EUA: Jogando sujo também na Ucrânia

Não é a primeira vez – e ao que tudo indica não será a última – que o longo braço da US Foreign Policy, a terrível política externa dos Estados Unidos, surge por trás dos mais violentos e dramáticos acontecimentos que abalam de tempos em tempos o planeta, provocando crises mundiais.

Por Alex Corsini*, no Monitor Mercantil

Desde os já clássicos golpes de estado planejados, promovidos e financiados em toda a América Latina, do México à Argentina, até a atual, típica de Guerra Fria, queda de braço entre China e Japão no Mar do Sul da China e a “subversão” na Praça Maidan aqui, em Kiev, a labiríntica sucessão de golpes de estado, intervenções, invasões e influências dos EUA no mundo em nível político, econômico, militar, diplomático e, mais recentemente, de comunicações assumiu e desempenha papel protagonista.

Analistas políticos internacionais sentem-se hoje, particularmente, preocupados com a “selvagem reação”, como a identificam, dos veículos de comunicação norte-americanos e das elites políticas sobre o imbróglio da Ucrânia, pois, por detrás da típica queda de braço de Guerra Fria entre EUA e Rússia, identifica-se o “establishment de guerra” dos falcões neoconservadores.

Aqueles falcões que, com suas neoclássicas construções ideológicas que assumiram por empreitada durante a década passada, teorizaram a guerra no Iraque com o uso de crua escancarada violência militar contra um Estado autônomo em suposto benefício da segurança norte-americana e mundial.

Russos atrapalham

Onze anos depois, a supostamente ameaçada “segurança norte-americana” permanece um “exigível”, mas os ricos recursos naturais (petróleo e gás natural) do Iraque – um Estado desabado, desmantelado, econômica e socialmente dizimado – tornaram-se despojos saqueados pelo establishment de guerra.

O campo dos falcões neoconservadores parece já ter sido posto fora de controle, influenciando decisivamente as ações e reações do Governo Obama na Ucrânia, é a voz corrente. E a explicação é simples: as decisivas intervenções de Vladimir Putin nos últimos tempos nos conflitos internacionais, como na guerra civil da Síria e no programa nuclear do Irã, incomodaram o núcleo duro do establishment de guerra porque privaram os EUA dos argumentos necessários para exercer mais uma vez sua demonstração de força no mundo.

O “festivo” apoio norte-americano ao golpe de estado que derrubou o presidente ucraniano e a interminável gritaria dos veículos de comunicação contra Putin por não ter aceito os acontecimentos noturnos em Kiev e ter decidido proteger os interesses russos na Criméia constituem provas inequívocas que o establishment de guerra está, novamente, em ação.

Entre as “ofendidas e humilhadas” figuras do establishment de guerra, encontra-se o último membro da “Dinastia Clinton”. Arrecadando dólares há alguns dias em Los Angeles para financiar sua campanha presidencial de 2016, Hillary Clinton não hesitou em afirmar a um seleto grupo que “Putin é cópia carbono de Hitler”, que a pretexto de proteger as minorias alemãs invadiu em 1939 a Tchecoslováquia, eclodindo a Segunda Guerra Mundial.

Falcões e ratos

Entretanto, existem também fisionomias menos conhecidas, as quais, com suas propositais deturpações ou simplificações, influenciam a definição da política do Departamento de Estado. Agindo subterraneamente são, talvez, menos comunicativos, mas de qualquer forma mais eficazes. Um destes é Elliott Abrams, figura de liderança do campo neoconservador, “supervisionando” o setor do Grande Oriente Médio do Conselho de Segurança Nacional nos governos de Bush Jr.

Em recente artigo publicado no folhetim do Conselho para as Relações Internacionais (Council on Foreign Relations, CFR), um “independente” – como é auto-apresentado – think tank, membro do qual são conhecidos “vazos comunicantes” da política e de veículos de comunicação, como o secretário de Defesa do Governo Obama, Chuck Hagel, jornalistas da CNN (Erin Burnett), da NBC (Brian Williams) e outros, Abrams escreveu:

“As notícias atuais da Ucrânia são sombrias…A reação dos EUA foi tragicamente fraca: Poucas palavras de John Kerry (secretário de Estado os EUA) e de Obama, mas nenhuma ação, sequer diplomática.”

Continua Abrams: “O Governo Obama busca acima de tudo evitar os choques a qualquer custo. Nossos amigos e inimigos nos vêem cada vez mais fracos e distantes…Esta imagem de nossa fraqueza atrai os inimigos dos EUA para passarem à ação (…) A crise na Ucrânia revela que o poder dos EUA e sua força de vontade estão enfraquecidos, colocando em risco nosso próprio país e nossos amigos”.

Contudo, este folhetim de Abrams parece mais com um insignificante blablablá diante da cínica, e reveladora, confissão de Victoria Nuland, outrora representante da Hillary Clinton no Departamento de Estado – que Obama promoveu ao cargo de secretária-assistente, encarregada da Europa e Eurásia – para as “alquimias” norte-americanas na Ucrânia, e que revelou publicamente seu rico dicionário de palavrões.

Marte e Vênus

Discursando em congresso do Instituto EUA–Ucrânia, Victoria confessou que “os Estados Unidos já gastaram mais de US$ 5 bilhões na Ucrânia desde 1991, quando o país adquiriu suas independência para ajudá-lo a construir suas capacitações democráticas, a sociedade dos cidadãos, e instituições de virtuosa governança”.

Victoria Nuland é casada com Robert Kagan, “teórico” de segunda geração dos neoconservadores, o qual, elogiando as “confusões” norte-americanas nas relações internacionais e ironizando a “malemolência” européia, disse certa feita que “os norte-americanos são descendentes do deus de guerra Marte, e os europeus, da deusa do amor Vênus”.

Isto, talvez, possa explicar, também, o “fuck” União Européia que escapou de sua mulher quando – em companha do embaixador norte-americano em Kiev – definiam a composição do novo governo ucraniano, pouco antes do golpe de estado que derrubou o presidente democraticamente eleito Viktor Ianukovitch.

De acordo com Jeffrey Tayler, do Foreign Policy, sabe-se que estes recursos foram entregues no âmbito da lei sobre Apoio à Liberdade (Freedom Support Act), votado pelo Congresso dos EUA em 1992, com o objetivo de tonificar as economias das ex-repúblicas socialistas soviéticas.

Ao que tudo indica, algo subentendia mais Putin quando disse em sua entrevista no início deste mês, sobre “instrutores ocidentais” que deram o melhor de si treinando as brigadas armadas da Praça Maidan, aqui em Kiev.

“Desculpem, mas Putin não é louco”, destaca no título de seu artigo Tayler. O asfixiante cerco de controle imposto ano passado pelo governo de Moscou às organizações não governamentais na própria Rússia reflete tudo aquilo que conhecem os serviços secretos russos sobre a penetração norte-americana na Ucrânia.

*Jornalista da sucursal da União Europeia do Monitor Mercantil