"Democracia é algo que se exerce discutindo", afirma Toni C

Dezenove de outubro. Um sábado de sol como há muito não se via na cinza cidade de São Paulo. Parece que o dia sorria para todos e deixava seu presente mais perfeito, o brilho. Neste cenário, aconteceu a terceira edição do “Entrevista Aberta”. Encontro que tem por objetivo receber profissionais da comunicação e da arte e abrir às perguntas do público, assim, de forma livre. Só erguer a mão e questionar o convidado, sabe? Como se fosse uma conversa entre amigos, numa ágora contemporânea e mítica. 


A terceira edição do projeto homenageou o músico Sabotage e discutiu justiça social. Jornalismo também é compromissoFotos: Fabiano Zigg/Boa Media.

O convidado da vez foi o escritor, jornalista e cineasta Toni C. Um homem com cabelos cacheados e presos dentro de um boné roxo de rapper. Foi assim que ele chegou. Tímido, com seus óculos de grau e eloquente com as palavras. Logo, a timidez deu espaço à vontade de falar e de ser ouvido. 

Embora homem feito, Toni C. ainda deixa transparecer o menino simples nascido no bairro do Limão, Zona Norte de São Paulo. Veio ao mundo no dia 14 de abril de 1979, com nome herdado do pai, para virar escritor e difundir o hip-hop, o rap, a cultura periférica pelos quatro cantos do mundo.

Entre seus feitos, lançou, em 2007, um documentário intitulado "É tudo nosso! O Hip-Hop fazendo história", em que percorre a história do movimento com diversos depoimentos extraídos em 21 estados brasileiros, e também de gente dos Estados Unidos, da África e da América Latina. Além disso, publicou o romance "O Hip-Hop está morto – A história do Hip-Hop no Brasil” (2012); organizou as antologias "Um sonho de periferia”, “Literatura do oprimido” e “Hip-Hop a lápis". E é ainda um dos criadores da editora e livraria LiteraRUA (conheça aqui), especializada em cultura de rua.

Mas foi para falar principalmente sobre seu trabalho mais recente, a biografia oficial do rapper Sabotage, que ele chegou. Entrevistou familiares, amigos e parceiros, além de consultar documentos oficiais e pessoais e entrevistas que o artista concedeu à imprensa ao longo de sua breve carreira, encerrada precocemente aos 29 anos, com quatro tiros disparados à queima-roupa. "Sabotage – Um bom lugar" é livro daqueles de ler devagar, para não acabar rápido, embora doa e angustie, pois estamos diante da narrativa de mais uma tragédia brasileira. Ensina, informa e apresenta um mundo diferente do que a maioria dos cidadãos conhece. O mundo de um homem que sonhava em ser artista, mas seu ganha-pão advinha de uma série de subempregos, como guardador de carros e ajudante de feira, e sobretudo do tráfico de drogas na Zona Sul da capital paulista.

Fotos: Fabiano Zigg/Boa Media

Antes do Sabotage

Apesar de o livro sobre Sabotage ser a estrela do dia, o convidado foi questionado sobre política, desigualdade social e as injustiças que os cidadãos residentes na periferia das cidades sofrem, em algumas situações. Nesses momentos, parecia que ele falava não apenas por si e sim por um todo. Um universo de gente que quer gritar aos quatro cantos que pode, e que não é um endereço que limita a capacidade de um ser humano. Sobre isso, Toni C. afirmou a certa altura: "Nem todo favelado pode ser rapper, mas nem todo favelado precisa ser ladrão".

Toni C. demonstrou respeito às lutas sociais e convidou: "Democracia é algo que se exerce discutindo. Conversas e debates servem para aprender, ensinar e evoluir". E, durante o “Entrevista Aberta”, mais precisamente no seu comecinho, foi o que aconteceu. Um debate sobre o que é preciso fazer e o que já foi feito para melhorar a situação dos brasileiros.

De todo modo, falar sobre periferia e não dar um “pitaco” na política é quase impossível. Até porque uma coisa está ligada à outra e tudo o que acontece em um bairro mais pobre, quando o assunto é desemprego e violência, é reflexo direto do resultado das políticas públicas aplicadas.

Mas os que precisam gritar parecem que encontraram seu jeito, para Toni C. As artes abriram as portas e o rap é a sua melhor arma. É assim que pensa o jornalista autodidata, já que não passou quatro anos na faculdade, mas trabalha com comunicação há 11. Para Toni C., a periferia tem entrado, com cada vez mais ênfase, nas universidades e produzido suas próprias teses.

Depois do Sabotage

Assim como na história do rap, o “Entrevista Aberta” foi marcado por dois tempos necessários. O primeiro fulgurou entre a conversa sobre a evolução e necessidades de melhorias para os indivíduos da periferia e o momento em que Sabotage tornou-se o alvo dos questionamentos.

Neste momento, os olhos de Toni C. brilharam e ele parecia um menino contando uma história. Encantado. Encantador.

Não chegou a conhecer seu personagem pessoalmente e talvez este tenha sido um fato essencial para a decisão de escrever sobre Sabotage. Afirmou que passou mais de nove anos estudando o artista, até conseguir colocar tudo no papel.

Sabotage, nascido Mauro Mateus dos Santos em 3 de abril de 1973, na favela do Canão, dentro de um complexo de favelas ao lado do rico bairro do Brooklin, na Zona Sul de São Paulo, é figura tarimbada e inesquecível do rap brasileiro. Poeta das palavras, bandido da vida. Ou seria bandido das palavras e poeta da vida? Tudo se mistura nessa história que une superação, drogas e desigualdade. Sabotage era personagem que encantava. Perdeu os dentes ainda adolescente, por causa, dizia ele, de cabeçada que levou de uma policial, mas sorria e fazia sorrir. Passava fome, mas não reclamava. Ouvia de Chico Buarque a Sandy & Junior e essas influências o ajudaram a escrever as novas páginas do rap nacional. Aquela em que tudo se mistura para formar uma coisa boa. Rap, samba, poesia, rima, luta das palavras. Tudo arte.

E Toni C. explicou tudo isso com perfeição. Não via Sabotage como um ladrão ou traficante. Nos provou que não era. Era apenas um homem maculado por um sistema desigual que leva o ser humano a atitudes drásticas para sobreviver.

Em alguns pontos, eu sentia como se o homem que fora morto havia dez anos, no dia 24 de janeiro de 2003, a caminho do aeroporto de Congonhas, depois de ter deixado a mulher, Maria Dalva, no serviço dela, fosse uma criança indefesa. E talvez fosse mesmo. Talvez Sabotage não quisesse nada daquilo. Ele só queria cantar, poetizar as palavras, misturar samba, rap e bossa nova. Brilhar. Era brilhante.

Em pouco tempo de carreira artística, participou de filmes, beijou a bunda de Rita Cadillac, numa cena já antológica no filme “Carandiru”, de Hector Babenco, realizou seu sonho de gravar um CD (“Rap é compromisso”, pelo selo Cosa Nostra) e se tornou ícone de um estilo musical que mistura ritmo com reivindicação. Foi assim que eu saí: com minha mente mudada sobre Sabotage. Já sabia que ele era um artista talentoso, mas não sabia que era um guerreiro que não desistia nunca.

Um sábado diferente, com o rap como trilha sonora. Um sábado do qual eu saí com uma enorme vontade de ser mais cidadã. O “Entrevista Aberta” foi, para mim, e tenho a certeza de que não só para mim, incentivo a ser melhor. Sempre melhor, porque o melhor lugar para mudar é o presente. É o agora.

Nosso próximo encontro acontece no dia 7 de dezembro e terá o publicitário Washington Olivetto como convidado. E você já está convidado para participar também.

O "Entrevista Aberta" é uma realização do Jornalirismo em parceria com a livraria FNAC. O projeto tem o patrocínio da agência de propaganda WMcCann e apoios da produtora de audiovisual Boa Media, do site de propaganda e jornalismo Blue Bus, da empresa de eventos Eventar, do portal de comunicação Maxpress, da empresa de comunicação digital El Shamah e da empresa de marketing cultural Cult Cultura.

Fonte: Portal do Jornalirismo