Latinos defendem reformas nas Nações Unidas e paz na Colômbia

O primeiro dia da 68ª Assembleia Geral da ONU, realizada em Nova York, foi marcado por discursos em torno da espionagem promovida pelo governo Barack Obama contra nações soberanas e da crise na Síria, como era esperado. Até o fechamento desta edição, cinco líderes latino-americanos discursaram: a presidenta Dilma Rousseff, que abriu a sessão, e os presidentes do Uruguai, José Pepe Mujica; do Chile, Sebastián Piñera; da Colômbia, Juan Manuel Santos e do Paraguai, Horácio Cartes.

Por Vanessa Silva, do Portal Vermelho
Presidente colombiano, Juan Manuel Santos, defendeu o processo de paz que seu governo conduz com as Farc/ Foto: Presidência da Colômbia

Com um discurso filosófico, em defesa da espécie humana em detrimento do capital, o presidente Pepe Mujica defendeu o uso racional dos recursos do planeta para coisas que são “realmente úteis” e criticou severamente o consumismo desenfreado, a vigilância eletrônica e a “ganância individual”. Além disso, condenou o bloqueio a Cuba e ressaltou a importância do processo de paz na Colômbia.

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“A cada 2 minutos se gastam US$ 2 milhões em insumos militares. As pesquisas médicas correspondem à quinta parte dos investimentos militares”, criticou o presidente ao sustentar que ainda estamos na pré-história: “enquanto o homem recorrer à guerra quando fracassar a política, estaremos na pré-história”.

Outro tema abordado pelo mandatário foi a debilidade da ONU, que “se burocratiza por falta de poder e autonomia, de reconhecimento e de uma democracia e de um mundo que corresponda à maioria do planeta”.

Chile

Com um discurso pragmático, o presidente chileno defendeu a candidatura do Brasil, da Alemanha, do Japão e da Índia como membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. O mandatário também aproveitou a ocasião para agradecer o apoio internacional para que seu país se torne membro não permanente do organismo.

Piñera defendeu também uma ampla reforma do Conselho e o fim da “lógica de votos” que deve ser trocada “pela lógica das maiorias qualificadas, de forma que as decisões mais relevantes no campo da segurança internacional, que inevitavelmente afetam todos os países, possam ter tomadas na forma verdadeiramente representativa da comunidade de todas as nações que compõem a ONU”.

Aliança do Pacífico

O presidente chileno, impopular em seu país devido ao forte caráter neoliberal de seu governo, defendeu no plenário da ONU a Aliança do Pacífico, que chamou de “uma das iniciativas mais profundas de integração em nossa região”, mas, conforme denunciam especialistas, como a jornalista argentina Stella Caloni, trata-se de “um projeto neocolonialista”, uma nova edição da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) com alinhamento às políticas dos Estados Unidos e que tem como objetivo fazer frente às propostas de integração progressistas que visam a uma maior independência da região com relação aos EUA, como as impulsionadas pelo novo Mercosul, pela Comidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e pela Aliança para os Povos de Nossa América (Alba).

Colômbia

Considerado como o acontecimento mais importante em curso na América Latina, o processo de paz na Colômbia, conhecido como Diálogos de Paz, que tem como objetivo resolver o conflito armado mais antigo do continente e é mantido pelo governo do presidente Juan Manuel Santos e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo (Farc-EP), foi o principal tema do discurso do mandatário, que agradeceu o apoio internacional ao processo.

Santos enfatizou que esta é a “melhor oportunidade – uma oportunidade real, talvez a última – de finalizar o conflito”. Abrindo a possibilidade de que tal como reivindicado pela guerrilha, seus militantes possam participar da vida política do país, o mandatário afirmou que “chegou o momento de trocar balas por votos, armas por argumentos, chegou o momento de continuar a luta, mas na democracia”.

O colombiano destacou ainda a fragilidade das leis internacionais que não preveem soluções para conflitos como o travado em seu país. “Colômbia é talvez o primeiro país do planeta a assumir um processo desta natureza durante a vigência do Estatuto de Roma, o que nos converterá em um modelo para outros casos em que se busque privilegiar o diálogo sobre a solução armada”, e ressaltou o parecer da antiga Alta Comissária de Direitos Humanos da ONU, Louise Arbour, para quem a “doutrina internacional não foi exitosa para encontrar respostas práticas para resolver a tensão entre paz e justiça em um processo de negociação” e mencionou o pouco sucesso dos tribunais de Ruanda e da Iuguslávia. Santos pontuou ainda que a justiça deve ser um apoio e não um obstáculo para a paz, referindo-se à dificuldade de punir e investigar todos os crimes cometidos em 50 anos de conflito.

Por fim, reforçando a percepção de que deseja acelerar o processo de paz para disputar visando as eleições de 2014, fez um chamado às guerrilhas de seu país: “não podemos perder esta oportunidade! As futuras gerações e a história não nos perdoariam!” e concluiu: “eu aspiro que o fim do conflito seja uma boa notícia que o presidente da Colômbia traga em um ano a esta assembleia”.

Paraguai

Em seu primeiro discurso na ONU, o presidente paraguaio, Horácio Cartes enfatizou o que chamou de “processo eleitoral exemplar” que o levou a assumir o poder no país neste ano, após o polêmico golpe parlamentar que derrubou o ex-presidente Fernando Lugo.

Falando como que para empresários, Cartes ressaltou que o Paraguai é “um país de oportunidades”, “um dos tesouros mais bem guardados da América Latina”, “claramente elegível para investimentos” com “ilimitadas oportunidades” para “investir e prosperar, com segurança, formalidade, seriedade e previsibilidade” e, como em seu discurso de posse, criticado por seu fraco conteúdo político, enfatizou sua prioridade de acabar com a pobreza no país.

No que tange à integração regional, Cartes não deixou clara sua posição sobre a reincorporação do Paraguai ao Mercosul. Disse apenas que “o Paraguai entende e promove a integração em condições de igualdade, também como fator de inserção no nível supranacional, mas em condições justas, com vista a um destino comum, não como uma simples procissão de potências, nem como convidado indesejável em fóruns globais onde se discute o destino das nações”.