Ângelo Alves: Ariel Sharon, o "bulldozer"

A linha “oficial” de abordagem à morte de Ariel Sharon diz muito sobre a profunda e criminosa hipocrisia com que se aborda a questão palestina e se apoia a política de terrorismo de Estado de Israel.

Por Ângelo Alves*, no Jornal Avante!

Ariel Sharon - Arquivo

Shimon Peres, presidente de Israel, deu o mote: “A terra da qual tu nasceste irá agora abraçar-te com os braços da história da nossa nação para a qual tu contribuíste com um capítulo inesquecível”, disse.

Barack Obama alinhou com o tom: “associamo-nos ao povo israelense prestando tributo ao seu compromisso para com o seu país”. Angela Merkel apelidou Sharon de “patriota israelense” e elogiou a sua “corajosa decisão” de retirar colonatos da Faixa de Gaza.

Leia também:
Líderes palestinos: Ariel Sharon era um "criminoso"
Ex-premiê e general de Israel, Ariel Sharon é enterrado "impune"
Morre Ariel Sharon, ex-premiê de Israel e general da ocupação

Presente nas cerimônias fúnebres, Joe Biden, vice-presidente dos EUA, afirmou que a “estrela guia” de Sharon era “a segurança e a sobrevivência do Estado de Israel”, acrescentando que a sua “inabalável missão era a segurança do seu povo”.

Ban Ki-moon, secretário-geral das Nações Unidas, apelidou-o de “herói para o seu povo”. David Cameron, premiê do Reino Unido, prestou homenagem às suas “corajosas e controversas decisões” relativas ao “processo de paz no Oriente Médio”, apelidando-o de “uma das mais significativas figuras na História de Israel”. Francois Hollande, presidente francês, elogiou “a sua escolha pelo diálogo com os palestinos após uma longa carreira militar e política”.

Este conjunto de declarações que transformam Sharon num patriota e até num “homem de paz” (como George W. Bush teve a “coragem” de afirmar) são, como se disse, demonstrativas do apoio incondicional do imperialismo à política de terrorismo de Estado de Israel. Mas contêm outro elemento altamente perigoso: a banalização da violência, dos crimes e do racismo que caracterizou a vida e a carreira de Sharon e caracteriza a política de Israel.

Sharon não foi um homem de paz, foi um criminoso de guerra, que combateu ou dirigiu em todas as guerras de agressão e de ocupação de Israel contra a Palestina e os países árabes da região. Não foi um homem preocupado com a segurança do seu povo, levou a insegurança a toda região e o terror à Palestina ou a países como o Líbano. Sharon não tinha como “estrela guia” a “sobrevivência” de Israel, nem era um homem corajoso, foi um comandante provocador que desde cedo usou a provocação e a guerra para procurar negar a existência não só do Estado, mas também do povo palestino.

Sharon não foi um patriota, foi um nacionalista de extrema-direita e racista, foi o homem do massacre de Qybia, na Cisjordânia, em 1953, em que como comandante da unidade 101 massacrou 69 pessoas, várias delas queimadas vivas dentro das suas próprias casas.
Foi o autor, conjuntamente com os falangistas assumidamente fascistas libaneses, do massacre dos campos de refugiados palestinos de Sabra e Chatila (no oeste da capital do Líbano, Beirute), em que, cercados pelos tanques israelenses, cerca de dois mil palestinos foram assassinados e muitos deles torturados e violados.

Não foi o homem da retirada dos colonatos da Faixa de Gaza, foi aquele que transformou Gaza numa gigantesca prisão e aquele que, em 1998, incitou os colonos israelenses a ocuparem o máximo de território possível na Cisjordânia. Sharon não foi o homem do diálogo, foi o que em 2000 protagonizou a provocação na Esplanada das Mesquitas em Jerusalém, acompanhado de 1.500 soldados, e que já primeiro-ministro ordenou o massacre de Jenin em 2002 e decidiu da construção do Muro do Apartheid na Palestina.

Este é o homem cuja morte ocorre precisamente quando se assinalam cinco anos da operação Chumbo Fundido em Gaza que vitimou 1.400 palestinos e 13 israelenses e quando Israel anuncia a construção de mais 1.800 casas nos colonatos israelenses, demonstrando a hipocrisia e reais intenções de Israel e dos EUA relativamente ao “processo de paz”.

Infelizmente as atrocidades, ilegalidades e crimes de Israel não morrem com Sharon. Por isso, mais do que nunca, a unidade do povo palestino e a solidariedade para com a sua luta são os fatores que podem trazer paz aos dois povos e à região do Oriente Médio.

*Ângelo Alves é membro do Comitê Político e da Secretaria de Relações Internacionais do Partido Comunista Português (PCP).

Fonte: Jornal Avante!