EUA operam hoje nos moldes da Operação Condor

O jornalista investigativo John Dinges, uma referência internacional sobre a Operação Condor, assunto sobre o qual escreveu para o Washington Post e para a revista Time, afirma que, após os atentados de 11 de setembro, as operações clandestinas ordenadas ou consentidas pelos presidentes George Walker Bush e por Barack Obama repetiram o mesmo formato do terrorismo de Estado exercido na década de 1970 pelo grupo do qual Brasil, Chile, Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia faziam parte.

Por Dario Pignoti, na Carta Maior

Desaparecidso políticos brasileiros

“Quando leio as notícias sobre sequestros de suspeitos em qualquer lugar do mundo que são levados a centros de detenção clandestinos no Egito, na Polônia ou em algum país da Ásia, onde são torturados por especialistas que chegam dos Estados Unidos, parece que estou vendo a Operação Condor outra vez em uma escala maior, com mais recursos do que há 40 anos”, compara Dinges durante uma entrevista exclusiva concedida à Carta Maior.

Em 1975, o chefe da polícia secreta chilena, Manuel Contreras, voltando de uma viagem aos Estados Unidos, coordenou a primeira reunião da Condor em Santiago de Chile, onde participaram dois enviados brasileiros com aval do ditador Ernesto Geisel e do então chefe do SNI (Serviço Nacional de Informações), João Baptista Figueireido (ver abaixo: Reprodução/documento disponível no Centro de Documentação e Arquivo para os Direitos Humanos – Paraguai)

“A ideia que o Contreras tinha era criar uma Interpol contra as organizações guerrilheiras, contando com o mesmo tipo de coordenação usadas pelas policias para atuar rapidamente. Isto supunha sequestrar, torturar e, se fosse o caso, matar, mas com uma diferença em relação à Interpol: tudo feito sem ordem judicial e fora do Estado de Direito e contra o Estado de Direito. Ao fim e ao cabo, é o mesmo que está acontecendo atualmente com as operações secretas na Guerra ao Terror, que viola o Estado de Direito nos países onde opera. Quando leio notícias de como a NSA (Agência Nacional de Segurança) interceptava comunicações da presidenta Dilma Rousseff, isto repete a maneira de operar nos anos da Condor, quando a CIA entregava aparelhos de Télex e uma rede de rádios FM aos agentes dos países sul-americanos e assim podia espiar seus próprios sócios.

Sempre aqueles que dominam tecnologicamente as comunicações jogam com vantagem. Isso acontecia nos anos 1970 e se repetiu agora, claro que a NSA não organizou sabotagens terroristas contra Dilma. Essa diferença é importante ressaltar”.

Dinges observa que, ao completarem 50 anos do golpe contra o presidente João Goulart, a revisão histórica dos fatos constata a influência norte-americana no Brasil, desde a queda de 31 de março de 1964 até a cumplicidade com a ditadura de Médici e a desestabilização das democracias que continuavam de pé, como a uruguaia e a chilena, vistas com receio por Washington e por Brasília.

“Eu acredito que a participação do Brasil na queda de Salvador Allende, talvez, não estou em condições de afirmar algo definitivamente, foi até maior do que a dos Estados Unidos, apesar de tudo o que Richard Nixon e Henry Kissinger fizeram a favor do golpe de Pinochet”.

Goulart pode mudar a história

Dinges respeita escrupulosamente as regras do jornalismo investigativo: “nosso trabalho se baseia fundamentalmente em documentos, as entrevistas têm sua importância, a interpretação é necessária, mas o essencial é contar com documentos”.

No mês passado, a Justiça argentina, por meio do procurador Miguel Angel Osorio, abriu um processo sobre a morte suspeita do presidente João “Jango” Goulart em sua estada na província de Corrientes em 6 de dezembro de 1976, a que seus familiares atribuem um possível envenenamento por parte de agentes dela Condor.

A Procuradoria argentina resolveu iniciar sua investigação depois de ser informada sobre uma mensagem secreta, do 3º Corpo do Exército brasileiro, com representação na fronteira com Argentina, em que se solicitava seguir o “subversivo” Goulart e outros brasileiros refugiados no país vizinho, vários dos quais ainda estão desaparecidos.

“Não li esse documento do 3º Corpo do Exército, se você puder me enviar, eu agradeceria, aparentemente é um papel realmente importante porque motivou a Procuradoria de Buenos Aires a iniciar um processo. Sinceramente eu não concordo com a hipótese de que Goulart tenha sido envenenado, não conheço nenhuma evidência sólida”, afirma Dinges.

Autor de um livro referência, “Os anos do Condor, uma década de terrorismo internacional no Cone Sul” Dinges comenta que o Brasil, único país da região que proíbe que a Justiça abra processos contra criminosos de Estado, ainda é um “capítulo aberto da Condor que me desperta muita curiosidade. Eu suspeito que possam surgir elementos muito importantes dos arquivos já abertos, ainda que os militares escondam o mais importante para eles, e que também pode haver informações que sejam obtidas pela Comissão da Verdade”.

"Se pudéssemos provar documentalmente que Goulart foi assassinado, ou se pudéssemos obter provas de que havia um plano para assassiná-lo, teríamos elementos de peso para revisar nossa perspectiva geral sobre o Plano Condor”, argumenta.

Dinges marca uma fronteira entre interpretação e dados: “não podemos confundir nossa perspectiva dos acontecimentos, do que realmente aconteceu”. Então, ele desenvolve uma teoria provisória em que liga as mortes do ex-ministro do governo de Salvador Allende, Orlando Letelier, assassinado em Washington em 1976 e do ex-senador uruguaio Zelmar Michellini, ambas ocorridas naquele mesmo ano em Buenos Aires.

“O Plano Condor tinha um inimigo bem claro, que era a coordenação de organizações guerrilheiras, entre as quais estavam o ERP argentino, os Tupamaros do Uruguai, o ELN da Bolívia e o MIR do Chile. Sabemos que Orlando Leteilier era um homem moderado, mas matinha boa relação com o MIR e que Zelmar Milechillini também conversava com os Tupamaros, ainda que ele não participasse da luta armada”.

“O segundo inimigo, que também era importante para a Condor, ainda que se saiba menos sobre isso, eram os dirigentes moderados, como Michellini, como Letelier, porque eles causavam muito desgaste com suas denúncias internacionais, graças a seus contatos diplomáticos e com setores progressistas da Europa e dos Estados Unidos. Eu suponha que nesta mesma lista de dirigentes moderados pudessem estar o ex-presidente Goulart, o ex- presidente Juscelino Kubistcheck, e também o ex-presidente chileno Eduardo Frei, que era um homem de centro-direita, democrata-cristão, mas que incomodava Pinochet e por isso mandou matá-lo”.

“É muito prematuro dar como certo que Goulart e Kubitscheck foram assassinados. Eu não tenho em minha posse nenhum documento que sequer insinue isso, o que também não me impede de estar interessado em saber mais. É importante se aprofundar nesses casos, já me falaram deles. Se algo fosse descoberto sobre Goulart, que faleceu fora do Brasil, aí sim seria uma revelação explosiva que modificaria algumas ideias que temos até agora sobre a Condor”.

A pista uruguaia

Seis anos atrás João Vicente Goulart declarou a este repórter que, segundo informações não confirmadas, em 1976, o repressor Paranhos Fleury viajou a Montevidéu onde se encontrou com o chefe do escritório da CIA, Frederick Latrash, e eles conversaram sobre Jango, que morreria poucos meses depois em circunstâncias não esclarecidas.

“Eu conheço muito bem a história de Latrash, antes de ir para o escritório da CIA no Uruguai, tinha trabalhado no Chile, nesses anos, a CIA fazia os trabalhos mais sujos. Lembro do assassinato do general Scheineider, em Santiago. Eles estavam envolvidos diretamente, foi uma operação desastrosa do ponto de vista técnico, porque permitiram que armas chegassem a grupos radicais de direita que agiam selvagemente”, lembra.

“Eu sei muito bem o que a CIA fez no Chile, e conheço alguma coisa que fizeram no Cone Sul, ainda que nunca tivesse conhecimento de uma ligação de Latrash com um possível plano contra Goulart. Isto me parece muito pouco provável. Porque depois da desastrosa operação contra Schneider no Chile, a CIA tirou uma lição, a de não se envolver diretamente nos crimes. E eu não acredito que seja realista que a CIA participasse de uma ação para matar Goulart, se é que esta ação existiu. Agora, a CIA recebia muita informação de tudo o que acontecia na Condor, e os relatórios chegavam rapidamente. Isto significa que não se pode descartar que Latrash tenha se reunido com gente dos serviços brasileiros para conversar sobre vários assuntos no escritório de Montevidéu. O que descarto ou acredito ser impossível é que a CIA tenha atuado diretamente contra Goulart. Isso me parece impossível”, conclui Dinges.

Tradução: Daniella Cambaúva