Ângelo Alves: O capitalismo mata! 

O mundo ficou chocado com os efeitos do tufão Haiyan nas Filipinas. Os números são ainda incertos mas apontam para cerca de 10 mil mortos e mais de 4,3 milhões de pessoas afetadas. É um exemplo, muito doloroso, de como a espécie humana é vulnerável à força poderosa da natureza. Mas esta constatação remete-nos para duas linhas de reflexão adicionais.

Por Ângelo Alves*, no jornal Avante!

A primeira é a da questão da relação do ser humano com o meio ambiente. Não está provada a relação direta entre o tufão Haiyan e o polêmico, e questionado cientificamente, conceito de "aquecimento global". Contudo, na abertura da Conferência das Nações Unidas sobre alterações climáticas que se realiza em Varsóvia, o tema Haiyan foi utilizado, com dramatismo, por vários dos seus intervenientes.

Não entraremos na polêmica da relação direta entre fenômenos extremos e alterações climáticas, deixaremos isso para os especialistas. No entanto, é importante afirmar que mesmo que houvesse relação direta, a maioria dos discursos ali proferidos seriam puros exercícios de retórica ou de hipocrisia, pois não tocam, com raras e honrosas exceções, no fulcro da questão que é o modo de produção que prevalece no planeta – o capitalismo – e que é o grande responsável pela delapidação de recursos naturais, pela destruição de solos agrícolas e de imensas manchas florestais e pela degradação das condições atmosféricas.

Mas o problema existe de facto e a crise ambiental é uma das facetas do aprofundamento da crise estrutural do capitalismo. E como reage o sistema? É obrigado a reconhecer as consequências, esconde as reais causas e tenta tirar partido da situação. É por isso que há já longos anos se instrumentalizam justíssimas preocupações com a degradação das condições naturais para construir uma espécie de “dogma ambiental” com quatro objetivos centrais:

1. Ocultar que a causa principal da degradação ambiental é a sobreposição da lógica do lucro a tudo – seja às condições de vida do ser humano seja à preservação dos recursos naturais e condições ambientais.

2. Transferir os custos e as responsabilidades da preservação de recursos e das condições atmosféricas para os povos e para os países menos desenvolvidos e com isso definir novos quadros de exploração, de colonização económica e de domínio sobre recursos naturais.

3. Reafirmar a lógica capitalista no suposto “combate ambiental” apontando como “soluções” a privatização da atmosfera e a entrega ao grande capital da “gestão” do multibilionário mercado de emissões de carbono – uma espécie de bolsa mundial de direitos de poluição dominada pelos principais poluidores.

4. Erigir, em nome da chamada “economia verde”, um gigantesco negócio mundial (privado, claro) em torno das chamadas "energias renováveis", avançando simultaneamente na privatização e fusão das companhias de produção de energia.

A segunda linha de reflexão está relacionada com as condições sociais dos povos afetados. São os mais expostos à exploração capitalista, mais pobres, mais atirados para a miséria, aqueles que mais sofrem com as catástrofes como o Haiyan. O número assustador de mortos nas Filipinas, bem como a incapacidade de resposta do governo filipino, não é dissociável das receitas do FMI que há décadas ali são aplicadas, nem da deslocação de vultuosos recursos públicos para apoiar a estratégia dos EUA de militarização do pacífico. Não são dissociáveis dos cortes sociais, da destruição de sistemas de saúde e educação ou da quase inexistência de um sistema e rede de apoio social, nomeadamente na habitação. Estas políticas (as mesmas que o FMI e a União Europeia tentam impor aos portugueses, também aqui com o apoio de um governo submisso aos interesses do grande capital) são igualmente responsáveis pelos mais de 10 mil mortos nas Filipinas. É que o capitalismo mata mesmo!

*Ângelo Alves é membro da Comissão Política do Comitê Central do Partido Comunista Português