Lei no Peru dá licença para matar

Com licença para matar. Foi dessa forma que organismos de direitos humanos e diversos juristas qualificaram a lei promulgada pelo governo, nesta semana. Ela exime policiais e militares, da responsabilidade penal, por lesões ou mortes que ocasionarem estando em trabalho.

Por Carlos Noriega, no Página/12*

Violência policial contra manifestantes pacíficos em Cajamarca em 2012

A Defensoria do Povo também rechaçou a lei. Enquanto a oposição de direita, encabeçada pelo fujimorismo, assumiu o protagonismo em defesa da questionada lei, o ministro do Interior, Walter Albán, surpreendeu ao criticá-la, ainda que depois a tenha justificado. Essa lei foi aprovada no Congresso por iniciativa da bancada fujimorista e promulgada, nesta semana, pelo presidente Ollanta Humala.

Sua promulgação ocorre em um contexto no qual crescem as reclamações ao governo, motivadas pelo aumento da delinquência e da insegurança, mas esta lei também abre as portas para endurecer a repressão contra as mobilizações sociais.

Nos dois anos e meio do atual governo, aproximadamente 30 pessoas foram mortas por causa da repressão policial e militar, durante diversos protestos sociais. Há investigações judiciais abertas devido a estes casos, mas nenhuma condenação. Teme-se que com a nova lei essas mortes aumentem e a impunidade se institucionalize. De imediato, 139 policiais e militares denunciados por causar lesões ou a morte de manifestantes, durante mobilizações sociais, recorreriam à nova norma para fracassar as investigações judiciais e ficarem livres de toda a responsabilidade.

A nova lei destaca que “está isento de responsabilidade penal o pessoal das forças armadas e da Polícia Nacional que, em cumprimento de seu dever e no uso de suas armas ou outro meio de defesa, causem lesões ou morte”. Esta lei elimina o termo “na forma regulamentar”, ao se referir ao uso de armas pelas forças de segurança, vigente na norma anterior, que já era considerada bastante permissiva ao acionar de policiais e militares.

A eliminação na nova lei da referência ao uso das armas “na forma regulamentar” foi criticada pelo ministro do Interior, Walter Albán. “Esta modificação não era necessária, nem conveniente”, declarou o ministro Albán, que admitiu que a lei ditada pelo governo ao qual ele pertence “pode dar margem para pensar que haveria total impunidade”. Por essas declarações, a oposição de direita pediu sua renúncia.

Albán suavizou, depois, suas críticas à lei: “É preciso muita clareza ao dizer que este exercício (o uso das armas pelas forças de segurança) não pode ser ilimitado. Qualquer tipo de excesso deverá ser punido”. Apesar de expressar seu desacordo com esta lei, o ministro do Interior justificou sua promulgação destacando que “é uma lei do Congresso” e que o Executivo não a observou para que não se pense que se esteja limitando a função da polícia.

“Com esta lei, que elimina a referência ao uso das armas na forma regulamentar, policiais e militares ficam em liberdade para disparar sem respeitar os protocolos sobre o uso regulamentar de suas armas. Abre-se uma porta imensa para que os excessos que as forças de segurança possam cometer, usando as armas, fiquem na impunidade. O espírito da lei é que esses excessos fiquem impunes”, declarou ao jornal Página/12 Carlos Rivera, advogado especializado em direitos humanos do Instituto de Defesa Legal (IDL).

“É insólito que se esteja dando mais permissividade para o uso indiscriminado da força por parte da polícia e das forças armadas. Com essa norma, o governo passou a aplicar, como política nacional, o uso excessivo da força para controlar os conflitos sociais”, destacou Rocío Silva Santisteban, secretária executiva da Coordenação Nacional de Direitos Humanos.

A Defensoria do Povo qualificou esta lei como “contraproducente”. “A norma fragiliza a proteção do direito à vida e integridade pessoal do cidadão (…), coloca em risco a vida de qualquer pessoa (…) e contraria parâmetros internacionais”, destacou a Defensoria do Povo em um comunicado. “Com essa lei, agora nenhum policial, nem militar poderão ser julgados, caso matem ou firam terceiros”, adverte o decano do Colégio de Advogados de Lima, Mario Amoretti. O presidente Humala não se pronunciou sobre as duras críticas à lei que assinou essa semana.

*Traduzido pela Cepat e publicado pelo IHU