Putin faz apelo direto aos estadunidenses contra a intervenção
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, publicou um artigo contundente no jornal The New York Times, para pedir a aproximação de abordagens do seu país e dos EUA, na busca por uma solução política ao conflito sírio, em alternativa à empreitada intervencionista que o governo de Barack Obama desenha. A Rússia tem se empenhado na defesa da soberania síria, e desta vez, Putin escolheu dirigir-se diretamente aos cidadãos norte-americanos. Leia a íntegra do artigo, publicado nesta quarta (11).
Publicado 13/09/2013 10:59
Título original : Um apelo por cautela, da Rússia
Os eventos recentes relacionados à Síria levam-me a falar diretamente ao povo norte-americano e aos seus líderes políticos. É importante fazer isso em tempos de comunicação insuficiente entre as nossas sociedades.
As relações entre nós passaram por diferentes estágios. Estivemos em lados opostos durante a Guerra Fria. Mas também já fomos aliados, e derrotamos os nazistas juntos. A organização internacional universal (as Nações Unidas) foi então estabelecida para impedir que tal devastação ocorra novamente.
Os fundadores da Organização das Nações Unidas entendiam que as decisões que afetam a guerra e a paz devem ser tomadas apenas consensualmente, e com o consentimento dos Estados Unidos, o veto dos membros permanentes do Conselho de Segurança foi estabelecido pela Carta das Nações Unidas. A sabedoria profunda desta [medida] determinou a estabilidade das relações internacionais por décadas.
Ninguém quer que as Nações Unidas sofram o destino que sofreu a Liga das Nações, que colapsou porque não tinha peso real. Isso é possível se países influentes agirem à margem das Nações Unidas e realizarem ação militar sem a autorização do Conselho de Segurança.
O ataque potencial dos Estados Unidos contra a Síria, apesar da oposição firme de muitos países e de grandes líderes políticos e religiosos, inclusive do papa, resultará em mais vítimas inocentes e na escalada, provavelmente espalhando o conflito para além das fronteiras sírias.
Um ataque aumentaria a violência e provocaria uma nova onda de terrorismo. Poderia prejudicar os esforços multilaterais para resolver o problema nuclear iraniano e o conflito israelense-palestino, além de desestabilizar ainda mais o Oriente Médio e o Norte da África. Poderia tirar todo o sistema do direito e da ordem internacional de seu equilíbrio.
A Síria não está testemunhando uma batalha pela democracia, mas um conflito armado entre o governo e a oposição, em um país de muitas religiões. Há poucos campeões da democracia na Síria, mas há mais do que o suficiente de militantes da al-Qaeda, de todas as estirpes, combatendo o governo. O Departamento de Estado dos EUA designou a Frente Al-Nusra e o Estado Islâmico do Iraque e do Levante, que lutam na oposição, como organizações terroristas. Este conflito interno, abastecido por armas estrangeiras, fornecidas à oposição, é um dos mais sangrentos no mundo.
Mercenários de países árabes que lutam no país, e centenas de militantes de países ocidentais, e até mesmo da Rússia, são um problema da nossa profunda preocupação. Não poderão voltar aos nossos países com a experiência obtida na Síria? No fim das contas, depois de lutarem na Líbia, os extremistas moveram-se para o Mali. Isso ameaça a todos nós.
Desde o princípio, a Rússia defendeu um diálogo pacífico que permitia aos sírios desenvolver um plano de compromisso para o seu próprio futuro. Não estamos protegendo o governo sírio, mas o direito internacional. Precisamos usar o Conselho de Segurança da ONU e acreditar que preservar a lei e a ordem neste mundo atual complexo e turbulento é uma das poucas formas de impedirmos que as relações internacionais resvalem para o caos. A lei ainda é a lei, e precisamos segui-la, quer gostemos ou não.
Sob o atual direito internacional, a força é permitida apenas em caso de autodefesa, ou por decisão do Conselho de Segurança. Qualquer coisa além disso é inaceitável, de acordo com a Carta das Nações Unidas, e constituiria um ato de agressão.
Ninguém duvida que o gás veneno foi usado na Síria. Mas há todas as razões para acreditarmos que não foi usado pelo Exército sírio, e sim pelas forças da oposição, para provocar uma intervenção dos seus poderosos patronos estrangeiros, que estariam tomando o lado dos fundamentalistas. Denúncias de que os militantes estão preparando um novo ataque, desta vez, contra Israel, não podem ser ignoradas.
É alarmante que uma intervenção militar em conflitos internos em países estrangeiros tenha se tornado algo comum para os Estados Unidos. Isso está nos interesses de longo prazo dos EUA? Eu duvido. Milhões em todo o mundo, cada vez mais, veem os Estados Unidos não como um modelo de democracia, mas que se baseia apenas em força bruta, remendando coalizões sob o slogan “ou você está conosco, ou está contra nós”.
Mas a força comprovou-se ineficaz e sem sentido. O Afeganistão está cambaleando, e ninguém pode dizer o que acontecerá quando as forças internacionais se retirarem. A Líbia está dividida em tribos e clãs. No Iraque, a guerra civil continua, com dúzias de mortos a cada dia. Nos EUA, muitos fazem uma analogia entre o Iraque e a Síria, e perguntam por que o seu governo iria querer repetir erros recentes.
Não importa quão direcionados os ataques, ou quão sofisticadas sejam as armas, as baixas civis são inevitáveis, inclusive de idosos e crianças, que os ataques tentam proteger.
O mundo reage perguntando: se não se pode contar com o direito internacional, então é preciso encontrar-se outras formas de assegurar a sua segurança. Assim, um número crescente de países busca adquirir armas de destruição em massa. Isso é lógico: se você tem uma bomba, ninguém tocará em você. Restam-nos as conversações sobre a necessidade de fortalecer a não-proliferação, quando na realidade ela está sendo deteriorada.
Precisamos parar de usar a linguagem da força e voltar ao caminho do acordo diplomático e político. Nos últimos dias, surgiu uma nova oportunidade para evitar a ação militar. Os Estados Unidos, a Rússia e todos os membros da comunidade internacional precisam aproveitar a disposição do governo sírio para colocar seu arsenal químico sob o controle internacional para a subsequente destruição. A julgar pelas declarações do presidente Obama, os EUA veem [esta medida] como uma alternativa à ação militar.
Eu saúdo o interesse do presidente em continuar o diálogo com a Rússia sobre a Síria. Precisamos trabalhar juntos para manter esta esperança viva, como concordamos em fazer na reunião do Grupo dos Oito, em Lough Erne, na Irlanda do Norte, em junho, e conduzir a discussão de volta às negociações.
Se pudermos evitar a força contra a Síria, isso fará melhorar a atmosfera das relações internacionais e fortalecerá a confiança mútua. Será o nosso sucesso compartilhado e abrirá a porta à cooperação em outras questões críticas.
Meu trabalho e minha relação pessoal com o presidente Obama são marcados por uma confiança crescente. Eu dou valor a isto. Estudei cuidadosamente as declarações que ele deu à nação na terça-feira (10). E eu discordaria com a defesa que ele fez de um excepcionalismo norte-americano, afirmando que a política dos EUA é “o que torna a América [sic] diferente. É o que nos torna excepcionais”. É extremamente perigoso encorajar o povo a ver a si próprio como excepcional, seja qual for a motivação.
Há países grandes e pequenos, ricos ou pobres, aqueles com longa tradição democrática e aqueles ainda encontrando o seu caminho para a democracia. As suas políticas diferem, também. Somos todos diferentes, mas quando pedimos pelas bênçãos do Senhor, precisamos não esquecer de que Deus nos criou iguais.
Fonte: The New York Times
Tradução: Moara Crivelente, da Redação do Vermelho