Negociação: Obama e republicanos falham em reabrir governo

Depois de os mercados fecharem com ganhos recordes por conta do anúncio, na manhã desta quinta (10), pelo deputado John Boehner, comandante da Casa dos Representantes, de que os republicanos estavam dispostos a passar legislação já na sexta-feira (11). O limite do teto da dívida pública de 16,7 trilhões de dólares seria estendido por seis semanas, mas o presidente Barack Obama recusou o acordo, que o governo percebeu como um “empurrar o problema com a barriga”.

Ganhador de Prêmio Nobel sugere retirar a láurea de Barack Obama - AP

O termo, chulo, é, no entanto, o que melhor descreve a única proposta concreta vinda da direita (depois de dez dias de paralisação do governo federal pela recusa da oposição em aprovar um novo orçamento) para evitar a decretação de uma histórica moratória no próximo dia 17 na maior economia do planeta.

Os republicanos seguiram reunidos em Capitol Hill a fim de elaborar uma nova proposta, e os dois lados concordaram em seguir as conversas durante as próximas horas. "As negociações estão abertas", afirmou o deputado Paul Ryan, comandante da poderosa Comissão de Orçamento da Câmara Baixa do Legislativo e candidato derrotado à vice-presidência pelo Partido Republicano no ano passado na chapa de Mitt Romney.

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A proposta, levada à Casa Branca por 20 deputados republicanos, incluía cortes de programas sociais federais, redução de impostos, e não incluía avanços na querela em torno da reabertura do governo: os republicanos seguem decididos em recusar a aprovação de qualquer financiamento público à reforma do sistema de Saúde, o chamado Obamacare, mais significativa ação de política interna da administração Barack Obama, em vigor a partir do próximo ano fiscal.

Angustiados com a previsão, pela própria Secretaria do Tesouro, de risco de novo ciclo recessivo nos EUA, com grave possibilidade de contaminação mundial, no caso de o calote da dívida americana se provar inevitável, os mercados locais fecharam todos em alta na quinta-feira, surfando na onda da expectativa de progresso nas conversas entre democratas e republicanos. O cenário ficou bem mais feio para a sexta-feira.

O mercado já havia reagido com otimismo, na quarta-feira 9, por conta da escolha de Janet Yellen para o comando do Federal Reserve (Fed), o Banco Central americano. “Trata-se de uma das decisões mais importantes de minha presidência”, afirmou Obama, em cerimônia na Casa Branca, equiparando-a à de um ministro da Suprema Corte.

A indicação, que deve ser facilmente aprovada pelo Senado, de maioria governista, foi de fato histórica. A economista de 67 anos será a primeira mulher a dar as cartas na política monetária dos EUA. E ainda irá encerrar um hiato de um quarto de século sem um democrata na presidência do Fed.

Afinada com a ala liberal do Partido Democrata, Yellen é defensora de uma maior regulamentação do setor financeiro e especialmente interessada na elaboração de políticas de combate ao desemprego. Mas a maior parte dos analistas acredita que a atual número 2 do Fed também aposta em uma manutenção de médio a longo prazo do estímulo monetário mensal de US$ 85 bilhões.

Eles traduziram sua já esperada unção como uma aposta na continuidade da gestão Ben Bernanke, uma ilha de certeza no turbulento oceano político-econômico da disputa entre Obama e o Tea Party.

Aprovação. A lenta, porém constante, recuperação da economia americana, no entanto, segue ameaçada pela radicalização da oposição em Capitol Hill. O fracassado movimento de aproximação cuidadosa de Boehner, não por acaso, se deu um dia depois de o Gallup registrar o menor índice de aprovação do Partido Republicano (28%) pelos eleitores americanos desde a primeira série de entrevistas focadas no apoio popular aos dois principais partidos políticos, iniciada em 1992.

Imediatamente após a divulgação da pesquisa, o Partido Democrata e o grupo Organizing for Action iniciaram a campanha “17 Cadeiras”, voltada para a arrecadação de fundos com objetivo de retomar o controle da Câmara Baixa do Legislativo.

“Temos uma vantagem de 17 cadeiras nas consultas para as eleições legislativas do ano que vem, o que nos daria uma maioria simples, 218 a 217, tiraria o emprego de Boehner e daria apoio decisivo à agenda do presidente Obama. Ajude-nos a manter este momento político até 2014”, diz a mensagem digital disparada para milhares de simpatizantes e reproduzida nas principais redes sociais. Os democratas pedem uma contribuição individual de 3 dólares para cada cidadão revoltado com a estratégia republicana de, segundo eles, “fazer de refém o governo eleito pela maioria da população”.

No entanto, para além dos danos à economia americana, a paralisação do governo também tem se provado especialmente danosa para o legado do presidente Obama.

O jornalista Bob Woodward, um dos responsáveis pelas lendárias reportagens no Washington Post que destrincharam o escândalo Watergate e levaram à renúncia do republicano Richard Nixon, afirmou nesta quinta (10) à CNN que o presidente vive um "momento salomônico", e que precisa encontrar uma saída de fato justa para a crise ou correr o risco de ter seu mandato marcado por uma derrocada econômica de proporções históricas. A mesma pesquisa Gallup, afinal, aponta que apenas 43% dos americanos aprovam o governo Obama.

Não vai ser fácil. Senadores e deputados democratas não admitem iniciar qualquer negociação com os republicanos sem que a reabertura total do governo seja colocada na mesa, o que certamente pesou na decisão de Obama de dizer não à proposta de Boehner. “Deixem o governo funcionar, deixe-nos pagar nossas contas, e discutiremos sobre tudo o que eles quiserem. Mas se eles pensam que vai haver algum acerto com o governo fechado, estão muito enganados”, avisou o líder da maioria no Senado, Harry Reid.

Até mesmo alguns de seus colegas republicanos na Câmara Alta, incluindo o líder da minoria, Mitch McConnell, concordavam em não ver “razão alguma para se estender o problema por mais seis semanas”. O deputado democrata Xavier Becerra, um dos líderes do partido na Casa dos Representantes, por sua vez, afirmou que a proposta de Boehner era digna de uma ‘república de bananas’.

Ainda assim, é impossível não se dizer ‘feliz’ – a reação inicial da Casa Branca, de acordo com o porta-voz do governo – com o fato de, pela primeira vez, desde abril, a oposição concordar em sentar-se à mesa com os democratas para tratar da definição de uma nova política fiscal para os EUA. Mas um pré-acordo entre a administração Obama e a liderança republicana na Casa dos Representantes, que poderia marcar o início do fim da pior crise política dos EUA em duas décadas, ainda parece longe da realidade.

Fonte: Carta Capital