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Mazé Leite: A Cultura é parte do todo

Na acirrada luta política travada no Brasil de hoje, que balanço e que legado podemos atribuir aos governos de Lula e Dilma? Com esta questão se iniciam as teses que norteiam 13° Congresso do Partido, que li de forma atenta. Verifiquei, ao final da leitura, a ausência de análise de um dos aspectos fundamentais da vida social, política e econômica do Brasil e como ela tem se dado nestes últimos 10 anos: a Cultura.
Por Mazé Leite*

Com exceção dos § 90 e 92, onde de forma rapidíssima há referências ao assunto, todo o resto do texto se concentra em questões em torno da conjuntura política e econômica – nacional e internacional -, além das questões (justíssimas) de organização do Partido. Não irei, neste curto espaço, tentar suprir esta lacuna, mas bater na mesma tecla da importância da Cultura em qualquer análise mais ampla.

O distinto economista Celso Furtado apontou, em certo momento, que nenhuma crise é puramente econômica ou política. Em Karl Marx, mesmo que o elemento econômico predomine em suas análises sobre o capitalismo, vemos que ele buscava a totalidade do desenvolvimento histórico e suas múltiplas facetas. Penso que o “Manifesto do Partido Comunista” é, além de tudo, a expressão de uma análise cultural da vida humana sob o sistema capitalista e a proposição de uma nova cultura, o Socialismo, para o qual chamam à união todos os proletários do mundo.

A cultura é um bem vivo, mutável ao longo do tempo e sujeita às mesmas regras do processo histórico. A crise capitalista atual não é só econômica: generaliza-se por todos os meandros da vida humana e vai arrastando seu poder destruidor especialmente sobre a imensa maioria do povo trabalhador, espalhando desemprego, fome, guerra, restrições de toda espécie, doenças físicas e mentais, perdas, desespero, morte. Ou seja: a crise do sistema atual espalha seus males sobre toda a vida humana, inclusive sua cultura. A cultura não é uma entidade fixa, absoluta no tempo e no espaço, mas sofre todas às consequências dos movimentos ascendentes e descendentes do processo histórico.

A cultura é o que caracteriza uma nação, como sabemos brasileiros que somos nossa
nação é formada por uma comunidade de pessoas formada historicamente, com um idioma comum, habitando um território comum, com uma fisionomia espiritual que nos identifica e nos diferencia do restante do mundo. E é isso que nos faz dizer que o Socialismo será construído no Brasil a partir de nossas características específicas, e de nossa cultura.

Os dois mandatos do Presidente Lula, no que diz respeito à cultura, levaram em consideração este aspecto da vida do povo brasileiro. O ministro Gilberto Gil, com sua visão de artista e não somente de gestor cultural, teve a sensibilidade de ver que, apesar das imensas desigualdades ainda persistentes no Brasil, nosso país é “um feliz exemplo de diversidade e de encontro cultural”. E com a participação ativa de membros do PCdoB, Gil, e depois Juca Ferreira, em defesa da Cultura nacional, criaram o Programa Cultura Viva e os Pontos de Cultura, que trouxeram grande oxigenação aos movimentos culturais localizados. Quanto ao governo Dilma, no que compete à Cultura, escolheu mal sua primeira ministra, e seu governo parece muito mais preocupado com planilhas de custos. Ainda aguardamos o que será o Minc sob Marta Suplicy.

Mas aqui faço um destaque em relação ao PCdoB: mesmo com a quase ausência de propostas, por parte das direções partidárias, que orientem a atuação dos comunistas para a política cultural, hoje não se faz ou se fala em política cultural no Brasil sem contar com a participação ativa de militantes comunistas. Mesmo com muitas debilidades, ainda somos referenciais para produtores culturais, para artistas e intelectuais, como é de nossa tradição histórica. E é exatamente isso que devemos ser cada vez mais!

O Brasil vive um novo momento de sua história. As manifestações de Junho de 2013 surgiram para dar energia nova à nossa vida política e social. As centenas de milhares de mãos que se ergueram naqueles dias – jovens em sua imensa maioria – levantaram riquíssimas e diversificadas bandeiras, inclusive anti-neoliberais como Transporte, Educação e Saúde públicos. Essa juventude que saiu pelas ruas do Brasil em centenas de milhares, não viveu a falta de liberdade da ditadura militar, não conheceu o desemprego do período FHC, que deixava milhões de jovens na mais absoluta falta de perspectiva. Eles eram crianças.

Eles cresceram sob o neoliberalismo que pregava que política é coisa suja e que todo político é ladrão. Eles deveriam viver afastados da política e dos partidos políticos. Uma parte da lição eles assimilaram. Mas a outra, de que deviam estar fora da política, foi engolida, deu indigestão, e logo eles puderam se ver dentro da engrenagem e não gostaram do que viram.

“Por uma vida sem catraca!”, ecoaram as vozes para todos os lados. Por isso essas Manifestações também podem ser vistas sob o ângulo da cultura, pois a preocupação dessas multidões não era apenas de ordem material. Era o grito entalado na garganta pedindo mais Democracia, o que inclui mais participação política, por um tipo de político que seja mais capaz de gerir as reformas que o Brasil necessita, por reformas estruturais na política, nas comunicações, no sistema eleitoral. “Por uma vida sem catraca!” é também um grande grito por mais acesso às atividades culturais e artísticas, ao lazer, às ruas, às cidades mais humanas.

Mas o momento também é para se temer. Corremos o risco de uma tendência a se construir uma onda cultural conservadora cujos termos podem ir do estético à defesa de valores morais atrasados. Vivemos – e faz algum tempo – sob tentativas de padronização e hegemonização cultural que têm poder altamente destrutivo e pernicioso à nossa cultura. E à democracia! Precisamos continuar em defesa da cultura brasileira e de suas manifestações como bem simbólico que pertence a todos e como fator de desenvolvimento nacional. Ainda sofremos os danos do pensamento neoliberal que dá absoluta liberdade ao mercado e que apregoa o discurso falacioso da “autonomia” e do “individualismo”, que são contrários à nossa capacidade criativa. Neste sentido, é absolutamente importante que nos posicionemos e critiquemos fortemente o predomínio do mercado sobre todas as formas de arte.

* Mazé Leite é membro da Célula Comunista de Cultura Paulistana – CCCP – São Paulo.