inclusiva (na minha concepção, isso é parte da beleza do judaísmo, porque nunca tentou converter os que não acreditam). Um Estado que se vê como um “Estado judeu” é inerentemente um Estado exclusivo, porque uma pessoa não pode se tornar palestina-judia, ou muçulmana-judia.

Quase 25% dos cidadãos israelenses não são judeus. Isso é muito mais do que o número de latinos e afrodescendentes nos Estados Unidos. Se Israel for um Estado judeu, isso significa que um quarto da população não pode, nunca, ser integrada ou integrar-se à identidade central do Estado. Ele ou ela provavelmente será discriminada tanto formalmente quanto na prática, mas mais importante, essa pessoa será desprovida de significado simbólico de cidadania no modelo de Estado-nação.

O fato de que os palestinos são uma porção nativa torna as coisas ainda mais grotescas. Imaginemos, por exemplo, se os bascos fossem excluídos da nacionalidade espanhola enquanto ainda fossem residentes da Espanha, ou se os indígenas dos Estados Unidos não fossem chamados (ou não gozassem dos direitos completos que acompanham o nome) de estadunidenses; ou se os EUA fossem reconhecidos como um “Estado branco”, mas os afrodescendentes ainda pudessem ser cidadãos. E assim por diante.

Isso significa que Israel precisa ser inerentemente racista, um Estado exclusivo? De forma alguma. É por isso que a identidade israelense foi inventada. Diferente de “judeu”, a identidade israelense poderia, em teoria, ser inclusive. Uma pessoa pode ser palestina-israelense, ou muçulmana-israelense. Se ela vai querer, ou não, é outra história, mas a opção de inclusão existe.

Na verdade, é possível imaginar uma identidade israelense que é indiferente às questões étnicas ou religiosas (para confirmar, este não é o caso atualmente): um país que tem tantos judeus e uma cultura judaica dominante, mas um país ao qual não-judeus também pertencem, da mesma forma que os judeus.

Não há tal coisa: um Estado “judeu e democrático”; nunca houve e nunca haverá, a menos que se queira redefinir o que significa a cidadania em uma democracia moderna. Mas poderia haver um Estado israelense democrático, ao menos em teoria.

Eu gostaria de viver em um Estado que define todos os cidadãos em termos igualitários. Politicamente, significa que eu apoio a exigência de que os palestinos reconheçam Israel (se e quando um modelo de dois Estados for discutido; um modelo binacional requer definições diferentes). Mas eu não quero qualquer país ou instituição a reconhecendo como um “Estado judeu”. Israel pode ser um Estado cuja cultura é judia, ou que seja um lar nacional para os judeus, mas não pode e nem deve ser um Estado apenas para judeus.

Nestes dias, a noção de uma identidade inclusiva e democrática israelense é a ideia menos popular de todas. A elite judaica, tanto em Israel quanto no exterior, passou a ver os termos “israelense”, “sionista” e “judeu” sobrepostos. Assim, a ideia de que os palestinos não são realmente membros plenos do Estado-nação é muito natural para eles; na sua concepção, um anti- ou não-sinista não é realmente judeu ou israelense, e assim por diante.

Intelectuais palestinos e internacionais também rejeitam o termo “israelense” por suas próprias razões; alguns até evitaram usar a palavra. Escreverei mais sobre a rejeição da identidade israelense tanto pela esquerda quanto pela direita em um dos meus próximos artigos.

*Noam Sheizaf é um jornalista judeu independente de Tel-Aviv que escreve para a revista eletrônica israelense +972.

Fonte: +972 Magazine
Tradução: Moara Crivelente, da redação do Vermelho