“La Cachureca” ou como Hernández comprou votos em Honduras

O Partido Nacional compra voto através de um sistema sofisticado computarizado. Se aproveita da extrema pobreza em Honduras para "amarrar” o voto dos pobres. Os mesmos dirigentes do Partido Nacional chamam-no "um presente do partido ao votante”. Mas, no fundo, utilizam as diferentes instituições do Estado, como o Registro Civil, para "fazer um censo” da população e assim registrá-la e aproveitá-la como "vaquinha de votantes”.

Por Dick e Mirian Emanuelsson*, na Adital

No bairro onde vivemos sempre compramos as tortilhas feitas por Dona Irma. Não só porque as tortilhas são feitas e moídas de milho puro, mas porque a mulher, uma viúva de cerca de 45 anos, com três filhos, está doente de distrofia muscular. Seu fogão é a ferramenta de sobrevivência.

Como acusar um pobre que sobrevive com menos de um (1) dólar por dia, como são 46% da população hondurenha, segundo a Cepal-ONU, de ser parte da fraude eleitoral por ter votado no partido e seu candidato?

Colados aos locais de votação os ativistas do Partido Nacional entregavam os cartões que dão descontos em muitos produtos, até visita a clínicas de saúde. O cartão "La Cachurreca” tem vigência até 2016, ou seja, um ano antes das próximas eleições. Os descontos são dados em empresas e setores comerciais ligados ao golpe de estado de 2009.

Para nós, quase dá vontade de chorar quando vemos os pés deformados pelas cãibras e a falta de circulação do sangue de Dona Irma, uma mulher que nem sequer completou 45 anos, mas parece ter quase 60.

E é nessa condição de vida indigna, sem verdadeiros direitos humanos, que deve ser a saúde pública, que o Partido Nacional, com a melhor organização partidária, sabia quase perfeitamente como aproveitar a pobreza extrema para ganhar as eleições.

Crianças do Baixo Aguán, no norte de Honduras, onde uma aliança obscura e a serviço de três fazendeiros, assasinaram 112 campesinos organizados durante o governo nacionalista (27 de janeiro de 2010).

Venezuela e Honduras

Dizia o saliente prefeito de Tegucigalpa, Ricardo Álvarez, que "o povo hondurenho não queria um modelo venezuelano, no qual se faz fila para comprar papel higiênico”. E foi parte da guerra midiática que exerciam os nacionalistas, assessorados pelo venezuelano JJ Rendón, especialista em guerra psicológica e um "caçador anticomunista”. O que Álvarez nem Rendón dizem é que a Venezuela é vítima das mesmas forças fascistas, como foi vítima Salvador Allende e o governo da Unidade Popular (1970-73) no Chile. Mais dia menos dia, sempre aparece a verdade.

E mais, enquanto o povo hondurenho da extrema pobreza fazia intermináveis filas nos bancos, na segunda-feira, 25 de novembro, para descontar o cheque ou o cartão pelo qual vendeu seu voto, em Caracas ou outras cidades venezuelanas, as pessoas comuns faziam longuíssimas filas para comprar eletrodomésticos, como um televisor de plasma ou uma nova lavadora, porque o governo, eleito pelo povo, contra-atacou para derrotar os especuladores e os conspiradores de um novo golpe de Estado. Os preços dos produtos, que os especuladores colocaram equivalentes ao dólar do mercado negro, foram reduzidos entre 800-1000%. Aí está a diferença, dois governos e dois saldos econômicos.

À nossa casa, no sul de Tegucigalpa, chegou um dia um rapaz que se apresentou como integrante de uma equipe de censo. Perguntei a ele: "pois onde está sua credencial e a carteira de identidade”? Ele me respondeu que "nós temos dito a nossos chefes que nos dê um cartão de identificação, mas até agora não recebemos”. E lhe respondi: "venha quando o tiveres”. Ele se foi, mas para os vizinhos ele dizia que nós éramos do "Libre” [Partido Libertad y Refundación].

Chegamos a Cerro Grande, uma das maiores colônias da capital hondurenha, às 9 horas da manhã, no domingo, 24 de novembro de 2013, dia das eleições. Nem sequer havíamos entrado no corredor dos centros de votação quando nos parou uma mulher que nos dizia: "Não estão deixando as pessoas votarem, porque as amedrontam, não sei de que partido é, eu creio que são do Libre, amedrontando as pessoas”.

A mulher era nacionalista. O comando eleitoral de seu partido em Cerro Grande a tinha colocado na entrada do centro de votação para criar e difundir rumores ante os observadores e a imprensa internacional, que chegavam com câmeras. Fazia parte da Guerra Psicológica. A situação se repetia em quase todas las 6-7 colônias onde chegamos no dia das eleições gerais.

O que é "La Cachureca”?

A "Cachureca” ("cachureco” quer dizer membro do Partido Nacional em Honduras) é uma manobra sofisticada para organizar e "amarrar” grande parte da população hondurenha. Em Cerro Grande, colônia populosa, com centenas de milhares de pobres, encontramos a barraca onde, com o computador na mesa, estavam entregando aos votantes o "cartão mágica”, que dá descontos em grande parte dos centros comerciais, redes de comida rápida, que os hondurenhos batizaram como "Comida Lixo”.

– Não é o "Bônus 10.000”, é um cartão para um desconto de 10% (até 30%) em lojas, centros comerciais, nos Grupos Intur, é para isso. Dizia a mulher quando perguntamos à 5 ou 6 pessoas da barraca nacionalista por que estavam entregando às pessoas esse cartão? O cartão, além do mais, e isso é o fundamental do "truque nacionalista para conseguir o voto do pobre”, é vinculado ao número da carteira de identidade. E, durante o censo, alguns meses antes das eleições, os grupos de nacionalistas percorreram as colônias, os bairros e aldeias coletando nome, sobrenome, telefone e número da identidade. E com esse número o pobre pedia o Cartão Cachureca no dia das eleições nas barracas nacionalistas pegadas aos centros de votação. Não é casual que Honduras apareceu no dia 03 de dezembro como o terceiro país mais corrupto da America Latina e ocupa o lugar 26 no mundo.

"Presente do nosso partido”

Por que entregar esse cartão justo no Dia das Eleições e justo colado aos centros de votação?
É um presente do nosso partido para nossos correligionários.

Por que não entregam então o cartão aos seus correligionários em uma reunião partidária interna?
Eeehh… é que, as pessoas têm nos perguntado pelo seu cartão, eehh, e muitos não vivem aqui nessa colônia.

Mas (seu partido) não tem organização em outra parte?
Não, aqui temos os documentos, se evadiu da pergunta.

Registrando 1,8 milhão de votantes

Uma semana antes das eleições, o Canal 5 da Televicentro, cujo dono justamente é o mesmo dono do conglomerado Grupo Intur (comida rápida como McDonald, Burger King, etc. e o "Murdoch hondurenho”), fez uma breve reportagem no Centro de Computação do Partido Nacional. Assinalava o encarregado do Comando que o Partido Nacional tinha praticamente o resultado da vitória em suas mãos e acrescentou que os votantes estavam lá, no Centro de Computação, 1,8 milhão de votantes. O que não dizia era o antecedente que o "Cartão Cachureca” era equivalente a essa soma de supostos votantes.

E continuamos a entrevista com a líder nacionalista em Cerro Grande:

E, hoje, com tantas tarefas que vocês têm nas eleições, estão aqui oferecendo o Cartão. Por que estar aqui ao lado do Centro de Votação?
Não, aqui não é uma mesa receptora de votos.

Claro que é!, aqui está a entrada (a dez metros).
Isso é só um centro de reunião, onde colocar informação…

Mas você não me explica, o que tem a ver que no dia de hoje, dia das eleições, estão entregando esse cartão e não durante os outros quatro anos, quando pudessem fazer isso?
Porque isso é um presente que estamos dando porque votaram a favor do Partido Nacional nas internas (18 de novembro de 2012). Por isso é um presente que está sendo dado às pessoas nacionalistas. E inclusive vou lhe dizer que muitos não foram dados apenas aos nacionalistas, mas a outros partidos também.

O que disse a senhora nacionalista confirma a compra de votos, inclusive de pessoas por seu estado social-econômico, que caíram na trapaça eleitoral crendo que "como hoje, mas amanhã volto à fome”.

Hospitais sem remédio

Vocês representam um partido tão generoso, que tem sido governo durante os últimos quatro anos, mas não há remédios nos hospitais, os pacientes estão morrendo nos corredores do Hospital Escola e aqui estão entregando "um presentinho”. De onde vem o dinheiro?
O dinheiro? A mim não pode me perguntar porque sou uma dirigente, nada mais.

Mas como dirigente deve saber de onde vem o dinheiro para pagar isso. Jornalistas questionam o financiamento, porque dos nove partidos na campanha, 52,8% da publicidade política publicada nos meios têm sua origem no Partido Nacional.
Pois não sei, senhor, sou uma correligionária, não faço mais do que ajudar minha mesa a entregar os cartões, não sei de onde tiraram (o financiamento da publicidade política paga).

Não sabe de onde o partido tem suas fontes (de financiamento)?
Não sei.

Muito obrigado.

Não há festa nacionalista em Honduras

E entra na cena outra nacionalista que diz que "o Libre está fazendo um show ali”, e indica com a mão o centro de votação, "e não é legal”.

O Partido Libre (Liberdade e Refundação) está entregando "presentes”?
Não! Estão gritando e…

O partido Libre está feliz hoje? O que quer dizer?
Pois…

E os nacionalistas estão felizes hoje?
Irritados porque…

Mas por que?
Porque se está notando que… há direção… que favorece um partido. E não deve ser assim.

E deixamos o intercâmbio insólito com a nacionalista que expressava um ânimo de derrota e tristeza. O mesmo ânimo que notamos também depois do triunfo declarado pelo Tribunal Supremo Eleitoral, ou seja, que não havia festa, caravanas em carros, pólvora e gritaria, como fazem os partidários de um partido que ganhou. Não, Honduras amanheceu no outro dia muito militarizada e quase em silêncio, e com isso "esperamos que traga o futuro” de um novo presidente que ressaltou em suas primeiras declarações, que apenas os uniformizados terão aumento de salário nos próximos quatro anos.

E se o povo hondurenho viveu quatro anos em uma pobreza galopante, com fome, terror e quase em uma guerra contra o povo, o futuro quiçá se apresenta mais obscuro para todas essas pessoas que venderam sua dignidade por um cartão, em empresas que têm sido liberadas de pagar imposto por justamente isso, o Congresso Nacional, cujo presidente foi Juan Orlando Hernández.

*Dick Emanuelsson é sueco, e jornalista a 30 anos. Mirian Huezo Emanuelsson é hondurenha e educadora popular.