Polêmica à vista: lei do mecenato em debate

O clima na Secretaria da Cultura do Estado (Secult) ainda é de transição, com o recém-empossado secretário Paulo Mamede dedicando-se a tomar par da situação e das ações necessárias para superar problemas históricos relacionados ao funcionamento da pasta.

Durante a posse, realizada na tarde da última segunda-feira, o atual secretário e o ex-secretário, Francisco Pinheiro, estiveram lado a lado. Em seus respectivos discursos, um tema em comum: a reforma da Lei do Mecenato, de âmbito estadual, que regula o acesso a recursos captados no setor privado por meio de renúncia fiscal. "Melhorar a lei e dar agilidade à execução dos projetos do Mecenato", apontou Paulo como um dos desafios da gestão. Ele não quis entrar nos detalhes sobre a mudança, pedindo, antes, tempo para tomar par da secretaria.

De volta à Assembleia Legislativa, Pinheiro prometeu empenho para restabelecer o debate sobre o assunto e aprovar as modificações necessárias à Lei. Em seu último período como deputado, em junho de 2012, quando deixou por um mês o cargo de secretário da Cultura, Pinheiro chegou a realizar uma audiência para discutir o tema. O acalorado debate, na ocasião, foi mostra que, nos próximos meses, vêm boas, necessárias e polêmicas discussões.

Discordâncias

O ponto mais polêmico diz respeito ao acesso à Lei. Uma corrente de produtores, gestores e artistas defende a extinção do edital, tomando como referência a Lei Rouanet, onde uma comissão permanente avalia e aprova a captação projetos durante todo o ano. "Só aí, já começa a ilegalidade. É uma lei. É para todo mundo, não se faz edital para lei. O edital escolhe pessoas que podem usar a lei. A gente tem direito à meia entrada, por exemplo. Vai ter edital para ver quais estudantes vão ter?, questiona o produtor cultural e coordenador da Feira da Música, Ivan Ferraro.

Partilha da mesma opinião o produtor cultural Fernando Elpídio, responsável pelo festival Mel, Chorinho e Cachaça". "No Ceará, você tem produção cultural de um natal e ao outro. E elas ficam amarradas às edições dos editais. O ideal é que a abertura fosse permanente", defende.

Durante a audiência no ano passado, esse foi um ponto de impasse. De um lado, gestores como Maninha Moraes (que estava como titular da Secult, na ausência de Pinheiro) e a jornalista Beth Jaguaribe, ambas hoje fazendo parte da direção do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (CDMAC), que defendiam a abertura do mecenato à demanda espontânea, apresentada durante todo o ano. Do outro, Israel Martins, então diretor de ação cultural do Instituto de Arte e Cultura do Ceará (IACC), que considerava o edital uma conquista, argumentando que sua extinção provocaria distorções ainda maiores.

Contraponto

Para Humberto Cunha, professor de direito da Universidade de Fortaleza e especialista em legislação cultural, o edital é essencial para tornar mais justo o acesso à lei. Ele reforça o mecanismo está previsto na lei do Sistema Estadual de Cultura (Siec), que regulamenta também o Mecenato, e que sem ele, correria o risco de retornar à famigerada política do "balcão", onde apenas aqueles que tinham influência junto a secretaria aprovavam projetos, independente dos respectivos méritos e ganhos culturais das propostas.

"Sem edital, quem tem mais influência pode ter um acesso privilegiado. Chegaria a qualquer momento e furaria a fila. O edital é importante porque estabelece as regras do jogo", alerta Cunha. O professor aponta ainda a necessidade de se analisar o Mecenato em meio ao conjunto de mecanismos que com ele foram instituídos, por meio do Siec. "É uma lei com potencial maior do que está sendo usado. É uma lei de um sistema e está reduzida renúncia fiscal. O potencial é de integração. Ampliar os recursos de múltiplas fontes, fortalecendo o Fundo Estadual da Cultura. Já é uma lei nova e continuam trabalhando como se fosse a Lei Jereissati", questiona.

Problemas

Entre os outros pontos que devem permear a discussão, estão o prazo para captação – hoje estipulado em 90 dias, prorrogáveis por outros 90, tempo considerado curto pelos realizadores. O tempo é, no entanto, para o produtor Fernando Elpídio apenas uma das dificuldades na hora de captar. Ele lembra que, no Edital do Mecenato, os projetos da própria Secult, concorrem aos mesmos recursos com os demais produtores. "Você é produtor independe, concorre aos financiadores com o Governo do Estado. Como ele captar a maior parte, sobra pouco", diz. Ivan Ferraro, reclama ainda da falta de autonomia da secretaria. O repasse dos recursos captados por um projeto, explica, é intermediado pela Secretaria de Fianças (Sefin) e liberado em pequenas quantias, sem que para isso haja um planejamento claro. A edição 2012 da Feira da Música, cita, foi contemplada pelo edital no ano passado e ainda está recebendo remessas do recurso. "Esse critério deveria ser no mínimo coordenado com os proponentes", reclama. Os atrasos, reforça, também se devem a problemas de organização interna da secretaria. "Você manda documento 300 vezes para secretaria. Perdem projetos completos, pastas inteiras. Isso, o Mamede pode ajudar bastante se conseguir organizar", diz.

Mais

Inspirada na antiga Lei Jereissati, que instituiu a captação de recursos via renúncia fiscal de até 2% do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), a Lei do Mecenato foi regulamentada pela lei nº 13.811, de 16 de agosto de 2006, que instituiu, de uma forma mais ampla, o Sistema Estadual da Cultura (Siec). Entre as ferramentas que fazem parte do Siec, estão três formas de financiamento à projetos: via renúncia fiscal, por meio da Lei do Mecenato; via Fundo Estadual da Cultura, criado para arrecadar recursos para financiamentos de projetos pela Secretaria da Cultura; e pelo tesouro estadual, com recursos do próprio Estado. Também foram regulados pela lei do Siec o Conselho Estadual da Cultura (CEC), órgão colegiado que tem entre suas atribuições compor a Comissão Estadual de Incentivo à Cultura (Ceic), órgão que decide sobre os recursos submetidos ao mecenato, encaminhando ao secretário a lista dos projetos aprovados; e compor o Comitê Gestor do Fundo Estadual da Cultura (FEC), que administra os recursos do fundo.

Fonte: Diário do Nordeste