Comissão Europeia levanta questões sobre "resgate" a Portugal

Um relatório político enviado para Bruxelas (sede da União Europeia, na Bélgica) pela representação da Comissão Europeia em Lisboa, capital portuguesa, alerta que a reprovação de medidas orçamentais pelo Tribunal Constitucional pode fazer descumprir o memorando de entendimento e precipitar um segundo resgate financeiro ao país.

“O desfecho do programa de assistência é importante para Portugal e para a Europa (…). Um segundo resgate poderia ter graves consequências para a economia e poderia enfraquecer e, em última análise, derrubar o governo.” Estas são as principais conclusões de um relatório de quatro páginas enviado nesta semana para Bruxelas pela representação da Comissão Europeia em Lisboa, a que o jornal português Público teve acesso.

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Na sequência da divulgação do relatório, a representação portuguesa da Comissão Europeia veio esclarecer que o documento não representa qualquer tomada de posição sobre o assunto, mas sim uma descrição "analítica" de diversas posições sobre o tema.

“O que este relatório não inclui, contrariamente ao referido na notícia, é qualquer posição do chefe da Representação da Comissão Europeia em Portugal sobre este assunto, nem por maioria de razão da Comissão Europeia, o que seria contraditório com a natureza das suas funções”, esclareceu a instituição, numa nota enviada à agência de notícias Lusa.

O relatório avisa, em jeito de introdução, que a análise constitucional às propostas orçamentais “vai influenciar o desfecho do programa de assistência” a Portugal e que, “se forem rejeitadas medidas que contribuam para os objetivos plasmados no memorando de entendimento (MoU, na sigla em inglês), poderá ser necessário um segundo resgate, com sérios custos econômicos e sociais para o país”. E nota que existe um “grande debate em torno do papel do TC” na definição das grandes opções políticas em Portugal.

“As dúvidas sobre a imparcialidade política do TC existem desde a sua criação; contudo, na atual situação política e financeira, qualquer ativismo político desta instituição pode ter graves consequências para o país”, lê-se no documento em que se analisa a situação política e as implicações de eventuais reprovações do Tribunal Constitucional (TC) a medidas do controverso Orçamento de Estado de 2014.

O orçamento foi apresentado nesta semana como “um dos piores em tempos de democracia”, de acordo com o Partido Comunista Português (PCP), que denuncia a proteção a grandes grupos econômicos em detrimento do empobrecimento do povo.

Há quem considere que o TC ultrapassa as suas funções, “acusando-o de ser ativista” e “comprometido politicamente”, e outros “notam que o TC decide sempre negativamente quando em causa estão medidas que afetam os seus próprios interesses”, nomeadamente medidas relativas à reduções de salários e pensões, refere o relatório.

O debate sobre a esfera de atuação do TC é cada vez mais importante porque, “embora o governo esteja empenhado em cumprir os compromissos acordados com a troika [Banco Central Europeu, Comissão Europeia e Fundo Monetário Internacional], a sua margem de manobra fica cada vez mais limitada a cada reprovação do TC”, sustenta o documento, escrito pela técnica da Comissão Europeia Katalin Gonczy e aprovado pelo líder da representação em Lisboa, Luiz Pessoa.

Questões controversas

A análise assinada por Luiz Pessoa levanta diversas questões que diz serem as mais controversas no atual debate político: “Existem medidas que o governo pode implementar sem tocar naquelas que se arriscam a ser declaradas inconstitucionais? Estará o TC comprometendo o sucesso do programa de assistência com argumentos de natureza política nas suas decisões? Estará a supremacia do pacto orçamental [da União Europeia] sendo respeitada pelo TC?”

É também reforçada a ideia de que a credibilidade internacional de Portugal e a sua capacidade para atrair investidores estão intimamente ligadas à previsibilidade das suas políticas econômicas e fiscais e que os mercados financeiros reagiram de imediato a cada reprovação do TC. Assim, “é evidente que é crucial um consenso entre atores políticos e constitucionais” para a conclusão do programa de assistência.

O relatório refere ainda que o TC é visto como um risco para a aplicação do memorando de entendimento dentro e fora de Portugal, e levanta questões sobre a inconstitucionalidade do não cumprimento do pacto orçamental por Portugal, caso falhe as metas acordadas com a troika. Entre elas estão cortes nos gastos públicos que afetam diretamente os salários, os direitos trabalhistas conquistados através de décadas de lutas e direitos de assistência social cada vez mais escassos, enquanto os grandes bancos e companhias continuam recebendo resgates.

“Considerações inaceitáveis”

“São considerações inaceitáveis sobre o funcionamento da democracia portuguesa”, reagiu nesta sexta-feira ao Público a eurodeputada socialista Edite Estrela, referindo-se às expressões contidas no relatório interno da Comissão.

“O Tribunal Constitucional é tratado de forma desrespeitosa”, acentua, referindo-se à acusação de ativismo político formulada pelo representante de Bruxelas. “Como se o TC português não fosse igual ao Tribunal Constitucional alemão, o que é um atentado ao próprio Estado de direito”, acusa a eurodeputada.

Edite Estrela afirma que irá novamente interpelar a Comissão Europeia, chamando a atenção para a reincidência do comportamento do seu representante em Portugal.
Barroso e “o caldo entornado”

Já no início do mês de outubro, Durão Barroso se tinha antecipado à apresentação do OE, enviando um recado ao Tribunal Constitucional.

À margem de um encontro empresarial no Algarve, o presidente da Comissão Europeia afirmou que “o caldo entornaria” se Portugal falhasse o ajustamento, e alegou que o esforço de cumprimento do programa deve ser de todo o Estado português e não apenas do governo.

Barroso negou que a Comissão Europeia estivesse a trabalhar em outro cenário que não o do cumprimento do acordo com a troika, mas notou que, agora que se aproxima o final do programa de ajustamento, Portugal “não pode botar tudo a perder” e criar “instabilidade que prejudique o regresso aos mercados”.

“Quando as pessoas começam a duvidar, começam a vender dívida pública portuguesa, os juros começam a aumentar e lá temos outra vez o caldo entornado", disse o presidente da Comissão Europeia.

Com informações do Público