Sheizaf: Quando a realidade se torna "discurso de ódio" em Israel

Um incidente absurdo ocorreu no Knesset [parlamento israelense] na quarta-feira (12), quando membros do partido Lar Judeu abandonaram a plenária durante um discurso do presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, da Alemanha.

Por Noam Sheizaf*, na +972 Magazine

Parlamento Europeu Israel - AFP

Durante a sua visita a Israel, o presidente Schulz fez quase tudo para agradar seus anfitriões da direita, reiterando incansavelmente o seu compromisso com o país e prometendo que um boicote a Israel nunca ocorreria. Porém, ele cometeu o erro de mencionar a ocupação no Knesset, referindo-se ao fato de que os palestinos da Cisjordânia não têm o mesmo acesso à água que os israelenses.

Schulz foi imediatamente acusado de expressar vieses anti-israelenses, de discurso de ódio, antissemitismo e quase todo o tipo de crime que se possa imaginar contra o povo judeu. O primeiro-ministro Netanyahu foi um pouco menos incisivo do que seus colegas de coalizão, dizendo que Schulz, “como muitos outros europeus, sofre de audição seletiva.”

A direita israelense foi rápida em organizar pontos de discurso culpando Schulz por usar dados falhos – afinal, a diferença no consumo de água entre israelenses e palestinos é menor do que a que ele expôs – e o drama político usual veio a seguir, com o representante europeu tentando, em vão, provar que é suficientemente pró-israelense.

Ainda assim, ninguém negou que os palestinos têm menos acesso à água do que os israelenses (e menos do que a Organização Mundial da Saúde recomenda), que Israel está usando o principal aquífero da Cisjordânia para suas próprias necessidades, que as colônias ilegais estão conectadas à rede de água israelense, enquanto os palestinos que vivem na região precisam comprar a sua água em taques, a preços muito mais altos, e que os palestinos acabam presos se tentarem conexão “ilegal” à rede israelense. Estas questões não são discutidas no discurso político local; elas são fatos.

O problema para o governo israelense e seus apoiadores no exterior é que a realidade, na Cisjordânia, é enviesada e, assim, a guerra política é agora direcionada a chamar as coisas pelo nome. É quase impossível fazer com que os porta-vozes oficiais falem da realidade atualmente. Se você pontuar algumas das características mais cruas da realidade, será acusado de deixar o “contexto” de fora – na melhor das hipóteses – e, na pior, você é um judeu que se odeia, traidor e antissemita (dependendo da sua etnia ou nacionalidade). Neste debate, a realidade em si se torna discurso de ódio.

Será que alguém pode afirmar que os palestinos e os israelenses, no mesmo território, não são sujeitos a sistemas legais separados? Que no mesmo bairro de Hebron, uma pessoa vive sob o direito civil e a outra é sujeita a um regime militar? Alguém pode afirmar que os palestinos não têm direito de votar enquanto os israelenses têm? Pode dizer que os palestinos na Cisjordânia ou em Gaza gozam da liberdade de viajar, domesticamente e no exterior? Alguém pode dizer que isso não está acontecendo por quase meio século, o que é uma situação tão “permanente” quanto qualquer outra na história moderna?

Obviamente, ninguém pode. Assim, apenas de fazer referência a esses fatos, você se torna um alvo. As palavras que se usa para descrever a situação se torna um objeto de debate ao invés da situação em si. Todas as vezes que eu me refiro ao regime de apartheid nos territórios ocupados como apartheid, as fundações que apoiam o portal em que escrevo recebem um relatório de uma organização bem financiada, com base em Jerusalém, chamada Monitor das ONGs, instando-as a cortar relações com a +972 Magazine. Monitor das ONGs e suas similares nunca debaterão os fatos no terreno – a ocupação em si – mas só as referências a eles, porque realmente, não o que se debater aqui. É a realidade que é enviesada, então, a realidade deve ser punida.

A única razão pela qual esta estratégia é bem-sucedida é o desequilíbrio de poder entre Israel, os governos que o apoiam, suas organizações de lobby e seus braços de defesa e os palestinos. Na realidade, o plano para debater fatos na mídia americana é são firme que qualquer nota relativa à realidade no terreno é celebrada como um milagre de proporções bíblicas, circulada por e-mail e compartilhada nas mídias sociais (“Acredita nisso? A NBC mostrou o Muro de Segregação! Os tempos estão mudando!”).

Em alguns lugares, e em alguns fóruns judeus, só de convidar um orador palestino se dá um ato revolucionário que precisa ser debatido, defendido, e finalmente ponderado com algum enviado pago do governo, de Jerusalém, para dar “contextualização”, ou seja, explicar que a ocupação é, de alguma forma, culpa dos palestinos.

É por isso que o meu conselho para a maior parte dos visitantes em Israel/Palestina é conduzir até a Cisjordânia e simplesmente acreditar no que seus olhos enxergam. Não fale com israelenses – não fale sequer com palestinos –, só dê uma olhada à sua volta e tente entender o que você vê. No fim, preciso acreditar, a realidade vai prevalecer.

*Noam Sheizaf é um jornalista independente de Israel, editor da revista eletrônica +972 Magazine.
**Título original: "Quando a realidade se torna discurso de ódio: O presidente do Parlamento Europeu visita Israel"

Fonte: +972 Magazine
Tradução da redação do Vermelho