Israel desumaniza imigrantes africanos e oficializa xenofobia

O editorial do jornal israelense Ha’aretz desta quarta-feira (23) critica a “combinação de uma retórica inflamatória com leis opressivas contra os mais fracos”, que afirma ser característica de Estados não democráticos. O foco recente da crítica no país tem sido o tratamento abusivo contra os imigrantes, sobretudo africanos, com ações extremamente racistas tanto das autoridades quanto de setores da sociedade israelense.

Por Moara Crivelente, da redação do Vermelho

Israel - Nir Keidar / Haaretz

Há meses tem se intensificado a publicação de notícias sobre leis opressivas e medidas de encarceramento, expulsão, repressão e humilhação dos imigrantes que chegam a Israel, principalmente provenientes da África.

Não bastassem as denúncias de racismo e segregação diárias em relação aos palestinos, as autoridades israelenses também têm manifestado abertamente o empenho pela criminalização dos imigrantes, inclusive refugiados.

O Ha’aretz é o jornal mais crítico de Israel contra a opressão, a ocupação e o comportamento conservador e repressor no país, inclusive na própria sociedade (embora alguns artigos mais retrógrados ainda sejam publicados por ele). No editorial desta quarta, cita o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, que disse: “Dei instruções para o avanço da legislação de uma nova regra que possibilitará manter sob custódia os trabalhadores infiltradores e ilegais”.

O premiê teria afirmado ainda que o governo precisa continuar tomando medidas “que têm bloqueado completamente a infiltração até agora”, e que “infiltradores ilegais não terão privilégios especiais às custas dos cidadãos israelenses”. Israel tenta acompanhar a ascensão da xenofobia extremista na vizinha Europa, mantendo o esforço para se apresentar como um país ocidental moderno.

A legislação citada por Netanyahu, de acordo com o editorial, contorna uma decisão emitida pela Suprema Corte de Justiça, e apenas reduz o período de encarceramento dos migrantes africanos de três para um ano e meio, ainda violando o seu direito à liberdade e à dignidade. Além disso, o governo construiu uma cerca em 2012, para seguir o modelo dos Estados Unidos, em sua fronteira com o México.

Criminalização e desumanização

O empenho pela desumanização dos migrantes africanos tem sido fortalecido exponencialmente, mas alguns críticos nacionais atrevem-se a analisar contradições extremas entre o discurso atual e a história dos judeus israelenses.

           Foto: Daniel Bar-On / Haaretz
     
           Imigrantes africanos protestam em Israel: "Somos refugiados, e não criminosos".

Em agosto, o jornal também denunciou a pressão exercida pelo Ministério do Interior israelense contra migrantes africanos detidos, para que aceitem o “repatriamento voluntário”, embora estivessem pedindo o estatuto de refugiados. A prática é uma grave violação da política da Organização das Nações Unidas e das normas internacionais de direitos humanos.

Assim como as autoridades do Ministério do Interior, Netanyahu investe na caracterização dos migrantes africanos como “infiltradores”, o que em termos discursivos tem um potencial enorme de classificação desumana e simplificação extrema da condição de grupos inteiros. Alguns deles, inclusive, refugiados de situações de violência, perseguição e emergências humanitárias, e outros, migrantes que buscam melhores condições de vida.

“Esta retórica inflamatória não é acidental. É um objetivo real de criar resistência popular generalizada e inconsciente contra a própria imigração a Israel”, afirma o editorial, que critica a negligência do governo em analisar as razões para a migração a nível individual, o que viola a Convenção dos Refugiados e “os valores morais mais básicos”. E completa: “isso é precisamente o que gerou a necessidade de propaganda de incitação contra os refugiados e os migrantes da África”, o que impulsiona a criação de leis draconianas.

Israel recusa-se a fornecer a grupos refugiados ou de migrantes comuns a proteção de que precisam, “e abandona a sua responsabilidade de fazê-lo”, afirma o texto. Os mecanismos são os habituais: as leis opressivas, a disseminação da xenofobia entre a sociedade, a criminalização, as campanhas de deportação massiva e a desumanização dos “infiltradores” através do discurso da elite.