Capistrano: Os 50 anos do Comício da Central do Brasil

13 de março de 2014, data que marca os 50 anos da realização do Comício da Central do Brasil. Foi uma das maiores mobilizações da classe trabalhadora brasileira em defesa das Reformas de Base.

Maria Teresa Goulart e João Goulart
Naquele momento, já sentíamos a articulação das forças reacionárias contra o governo democrático e popular do presidente João Goulart. Eram os de sempre, a mesma mídia e a mesma elite, os mesmo de 1954, de 1955 e de 1961. Era mais uma tentativa de golpe contra o processo democrático, mesmo incipiente, mas, democrático, que o Brasil vivia naquele momento. Jango desejava aprovar as Reformas de Base, era o caminho de libertação do nosso povo.

Nas minhas aulas, nas palestras que faço ou nos debates que participo, falando sobre o golpe de 1964, gosto de dizer que o golpe foi resultado muito mais dos nossos acertos do que dos nossos erros. Gosto, também, de lembrar dois documentos que considero imprescindíveis para a compreensão da história contemporânea do nosso país.

O primeiro, a Carta-Testamento de Getúlio Vargas, documento denunciando de forma contundente a ingerência norte-americana nos assuntos internos do Brasil, e a guerra midiática, coordenada pelos grupos reacionários contra o seu governo. A carta mostra os motivos que levaram o presidente Vargas a um ato extremo, o suicídio.

O segundo foi o discurso do presidente João Goulart pronunciado no comício do dia 13 de março de 1964 na Central do Brasil, no Rio de Janeiro. Discurso onde ele reafirma o seu compromisso com o Brasil e com o povo brasileiro. Compromisso este que tem como ponto central as Reformas de Base, questão basilar para o Brasil superar o atraso econômico e social. Essa manifestação de apoio da classe trabalhadora ao governo assustou os golpistas. Além disso, o governo Jango mantinha uma política externa independente e terceiro mundista, não atrelada aos interesses norte-americanos. Isto facilitava o conchavo dos golpistas com o governo ianque e, aqui no Brasil, com o embaixador dos EUA, Lincoln Gordon, que passou, descaradamente, a articular abertamente o golpe junto com militares e políticos de direita.

Na Carta-testamento, Vargas já pontuava os motivos da “raiva” da grande mídia, das oligarquias e dos interesses externos contra seu governo. No comício de 13 de março de 1964, Jango, herdeiro político de Vargas, com uma visão mais avançada, levanta a necessidade de aprofundar as mudanças na legislação brasileira para permitir a concretização de dispositivos legais necessários para implementar o desenvolvimento pleno do nosso país, tais como, a necessidade urgente das Reformas de Base: Reforma Agrária, Reforma Bancária, Reforma Tributária, Reforma do Estatuto do Capital Estrangeiro, Reforma Administrativa, Reforma Eleitoral, Reforma do Ensino Universitário e Reforma Urbana. Reformas indispensáveis para superar os entraves históricos no nosso processo de desenvolvimento e de autodeterminação do nosso país.

A reforma agrária era um ponto muito delicado, para sua execução era necessária mudança no dispositivo constitucional que tratava da desapropriação de terras improdutivas, ponto intocável para as oligarquias, motivo de uma verdadeira guerra midiática contra o presidente Jango. Basta ler os editoriais dos grandes jornais da época (Globo, Estadão, Folha e similares) para entender o que estou dizendo.

No seu discurso da Central do Brasil Jango inicia dizendo: “Devo agradecer às organizações sindicais, promotoras desta grande manifestação, devo agradecer ao povo brasileiro por esta manifestação extraordinária a que assistimos emocionados…” Mais adiante Jango diz, “Chegou-se a proclamar, trabalhadores, que esta concentração seria um ato atentatório ao regime democrático, como se no Brasil a reação ainda fosse dona da democracia, ou proprietária das praças e das ruas. Desgraçada democracia que tiver de ser defendida por esses democratas. Democracia para eles não é o regime da liberdade, de reunião para o povo. O que eles querem é uma democracia de um povo emudecido, de um povo abafado nos seus anseios, de um povo abafado nas suas reivindicações. A democracia que eles desejam impingir-nos é a democracia do antipovo, a democracia da antirreforma, a democracia do antisindicato, ou seja, aquela que melhor atenda aos seus interesses ou aos dos grupos que eles representam. A democracia que eles pretendem é a democracia dos privilégios, a democracia da intolerância e do ódio. A democracia que eles querem, trabalhadores, é para liquidar com a Petrobrás, é a democracia dos monopólios, nacionais e internacionais…”

É um longo e esclarecedor discurso, que recomendo a todos os que desejam entender o nosso país, de ontem e de hoje. Não é difícil encontra-lo, acesse na internet o site do Instituto Jango e leia esse discurso na íntegra. Outra dica importante – assista o documentário de Silvio Tendler, Jango. Vale a pena.
 

Antonio Capistrano – foi reitor da UERN, é filiado ao PCdoB.