Há saída para os conflitos na Colômbia?
A Colômbia vive um processo histórico. Os diálogos de paz entre as Farc e o governo marcam a primeira fase de uma grande transformação. Mesmo após o avanço das partes com o tema agrário, camponeses saíram às ruas em greve. O Vermelho recebeu membros da Marcha Patriótica, que explicaram a relação das negociações com a luta agrária. Leia a seguir a segunda parte da reportagem especial sobre a conjuntura colombiana.
Por Théa Rodrigues, da redação do Vermelho
Publicado 05/12/2013 15:34

Desgaste nas negociações
Para Jenifer Burbano Mora, “o governo sempre tenta passar por cima dos temas importantes desgastando as pessoas que participam das negociações”. De acordo com a delegada da Marcha Patriótica para Movimentos Sociais na Alba, a equipe governamental “foi muito irresponsável no exercício do diálogo com os camponeses, porque as pessoas suspenderam os protestos em busca de uma solução para a paz e a outra parte não se mostrou disposta a ceder”.
Desde o dia 8 de setembro, quando foram assinadas as atas de acordo pelo fim das manifestações massivas, os camponeses concentraram seus esforços em negociar suas principais reivindicações. No entanto, todo este tempo foi insuficiente para avançar os diálogos.
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Logo no princípio das mesas de conversação, na tentativa de acalmar os ânimos, Santos lançou o Pacto Nacional Agrário. As “medidas de choque”, como chamou, foram assinadas no dia 13 de setembro, em uma decisão unilateral do presidente. Isso causou um descontentamento ainda maior.
Yule Anzueta, membro da Marcha Patriótica e da Mesa Nacional Agrária e Popular de Interlocução e Acordo (MIA), disse que os empresários são os maiores beneficiados com o programa e não os pequenos produtores rurais. “Isso não soluciona a problemática”, afirmou o delegado da MIA, que definiu a iniciativa do governo como “uma entrega dos recursos às multinacionais”.
Na ocasião, os representantes das Farc, reunidos em Havana, também se posicionaram de maneira contrária ao Pacto Nacional Agrário impulsionado pelo presidente, qualificando o projeto como uma “reunião de engravatados”.
Política antidrogas e cultivos ilícitos
Há um consenso geral no país sobre a necessidade de encontrar uma saída ao fenômeno do narcotráfico. O debate histórico pode seguir três linhas de pensamento: a “proibicionista”, a “redução de danos” ou a de “legalização”.
A atual política antidrogas colombiana segue encabeça pelos EUA e se baseia na proibição, o que gera múltiplas limitações e nefastas consequências: a perseguição contra os agricultores e seu tratamento como delinquentes, a destruição do meio ambiente, a destruição de meios e frutos do trabalho camponês.
“O governo pretende fazer com que o mundo acredite que o problema é a coca. Para nós, o problema não é a planta. O problema é social, econômico e agrário. É isso que faz com que os agricultores cultivem a coca. Resolver o problema dos cultivos ilícitos não é dar tratamento criminoso ao plantio, pelo contrário, é dar subsídios para que os camponeses substituam a planta por outros produtos que sejam rentáveis”, afirmou Anzueta.
Segundo ele, a posição do governo em relação à política antidrogas é imutável. “A Colômbia leva mais de três décadas fazendo isso e ainda não conseguiu diminuir a produção de coca, de maneira significativa”.
Na última terça-feira (3), as Farc apresentaram dez propostas contra a questão do narcotráfico. O texto apresentado por Iván Marquéz, chefe da delegação guerrilheira, em Havana, pede a implementação de uma política antidrogas sem a ingerência de alguma potência estrangeira e com caráter participativo. O documento ressalta ainda que o flagelo se deve a condições socioeconômicas.
O projeto inclui a suspensão imediata dos ataques aéreos com agrotóxicos e a reparação integral das vítimas. Além disso, exige a desmilitarização dessas políticas, o desmanche das estruturas narco-paramilitares do Estado e o tratamento da dependência química como um problema de saúde pública.
Há saída para os conflitos?
Um acordo de paz só é útil quando há a possibilidade de transformá-lo em realidade. A Colômbia tem o direito soberano de construir uma saída ao seu conflito social e econômico (seja os diálogos com as Farc ou com os camponeses), mas enclausurar-se apenas nisso pode dar margem ao descumprimento dos prováveis acordos.
No caso do processo de paz das Farc, observadores internacionais acompanham as mesas negociadoras. A cooperação de outros países, neste sentido, é fundamental para garantir que o processo avance rumo a uma paz duradoura.
“Para a Marcha Patriótica e para a Colômbia é muito importante a articulação continental, porque em primeiro lugar nos permite intercambiar experiências com as organizações sociais. Em segundo lugar, nos permite também fazer o exercício permanente da denúncia para toda a América Latina saber a situação crítica pela qual está travessando a Colômbia”, afirma Jenifer, lembrando que as conversas entre camponeses e governo não possuem nenhum observador estrangeiro.
Os membros da Marcha Patriótica que visitaram o Vermelho acreditam que a saída para a atual situação só será possível com a unidade dos movimentos sociais. “Propusemos a Conferência Popular Agrária e esperamos a participação de diversos setores sociais para que possamos articular propostas para fazermos conjuntamente as exigências necessárias ao governo”, disse Anzueta.
Embora sem data definida, a reunião deve acontecer o mais breve possível, de acordo com o que planeja o movimento. “O movimento agrário se converte na ponta da lança de todo um acumulado histórico”, afirmou Lorena, que ressaltou a importância dos colombianos se organizarem para cobrar do governo efetividade nos acordos.
“Nós da Marcha Patriótica acreditamos que a formação continental é muito importante porque necessitamos que as pessoas de Nossa América reconheçam uma história comum, reconheçam alguns princípios comuns, reconheçamos que somos um só continente, trazendo um pouco do sonho de Simón Bolívar”, reforçou Jenifer. “Ninguém sofreu tanto com a guerra, o deslocamento interno na Colômbia como os trabalhadores rurais”, completou.
O termo deslocado interno refere-se a alguém que é forçado a deixar sua cidade, mas permanece dentro das fronteiras do país. As causas mais frequentes deste fenômeno são a violência generalizada, perseguições políticas, religiosas ou étnicas, conflitos armados e violações aos direitos humanos.
Próximos passos
“Os camponeses dizem que a greve não foi concluída. Estamos em um recesso à espera de avanços nas mesas de negociação, que segue sem progresso. Então possivelmente sairemos em protesto novamente, mas não estaremos sozinhos”, disse Anzueta ao Vermelho.
Lorena completou a fala do representante da MIA, dizendo: “não levantamos a greve, inclusive está vigente. A qualquer momento que sentirmos a necessidade de sair às ruas novamente, estaremos lá”.
E assim aconteceu na última terça-feira (3), quando cerca de 20 mil pessoas, camponeses indignados pelos desmandos do governo, voltaram a se mobilizar para exigir medidas urgentes para a questão agrária. Os manifestantes saíram de distintos lugares da Colômbia e tomaram a Praça Bolívar, no centro de Bogotá, com cartazes lembrando que “o campo não está esquecido”.
Também, na próxima semana, cerca de 200 delegados de diversas organizações camponesas, indígenas e afrodescendentes se reunirão na capital do país para um encontro nacional sobre os cultivos ilícitos, tendo como base o documento difundido pelas Farc.
Ainda segundo os membros da Marcha Patriótica, “o povo colombiano está se preparando para a Grande Greve Nacional, que deve acontecer no início do próximo ano”.
(A primeira parte desta reportagem especial foi publicada no Vermelho neste sábado 07/12/2013 sob o título "Por que a paz na Colômbia depende dos Camponeses?")