Altamiro Borges: “Democratizar a mídia é ter mais vozes falando”

“Uma trincheira na luta contra a ditadura midiática”. Essa é a descrição da página que Altamiro Borges, presidente do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, possui na internet (altamiroborges.blogspot.com.br). O sentido da frase dispensa a apresentação do alvo de combate de Altamiro, que esteve em Salvador, na última quinta (31/1) e sexta-feira (1/2), participando de debates sobre a democratização da mídia.

Nesta entrevista ao Vermelho da Bahia, o presidente do Barão tece duras críticas ao sistema nacional de comunicação e fala sobre as mobilizações no país em prol da sua democratização, destacando o papel dos movimentos populares nessa luta que, segundo ele, é de todos. Na conversa, Altamiro também destacou o pioneirismo da Bahia nas discussões sobre uma mídia democrática, muito por conta da formação, no estado, do primeiro conselho de comunicação do país.

Sobre o império criado pelas mídias tradicionais no Brasil e da dificuldade em abalá-lo, Altamiro, que também é secretário nacional de Questões de Mídia do PCdoB, cita o que aconteceu com os impérios de Murdoch (Reino Unido) e Clarin (Argentina), e dispara: “Eu sou pessimista com o diagnóstico, mas otimista com a possibilidade da mudança”. Confira.

– Quais as principais críticas que se faz ao sistema brasileiro de comunicação, da maneira como está organizado hoje?

A principal crítica: o sistema de comunicação do Brasil é altamente concentrado, monopolizado e tem um papel muito forte na sociedade, como agente de manipulação. Informa, mas não informa. Forma, mas deforma. O país nem chegou ainda ao capitalismo na área da comunicação. Ele é feudal. São sete famílias que detém o grosso da comunicação no Brasil. Você pode listar: Globo, família Marinho; Saad, Bandeirantes; Abravanel, SBT; Macedo, Record; Frias, Folha [de São Paulo]; Mesquita, Estadão; e a família Civita, da Abril e da revista Veja. Isso é muito negativo para a democracia. Acaba sendo um atentado à própria liberdade de expressão. Crescentemente, essa mídia vem assumindo um papel de partido político, confirmando a tese de um grande intelectual revolucionário italiano, chamado Antônio Gramsci, que disse que quando os partidos de direita entram em crise, a imprensa ocupa o papel do partido do capital. Isso está acontecendo na América Latina inteira. É uma imprensa que faz, o tempo inteiro, o jogo da oposição. Esse quadro é que precisa ser transformado. Infelizmente, o Governo não toma atitude necessária, a meu ver muito a partir de uma visão eleitoral, por uma visão meio acovardada, eu diria – eu sei que o termo é forte -, o Governo não toma uma atitude. o Congresso também não mexe, porque a bancada da radiodifusão é muito poderosa, ela consegue intimidar. Também, porque a mídia tem o papel de projetar lideranças e de destruir lideranças. A sociedade é que vai ter que se mobilizar para enfrentar esse problema que afeta a democracia brasileira.


– Existe um projeto de iniciativa popular para democratização da mídia. Como é essa mobilização e a que pés anda?

É uma iniciativa do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), que é um guarda-chuva que abriga as principais entidades do movimento popular brasileiro, centrais sindicais, movimento sem-teto, a UNE, a UBES, o movimento negro, de mulheres. Hoje tem uma executiva com nove integrantes e o Barão de Itararé, inclusive, é membro. A coordenação é da jornalista Rosane Bertotti. O FNDC pressionou muito, mas percebeu que o governo não ia enviar um projeto sobre o tema. No ano passado, o governo deixou explícito que não ia mesmo mexer e o FNDC resolveu que não ia mais esperar e que ia pra sociedade. Qual instrumento usar? Um instrumento legal, constitucional, que são os projetos de iniciativa popular, que é a sociedade poder mandar projeto direto pro Congresso, sem depender de nenhum deputado ou senador. Esse projeto precisa de 1,4 milhão de assinaturas. Então, se elaborou um projeto muito direito, muito concentrado, que discute radiodifusão e concessão pública, não discute mídia em geral, mas foca nas concessões. O projeto tem, entre seus vários objetivos, nos seus 33 artigos, a quebra do monopólio da comunicação, ou seja, regulamentar o que já está escrito na Constituição, que proíbe monopólio. São medidas para quebrar, principalmente, o monopólio da Globo, que não pode ter todo esse domínio na área. As outras emissoras ficam comendo migalhas. O segundo objetivo é o estímulo à diversidade e pluralidade informativa. É garantir que a rádio comunitária tenha condições de ser sustentada, é garantir uma nova discussão sobre publicidade no Brasil, garantir que o movimento popular tenha espaço na concessão pública, a exemplo dos partidos políticos. Várias entidades estão comprometidas com esse projeto. Ainda vamos fazer um balanço da coleta de assinaturas, devemos ter mais de 100 mil, o que ainda é pouco. Esse ano é um bom ano para ampliar o debate e aumentar as assinaturas.


– De que outras formas os movimentos populares, que têm suas pautas tocadas pelas questões de comunicação, podem contribuir com essa luta?

Cada movimento tem a sua pauta específica e, em todas essas pautas, a questão da comunicação é transversal. Por exemplo, se os trabalhadores fazem uma greve, a greve é não-notícia. Quais as reivindicações? Qual a reação do patronato? Quando os trabalhadores realizam uma passeata, viram notícia pra dizer que estão prejudicando o trânsito. Então, o movimento sindical já percebeu: “com essa mídia, nós ficamos sempre acuados, as nossas lutas não aparecem, nós somos inviabilizados”. A mídia é capaz de falar do aniversário de uma top model, mas incapaz de falar dos 30 anos do MST, da luta que uma questão fundamental, que é a reforma agrária. O Estadão lembrou dos 30 anos, mas foi pra “meter o cacete”. Essa mídia tem vínculos com ruralistas. Então, os movimentos sociais precisam perceber que a pauta da comunicação é transversal. Não vão conseguir avançar na luta se não entrarem de cabeça na luta da democratização da comunicação.


– A reação da grande imprensa a essa mobilização é de dizer que é uma tentativa de censura. O que tem a dizer sobre isso?

É uma grande hipocrisia. Primeiro, porque quem apoiou o golpe militar foi essa mídia que está aí. O golpe destituiu um presidente democraticamente eleito, fechou o Congresso e fechou, inclusive, jornais, vários jornalistas foram assassinados. A Globo construiu o seu império com as benesses da ditadura. Segundo, quem atenta contra a liberdade é a imprensa; no momento em que ela é altamente concentrada, sufoca outras vozes. Mas ela tem que ir pro ataque. Um relatório da União Europeia disse que a mídia concentrada sufoca a liberdade de expressão. Um outro elemento que confunde muitos jornalistas: a única liberdade é a do dono do jornal. Escreva o que você quer para ver o que te acontece. Não caia nessa conversa que os de fora estão querendo coibir a sua liberdade porque ela está sendo coibida de dentro das redações.


– O senhor participou aqui na Bahia de um debate promovido pelo governo do estado. Além dessa mobilização, aqui tivemos a formação de um conselho de comunicação, entre outras iniciativas. Qual a importância das mobilizações regionais, nos estados?

Infelizmente pro Brasil, mas felizmente para os baianos, a Bahia é o único estado que tem um conselho de comunicação. A Bahia está na vanguarda. É uma forma de democratização porque você junta as partes, os entes públicos, a sociedade civil organizada e os empresários, para tentar consensuar pontos, no sentido de ir aperfeiçoando os meios de comunicação, pra que eles não sejam tão concentrados e manipuladores. Os conselhos deviam se disseminar pelo país inteiro. Todas as prefeituras deveriam ter conselho, os estados e o governo federal. Os Estados Unidos têm conselhos desde a década de 20 e em todos os países da Europa também tem conselho. É uma forma de a sociedade participar.

– Como o senhor já adiantou, as grandes empresas de comunicação do país formam um grande império e têm um grande poder. Diante disso, dá pra ser otimista nesta luta?

Dá pra ser otimista por “n” motivos, pela pressão da sociedade e com a influência da sociedade nos ambientes políticos. Um grande império é Murdoch, um dos maiores impérios de mídia do mundo. Esse grande império acabou de ser abalado, no Reino Unido. Teve até que se desfazer de tabloides que eram panfletos caluniosos, invasivos. O Robert Murdoch também achava que não ia ser incomodado. Vamos pegar um exemplo da América Latina: o grupo Clarin, da Argentina, um grupo que comanda várias concessões, como a Globo no Brasil, que mandava no futebol porque só ele transmitia e no canal fechado. O grupo Clarin também achava que era o rei da cocada preta. Eu tenho otimismo. A Globo não é eterna. A Globo tem muita coisa bem feita, tem produtos de alta qualidade, não estou criticando isso, mas um poder desse tamanho. Isso é um Leviatã, um perigo para a democracia. A própria Globo admitiu que apoiou o golpe. Se estivéssemos em um debate mais avançado, a Globo seria convocada para a Comissão Nacional da Verdade. Ela não é imbatível e isso tem a ver com pressão popular, com governos que se comprometam com avanços na democracia, que não fiquem reféns desses impérios. Isso também tem a ver com mudanças técnicas. Eu sou pessimista com o diagnóstico, mas otimista com a possibilidade da mudança.

– Como se pode imaginar uma mídia democrática no Brasil?

Uma mídia onde se tenha milhares de rádios comunitárias, pessoas falando com suas comunidades, prestando serviços, ajudando na educação. Que essas rádios não sejam perseguidas pela Anatel, pela Polícia Federal, ao contrário, que elas recebam apoio, pois elas não podem nem ter publicidade. Isso é democratização da mídia no Brasil. É ter TVs comunitárias, que foi uma conquista na discussão da TV a cabo, é pensar que estamos caminhando para a digitalização. Essas TVs comunitárias têm que vir para a TV aberta e ter maior presença na sociedade. Democratização da mídia é você ter os poderes públicos estimulando a diversidade. A publicidade oficial não pode ir pras mesmas famílias, mas para incentivar jornais de jovens. É você investir mais em internet de banda larga de qualidade, para produzir conteúdo. O brasileiro é muito criativo, irreverente, alegre, um povo de muita capacidade. Temos que produzir mais conteúdo. Temos muitos jovens que são brilhantes, que são artistas, intelectuais orgânicos, e essa turma tem que ser incentivada a produzir. Democratizar a comunicação é ter mais vozes falando.

De Salvador,
Erikson Walla