Giorgio Raccichin: O partido comunista e a linha organizativa

Tendo em vista o segundo encontro de formação organizado pelo Partido dos Comunistas Italianos (PdCI) da região de Marche, com foco no tema da organização do partido comunista, permitam-me apresentar essa pequena contribuição.

Por Giorgio Raccichini*

Viemos de duas décadas de progressiva falência dos partidos comunistas na Itália, situação que não pode ser explicada unicamente por equívocos de orientação política, mas também pela herança de uma escassa atenção dedicada às questões organizativas.

Parece-me evidente que os problemas da linha política possam ser superados na existência de uma organização partidária adequada, ao mesmo tempo em que a mais acertada das plataformas políticas provavelmente se converterá em um simples pedaço de papel caso não haja possibilidade objetiva do partido de mobilizar forças capazes de colocá-la em prática.

As formas organizativas do partido podem variar de acordo com os contextos e os objetivos a se alcançar, mas três princípios devem permanecer: o centralismo democrático, a composição de classe do partido e a formação dos quadros dirigentes.

Em primeiro lugar, saímos em defesa do princípio do centralismo democrático, que a cultura do Partido da Refundação Comunista refutou, criando grande confusão nas novas gerações que se aproximaram do pensamento comunista nos últimos anos. O centralismo democrático foi confundido com a negação da democracia interna, com a ditadura dos órgãos dirigentes, com o burocratismo. O resultado tem sido o retorno às velhíssimas concepções organizativas, que remetem à Segunda Internacional e à social-democracia e negam, em substância, as elaborações dos grandes dirigentes comunistas da época da Terceira Internacional, a partir de Lênin e Stálin, das quais derivaram, em nosso país, as contribuições fundamentais e originais de Antonio Gramsci e Pietro Secchia. A guerra entre grupos e correntes, que inviabiliza a plena aplicação de todas as forças para a realização da linha política e impõe estranhas alquimias na composição dos coletivos dirigentes, tem sido seu deletério fruto.

O centralismo democrático é a forma mais madura de democracia interna de um partido, porque impede que o debate converta-se em um eterno confronto verbal que acaba por paralisar o trabalho concreto. Discute-se amplamente e até mesmo duramente, mas ao final se deve não apenas aceitar, mas também trabalhar pela aplicação da linha política que emerge da discussão democrática. A disciplina exalta o momento democrático, que por outro lado é mortificado pela disputa entre frações e pela cristalização de correntes internas no partido. A disciplina não impede, mas, ao contrário, impõe a contínua avaliação e discussão dos resultados da linha política e requer seu recorrente ajuste.

O centralismo democrático remete à natureza de classe do partido comunista, à vanguarda da classe operária e da massa trabalhadora assalariada.

Em um partido burguês de massas a divisão entre correntes é a norma porque, sendo multiclassista a sua base social e sua composição interna, há ali diferentes interesses de classe. Naturalmente, a alquimia de correntes destes partidos se dá pelas disputas entre as diversas forças internas, onde o resultado tende a ser muito favorável à grande burguesia; todavia, mesmo essa última, ainda que esteja unificada no confronto de classe contra os trabalhadores, apresenta-se dividida por interesses econômicos específicos.

A classe trabalhadora, diferentemente, ainda que não esteja isenta de contradições internas, agravadas no último decênio pela reestruturação capitalista centrada na extrema precarização do trabalho e sua pulverização, não tem em seu seio interesses fundamentalmente divergentes, porque a unificam as aspirações a melhores condições de vida, de trabalho digno e capaz de garantir uma existência plena de sentido. O partido comunista não pode senão representar em sua organização a unidade dos interesses da classe trabalhadora, de modo que possa contestar o poder econômico e político-militar da burguesia, o que só poderá fazer por meio do emprego da máxima competência organizativa e político-ideológica.

O partido comunista deve constituir-se como seiva vital da classe trabalhadora, assumindo, portanto, uma organização que esteja em conformidade com a contraposição entre capital e trabalho.

Atualmente enfrentamos ataques sem precedentes, sob o comando dos grupos monopolistas transnacionais e seus representantes políticos, aos direitos trabalhistas conquistados em décadas de duras lutas em que conquistamos a aplicação da Constituição antifascista; setores importantes da pequena e média burguesia vêm enfrentando um processo dramático de empobrecimento econômico, de precarização e mesmo de proletarização. O poder aquisitivo do funcionalismo público piora progressivamente; os jovens recém-formados nas universidades e mesmo titulados dificilmente encontram trabalho ou ocupação condizente com seu preparo cultural. O descontentamento, ligado ao empobrecimento, aos retrocessos socioeconômicos e, em geral, à impossibilidade de realizar um projeto de vida, tende a assumir a forma de uma rebeldia e de um populismo pequeno-burguês sem perspectiva, que termina por reforçar o projeto hegemônico da grande burguesia monopolista.

A carência de um forte partido comunista organizado e, consequentemente, a ausência de uma esquerda de classe são os principais fatores que impedem uma saída progressista para a crise socioeconômica, fundada em um planejamento estatal da economia com a participação dos trabalhadores e na afirmação dos direitos sacramentados pela Constituição.

Os comunistas italianos têm a tarefa de criar um partido adequado, em termos qualitativos e quantitativos, ao enfrentamento dos imensos desafios do presente e do futuro, mas não podem fazê-lo sem recuperar uma análise classista da sociedade, sem enraizar a organização onde é mais forte a contradição entre capital e trabalho, sem projetar a perspectiva da construção do socialismo e sem a consolidação de uma organização coesa e disciplinada.

Um camarada do PdCI, Erman Dovis, escreveu recentemente uma reflexão lúcida e justa: "Na atual época de crise do capitalismo, a classe monopolista apropria-se ferozmente dos rendimentos, inclusive prejudicando aquelas categorias que eram consideradas privilegiadas: pequenos e médios empresários, comerciantes, trabalhadores intelectuais. É de interesse geral lutar contra o poder da classe monopolista e contra as multinacionais, contra os grandes banqueiros e financistas que atualmente determinam a política antioperária e antipopular que está arrastando o continente a uma devastadora guerra interestatal. A unidade da classe operária e dos trabalhadores é a resposta à fragmentação da luta, que é propositalmente imposta, porque o que serve à classe monopolista é a divisão entre os sindicatos. Existem as condições para romper o isolamento e criar um grande movimento de massas, uma ampla frente democrática antimonopolista dirigida pela classe operária".

Está, portanto, demonstrada a necessidade de reconstituir uma organização comunista enraizada nos locais de trabalho; este é um objetivo fundamental, porque somente deste modo os comunistas poderão contestar a divisão do mundo do trabalho assalariado imposta conscientemente pelos detentores do capital, que fomentam o conflito e espalham prejuízos para todos os trabalhadores.

Neste momento em que o descontentamento e o inconformismo criam um amplo reservatório de possibilidades militantes, que cresce no partido uma insatisfação com a disciplina herdada da visão pequeno-burguesa dominante nas massas, os comunistas não devem atender ao espontaneísmo e à ausência de disciplina, mas devem cultivar os princípios do centralismo democrático e ao mesmo tempo preocupar-se sistematicamente com a formação político-ideológica e organizativa dos quadros dirigentes de todos os níveis. Se isso não acontecer, o partido se privará de uma perspectiva de ampla renovação, condenado a uma navegação de pequena cabotagem, na qual se consumirá em divisões e contrastes sobre questões fúteis, ao protagonismo insensato da ocupação de uma cadeira institucional qualquer. Estará definitivamente afastado das massas trabalhadoras e destinado a fracassar miseravelmente.

*Membro do Partido dos Comunistas Italianos (PdCI). Artigo publicado em www.marx21.it. Tradução de Rita Coitinho, colaboradora do Vermelho