Chemi Shalev: A nova "Doutrina Obama" para o Oriente Médio

Há dois anos, em março de 2011, o presidente Barack Obama rechaçou insinuações sobre uma “Doutrina Obama” para o Oriente Médio, afirmando que os Estados na região diferem entre si, e que não havia sentido em aplicar uma única política “na forma do copia e cola generalizada”. Alguns meses depois, a então secretária de Estado, Hillary Clinton, proclamou a intenção de Obama de dar meia volta para se afastar do Oriente Médio e voltar-se à Ásia oriental e ao Pacífico.

Por Chemi Shalev*

Obama e Netanyahu - AP Photo

Ambas as declarações de intenção foram mais ou menos obliteradas pelo discurso de Obama nesta terça-feira (24) na Assembleia Geral da ONU. Embora ele não tenha colocado desta forma, Obama detalhou uma doutrina generalizada que listou “interesses centrais” que acionariam a intervenção dos Estados Unidos, inclusive militar.

Ele focou quase exclusivamente no Oriente Médio e no Norte da África, a tal ponto que, ao descrever [a lista de interesses], pode-se parafrasear uma citação famosa de um almirante turco do século 17, que recuou frente um ataque contra Malta: “China nããão”. Não existe.

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A “Doutrina Obama” retoma diretrizes políticas anteriores, específicas para o Oriente Médio, estabelecidas pelos ex-presidentes [Dwight D.] Eisenhower, [Jimmy] Carter e [George H.] Bush. Ela define a prevenção da agressão estrangeira contra os países do Oriente Médio, a luta contra o terrorismo e a proteção dos recursos energéticos do Golfo Pérsico como “interesses centrais”, e adiciona a estes a prevenção contra o “desenvolvimento ou uso de armas de destruição em massa”, tanto químicas quanto nucleares.

Ao formular a sua “doutrina”, Obama levou a ameaça de forças militares um passo além da fórmula usual “sem opções fora da mesa”, prometendo a disposição dos EUA para “usar todos os elementos do nosso poder, inclusive a força militar”. Ele disse que os Estados Unidos “não vão tolerar” as armas químicas sírias ou as [alegadas] armas nucleares iranianas, que são “uma ameaça à nossa própria segurança nacional”.

Mas com isto (e os relatos de que não haverá qualquer “aperto de mão histórico” entre Obama e seu homólogo iraniano, Hassan Rohani, afinal), as boas notícias tinham acabado, ao menos para o atual governo israelense.

A decisão de Obama de colocar a resolução do conflito israelense-palestino no mesmo patamar do adjacente desafio nuclear iraniano levantou suspeitas imediatas de uma “ligação” entre os dois assuntos.

A “hasbara” [diplomacia pública, ou propaganda] israelense dedicou décadas de esforços para contrapor descrições da sua confrontação com os palestinos como o ponto crucial do conflito do Oriente Médio, e então vem Obama e a descreve não apenas como uma chave para combater o extremismo, mas também como um perigo “à segurança de Israel como um Estado judeu e democrático”.

Neste sentido, o discurso de Obama sinaliza não apenas um “retorno” do seu focos na Ásia, mas uma volta completa de 360 graus, mais ou menos, até o seu discurso de maio de 2009, no Cairo. Obama está mais sóbrio hoje, e menos pueril sobre um “novo começo” com o mundo islâmico, mas após um hiato de dois anos, ele está outra vez colocando a ocupação israelense [dos territórios palestinos] em um contexto mais amplo do posicionamento dos EUA na região e, consequentemente, como uma ferida infeccionada que precisa de tratamento urgente.

Isso não deve ter caído bem para os direitistas, que estão fazendo todos os esforços para convencerem a si próprios e aos outros israelenses de que a ocupação é uma mera atração secundária, uma chateação que Israel pode “gerir” ainda por muitos anos.

*Chemi Shalev é um jornalista e analista político que escreve para o jornal israelense Ha'aretz.

**Título original do artigo: Boas notícias e más notícias para os israelenses na nova "Doutrina Obama" para o Oriente Médio.

Fonte: Ha'aretz
Tradução: Moara Crivelente, da redação do Vermelho