Pensadores temem estagnação prolongada nos EUA
Os EUA estão diante do risco de uma “estagnação secular” é o que prognosticou Lawrence Summers, proeminente ex-Secretário do Tesouro dos EUA (equivalente a Ministro da Fazenda), em Conferencia de Pesquisa do FMI, em 8 de novembro de 2013. Embora a expressão, cunhada por outro economista por ele mencionado, não deva ser levada ao pé da letra, a declaração deu o que falar no mundo econômico norte-americano.
Por David Fialkow Sobrinho
Publicado 29/11/2013 18:22

Colunistas de jornais especializados, como Bloomberg e Newsweek, e da mídia destacaram sua fala. Paul Krugman, do New York Times, disse ter se posicionado próximo a isso mas “sua formulação é muito mais clara e enérgica… e melhor”, Martin Wolf, do Financial Times, dedicou-se a explicar e reforçar seu pensamento. Não é para menos.
Resumida e grosseiramente, seguem algumas linhas do raciocínio. Segundo Summeres, a crise de 2007/2008 foi muito bem e rapidamente abordada pelas autoridades, mas isso não foi suficiente para permitir a retomada do ritmo da economia norte-americana, que segue arrastando-se. Compara a curva do PIB dos EUA no pós-crise com a do PIB do Japão nos anos 90, identificando semelhança de comportamento, ao que se referiu como sendo “estagnação secular”, usando expressão de seu ex-professor Stanley Fischer para designar um conjunto de ideais sobre um longo período de ritmo lento. Acrescenta que, antes da crise, havia algo estranho na economia dos EUA, que nos últimos trinta anos parecia crescer apenas puxada por bolhas, o que ele demonstra com gráfico mostrando que, desde o governo Reagan, sucederam-se três fases de crescimento as quais coincidiram com a existência de bolhas. Essa bolhas foram geradas por juros baixos, enormes facilidades e quantias de crédito, que foram empregados para fazer a economia crescer. Mas, paradoxalmente, tal frouxidão monetária não redundou no que seria usual segundo a teoria hegemônica, uma vez que não provocou inflação, nem excessivo nível de emprego ou de utilização da capacidade instalada, o que impediu acionar os alarmes de praxe.
A conclusão a que Lawrence chega é a de que na economia norte-americana a taxa de juros neutra é significativamente negativa. Taxa de juros neutra ou natural é aquela que equilibra os elementos macroeconômicos, ensejando crescimento.
Em suma, na ausência de bolhas, a taxa de juros natural é negativa, ou seja, para retomar o crescimento os EUA precisariam de juros negativos, da ordem de -2 a -3%. Mas isso é impossível pois, estando em zero por cento, a taxa não pode descer além disso (zero lower bound), embora na prática seja negativa frente a uma inflação anual de 1,2%, mas mesmo assim insuficiente.
Afora os elogios sem limites ao auxílio de trilhões de dólares aos bancos que o governo dos EUA deu, e outras demonstrações de conservadorismo, há uma série de implicações e comentários possíveis acerca da fala, que serão feitos em outro artigo. Por hora, destaquem-se duas.
A primeira é a noção do cenário de longo prazo que aponta para a manutenção do declínio relativo da economia dos EUA. Relativo porque há aspectos que lhe são favoráveis, como o petróleo de xisto em abundancia, o fato de deter algumas das principais empresas de tecnologia (Google, Apple, Microsoft, Facebook, etc.), ser a principal praça financeira do mundo, etc.
Mas, os problemas estruturais apontados por Lawrence vão no rumo da lentidão, o que, em perspectiva, é perda de terreno vis-a-vis às economias emergentes que crescem em ritmo superior.
É interessante registrar que pensadores de ideologias tão diversas e mesmo antagônicas ao marxismo cheguem a conclusões que a esquerda já havia posto. Exceto, em parte, o Krugman, cujas análises mostraram viés crítico ao mainstream, Summers e Wolf são figuras proeminentes do pensamento econômico conservador mundial. É verdade que chegam por outros meios, conceitos e argumentos e mais verdade ainda que não vão tão fundo nas causas e que suas soluções visam tão-somente salvar o capitalismo em geral e o norte-americano em particular. Mas, sua confluência ao tema evidencia que os fenômenos sobre os quais se debruçam são reais e exigem interpretação e ação.
A segunda é a possibilidade de tal diagnóstico dar margem a novas e mais drásticas medidas, no desespero para sair do “buraco secular”. Lawrence não mencionou soluções, mas os comentaristas sim. Entre elas, taxar os depósitos dos correntistas para induzi-los a retirar seu dinheiro dos bancos e, na sequência, para evitar que o levem para debaixo do colchão, cotar o valor do dinheiro em moeda abaixo do valor do dinheiro virtual, ou seja, trata-se de “produzir” ao público uma taxa de juros negativa, para que assim invistam na economia real. Em todas estas formas, a vítima é o trabalhador, que não tem alternativas imediatas a não ser vender sua força de trabalho, piorando a angústia de quem vive assustado com o desemprego, o emprego precário, a baixa remuneração, a perda de direitos sociais, o risco de aposentadoria sub-remunerada. O declínio da superpotência ameaça com penalizações adicionais aos trabalhadores que lá habitam.
Em terceiro, de passagem ele afirma que em tal situação “a macroeconomia convencional nos deixa com um problema muito sério…”. Aqui residem elementos que podem começar a pôr em cheque importantes componentes da economia mainstream, tradicional, como se a concebeu até agora, que terão implicações no pensamento, no ensino e na pesquisa.
(*) David Fialkow Sobrinho é economista (mestre pela UFRGS), membro da assessoria do Governador Tarso Genro e do Comitê Estadual do PcdoB/RS