Inácio Arruda: O golpe e a resistência no Congresso

Por *Inácio Arruda

O autoritarismo não convive com o funcionamento democrático do Parlamento. Mesmo quando dominadas por setores mais retrógrados, nas casas legislativas ecoam interesses do avanço democrático e social, do desenvolvimento e soberania.

No primeiro parlamento brasileiro, a Assembleia Constituinte de 1823, os integrantes eram oriundos dos cerca de 500 mil fazendeiros, comerciantes, profissionais liberais e outros proprietários de escravos. Ali não estavam representantes diretos dos escravos, dos mais humildes, dos cerca de dois milhões de trabalhadores livres. Mas estavam presentes pensadores da Nação, com destaque para José Bonifácio de Andrade e Silva, que advogavam a unidade nacional, a soberania, o respeito aos povos que já viviam neste território antes da chegada dos portugueses, a libertação dos escravos. O imperador D. Pedro I, que a convocou, não suportou seus debates e encaminhamentos e a fechou, pouco mais de seis meses depois de sua instalação.

A República foi proclamada em 15 de novembro de 1889, pelo Marechal Deodoro da Fonseca. No dia 15 de setembro do ano seguinte foi eleito o Congresso Constituinte. Mas assim que os parlamentares propuseram a Lei das Responsabilidades, que restringia os poderes do Executivo Federal, Deodoro dissolveu o Congresso, em 3 de novembro de 1891.

Quando aconteceu a Revolução de 1930, Getúlio Vargas revogou a Constituição de 1891. Mas só convocou Constituinte em 1933, após o levante paulista de 9 de julho de 1932. Promulgada em 1934, a nova Constituição foi suspensa no ano seguinte, quando Vargas decretou Estado de Sítio. Em 1937, Getúlio fechou o Congresso, instituiu nova Constituição, de inspiração fascista, e aboliu os partidos políticos. Esta Carta foi substituída pela de 1946, após a conquista da redemocratização do país.

Com poucos meses de sua vigência, o registro do Partido Comunista do Brasil foi arbitrariamente cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 7 de maio de 1947. Ao mesmo tempo, o governo do General Eurico Gaspar Dutra, do Partido Social Democrático (PSD), interveio ilegalmente em sindicatos, fechou a Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil, reprimiu manifestações trabalhistas e populares e atentou contra as normas constitucionais. A exclusão dos comunistas da vida partidária legal culminou em janeiro de 1948, com a cassação dos mandatos de todos os seus parlamentares.

Em 1951, Getúlio Vargas voltou ao poder, após vencer, pelo PTB, as eleições presidenciais. Ele adotou uma política que conferia ao Estado papel preponderante e central, o que descontentava setores das classes possuidoras que preferiam a liberdade de mercado e a associação com o capital estrangeiro, em especial o norte-americano. Fortaleceu a indústria de base: siderurgia, petroquímica, energia e transportes. Estabeleceu o monopólio estatal sobre o petróleo e criou a Petrobrás, contrariando diretamente os Estados Unidos, que tinham interesse no setor. Incentivou o desenvolvimento nas diferentes regiões do país, o que afetou sistemas oligárquicos e empresariais que tinham privilégios nas relações econômicas até então vigentes. Criou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE, que, em 1982, passou a se chamar Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES) e o Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq, atual Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).

Getúlio concedeu benefícios econômicos e sociais para as camadas mobilizadas, o que contrariou interesses de parte do empresariado. Em 1954, setores das Forças Armadas se uniram à oposição para exigir a renúncia de Vargas. No dia 24 de agosto, um ultimato dos generais, assinado pelo ministro da Guerra, Marechal Euclides Zenóbio da Costa, foi entregue ao presidente. Em resposta, ele escreveu: "A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculizada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre”. Adiante, concluiu: “Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História". Em seguida, suicidou-se.

Juscelino Kubitschek (JK), do PSD, foi eleito presidente da República em 1955. Enfrentou tentativa de golpe da União Democrática Nacional (UDN), antes da posse, e dos militares, em 1956 e 1959. Realizou seu Plano de Metas e a construção de Brasília, transferindo a capital do Brasil da cidade do Rio de Janeiro para o Planalto Central. Priorizou o investimento no transporte e energia, a industrialização, a substituição de importações e a educação. Incentivou a participação do capital estrangeiro, mas defendeu a presença maior do Estado. O interior brasileiro passou a ser visto como espaço de investimento e exploração econômica.

Em 1960, o PSD, de JK, e o PTB, de Jango, lançaram o Marechal Henrique Teixeira Lott para a Presidência da República. Foram derrotados por Jânio Quadros, que obteve seu primeiro cargo político, de vereador em São Paulo, em 1948, ocupando uma das vagas criadas com a cassação dos vereadores do Partido Comunista. Jânio, que era do Partido Democrata Cristão (PDC), venceu a corrida presidencial concorrendo por uma coligação de cinco partidos, inclusive a UDN. Contudo, pela legislação eleitoral da época, Goulart ficou com a vice-presidência. Jânio renunciou em 25 de agosto de 1961, sete meses após a posse. Jango estava em visita oficial à China, buscando ampliar as parcerias comerciais brasileiras. A viagem serviu de pretexto para setores civis e militares tentarem, sem êxito, impedir sua posse.

Jango procurou diminuir a participação de empresas estrangeiras em setores estratégicos da economia e limitou a remessa de lucros ao exterior. Defendeu as reformas agrária, tributária, administrativa, bancária e educacional. Após um comício a favor das reformas, no Rio de Janeiro, em 13 de março, foi retirado da Presidência pelo golpe civil-militar de abril de 1964, que teve aberto apoio dos EUA. O comício reuniu cerca de 200 mil pessoas. Conta o professor João Quartim de Moraes: “A direita replicou, no dia 19 de março em São Paulo, onde cerca de meio milhão de manifestantes votaram com os pés, em nome de Deus, da Família e da Liberdade, a favor do golpe liberticida. (…) Marchas semelhantes estavam programadas para outros grandes centros urbanos. O golpe veio antes, transformando a mobilização da direita em desfiles de triunfo. Ela provara, de qualquer modo, antes do 31 de março, que podia pôr na rua muito mais gente do que a esquerda”.

Legislativo e Judiciário: unidos no Golpe

No dia 1º de abril de 1964, alegando que Jango abandonou o país, o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade (PSD-SP), acompanhado do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Álvaro Moutinho Ribeiro da Costa, empossou na Presidência da República o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli (PSD-SP). O Congresso foi comunicado que Jango estava no Brasil, mas o senador golpista considerou que o presidente havia abandonado “a sede do governo”. No mesmo dia, uma Junta Militar, autodenominada Comando Supremo da Revolução e formada pelo General Arthur da Costa e Silva, Tenente Brigadeiro Francisco de Assis Correia de Mello e Vice-Almirante Augusto Hamann Rademaker Grunewald, assumiu, de fato, o poder.

No dia 9 de abril, o Comando Supremo editou o primeiro Ato Institucional, investindo-se do poder constituinte e do direito de “cassar mandatos legislativos federais, estaduais e municipais, excluída a apreciação judicial desses atos”. No dia seguinte, foram cassados 102 parlamentares, dentre eles 41 deputados federais.

No dia 11, o Congresso elegeu presidente o Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, indicado pelo Comando Supremo. Mesmo desfalcado pelos parlamentares cassados, ocorreram 72 abstenções e cinco votos para os concorrentes, General Eurico Gaspar Dutra (PSD-GB) e deputado e General Juarez Távora (Partido Democrata Cristão – PDC-GB).

Castelo baixou o AI-2 em 27 de outubro de 1965. Extinguiu os treze partidos com registro no TSE e impôs o bipartidarismo – a Aliança Renovadora Nacional (ARENA), governista, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), de oposição consentida. O ditador se arvorou o direito de decretar o Estado de Sítio, fechar o parlamento, cassar mandatos, suspender direitos políticos e intervir nos estados. Impôs a eleição do presidente da República pelo Congresso, em votação aberta, para não haver risco de insubordinação da bancada arenista. O Congresso homologou, no dia 3 de outubro de 1966, o ministro da Guerra, General Arthur da Costa e Silva, indicado por Castelo, como novo chefe do Executivo, a ser empossado em 15 de março de 1967. O MDB se absteve.

Em outubro de 1966, houve um momento singular de resistência do Congresso ao Executivo. A cassação de seis deputados federais, no dia 13, gerou forte reação do presidente da Câmara, Adauto Lúcio Cardoso (GB), e do Senado, Auro de Moura Andrade (SP), ambos da ARENA. Adauto decidiu que as cassações deveriam ser submetidas ao Plenário, em votação secreta, como determinava a Constituição de 1946. Os deputados do MDB iniciaram vigília no Congresso. No dia 18, 68 deputados estiveram presentes na sessão da Câmara, sendo sete da ARENA. No dia 19, 92 deputados compareceram à sessão, sendo seis da ARENA. Na madrugada do dia 20, Castelo fechou o Congresso, estabeleceu censura à imprensa e cortou as comunicações de Brasília com o Rio de Janeiro. Policiais do Exército e da Aeronáutica e fuzileiros navais cercaram e invadiram o Congresso. No edifício se encontravam cerca de 60 deputados. Durante 32 dias o Congresso permaneceu fechado e ocupado pelas Forças Armadas.

Através do AI-4, Castelo determinou que os deputados e senadores debatessem e promulgassem, até 27 de janeiro de 1967, um projeto de Constituição escrito por seus auxiliares. Até os parlamentares da ARENA protestaram contra o autoritarismo do novo AI.

Com a Constituição de 1967, o presidente teve ampliado o seu poder de editar leis e emendas à própria Constituição. O Executivo poderia decretar Estado de Sítio, sem necessidade de submeter a decisão ao Parlamento, e expedir decretos-lei.

Dois dias antes da posse de Costa e Silva, Castelo criou, em 13 de março, a Lei de Segurança Nacional (LSN), a pretexto de defender o país de pressões externas e internas, guerra psicológica e revolucionária adversa. Os crimes previstos eram inafiançáveis. Todos os processos, envolvendo civis ou militares, correriam na Justiça Militar.

Reação parlamentar ao AI-5

Em 1968, o deputado Márcio Moreira Alves (MDB-GB), que passara à oposição assim que foi editado o primeiro Ato Institucional, conclamou, na Câmara, no dia 3 de setembro, o povo a boicotar o militarismo e não participar das comemorações do Sete de Setembro. Os ministros militares consideraram sua fala ofensiva “aos brios e à dignidade das Forças Armadas”. O Ministério da Justiça pediu autorização para processar o deputado. Mas a Câmara, por 216 votos contra 141, recusou a autorização, inclusive com votos arenistas.

No dia 13 de dezembro, Costa e Silva editou o AI-5, outorgando-se o direito de decretar o recesso do Congresso e outros órgãos legislativos, intervir nos estados e municípios, cassar mandatos e suspender por dez anos os direitos políticos de qualquer cidadão, decretar o confisco de bens e suspender o habeas-corpus. O Congresso foi novamente fechado. Nenhuma medida do AI-5 poderia ser apreciada pelo Judiciário. Foram presos diversos jornalistas, oposicionistas e vários deputados federais e estaduais da ARENA e do MDB. No dia 30, nova lista de cassações, incluindo 11 deputados federais. Em janeiro de 1969, foram cassados dois senadores emedebistas e 35 deputados; três ministros do STF foram afastados do cargo e tiveram os direitos políticos suspensos.

Costa e Silva sofreu um acidente vascular cerebral e, em 31 de agosto, foi afastado da Presidência. A Constituição previa que seu vice, Pedro Aleixo, assumisse o cargo, mas os ministros militares, General Aurélio de Lira Tavares, Almirante Augusto Rademaker e Brigadeiro Márcio de Sousa Melo, tomaram o poder. Outorgaram a Emenda Constitucional nº 1, incorporando à Constituição de 1967 vários instrumentos do AI-5. A LSN ficou mais rígida, instituindo inclusive o fuzilamento, em 30 dias, em caso de pena de morte de opositores. Em 22 de outubro de 1969, o Congresso foi reaberto para a eleição, no dia 25, do novo presidente e vice, em votação pública e nominal. Os 56 senadores e 314 deputados tinham que votar na chapa única, formada pelo General Emílio Garrastazu Médici e Almirante Augusto Rademacker, seu vice. Houve 76 abstenções.

Médici aumentou a repressão e a censura. Combateu as guerrilhas da Ribeira (SP) e do Araguaia (PA) – esta levou à maior mobilização militar interna da história do país. A ditadura também enfrentou ações armadas urbanas, inclusive os sequestros de diplomatas estrangeiros. O Estado policial aumentou a violência e o assassinato de opositores.

O único deputado eleito em 1970 que foi cassado, Francisco José Pinto dos Santos, o Chico Pinto (MDB-BA), foi por pedido do Ministério Público Federal. O deputado discursou sobre “os três ditadores festejados em Brasília”, por ocasião da visita dos chefes de governo do Chile, General Augusto Pinochet; do Paraguai, General Alfredo Stroessner; e da Bolívia, Coronel Hugo Banzer (todos alçados ao poder através de golpes militares), para a posse do General Ernesto Geisel na Presidência da República, em 15 de março de 1974. O Ministério Público o acusou de “ofensa à honra de chefe de governo estrangeiro” e pediu cassação.

O General Ernesto Geisel foi eleito sucessor do General Médici em 15 de janeiro de 1974. A oposição apresentou as candidaturas do deputado federal Ulysses Guimarães (MDB-SP), presidente, e de Alexandre José Barbosa Lima Sobrinho (MDB-GB), vice. Ulysses se declarou “anticandidato” para denunciar a “antieleição” imposta pela “antiConstituição”. Recebeu 76 votos, enquanto Geisel obteve 400.

Nas eleições de 15 de novembro, o MDB conseguiu vitória esmagadora para o Senado. Das 22 cadeiras em disputa (uma por Estado), os emedebistas levaram 16. Dos seis da ARENA, um era Teotônio Brandão Vilela (AL). Foi a primeira eleição com propaganda eleitoral gratuita na TV, com transmissões ao vivo e tempo dividido ao meio entre os dois partidos. O nível de participação mudou consideravelmente em relação às eleições anteriores. Em 1970, 54% do eleitorado votaram na ARENA ou no MDB para a Câmara dos Deputados; já em 1974, quase 64% dos eleitores se manifestaram por um dos dois partidos – cerca de 10% do eleitorado abandonaram a abstenção, o voto em branco ou nulo. A ARENA aumentou sua votação em quase um milhão de votos, mas o MDB viu sua votação acrescida em mais de seis milhões.

A ditadura modificou, então, a legislação eleitoral. No madrugada de 24 de junho de 1976, o Congresso, numa sessão tumultuada, iniciada na noite anterior, aprovou a lei escrita pelo ministro da Justiça, Armando Falcão, restringindo a propaganda eleitoral à menção da legenda, do currículo e do número do registro do candidato na Justiça Eleitoral. Os parlamentares do MDB se retiraram do Plenário. Mesmo com a Lei Falcão, o MDB venceu as eleições para prefeitos e conquistou a maioria nas câmaras municipais em 59 das 100 maiores cidades do país. Das 15 cidades com mais de meio milhão de habitantes, o MDB venceu em 67%.

No ano seguinte, no dia 1º de abril, o General Geisel fechou o Congresso por 15 dias, porque viu rejeitada sua proposta de Reforma do Judiciário. Instituiu o que ficou conhecido como senadores biônicos, um por estado, eleitos pelas Assembleias Legislativas (que tinham maioria governista), garantindo a bancada majoritária pró-ditadura no Senado. A Lei Falcão foi estendida para as eleições de 1978 e 1982.

O sucessor de Geisel, General João Batista Figueiredo, foi eleito no dia 15 de outubro de 1978, tendo por vice o deputado federal Aureliano Chaves (ARENA-MG). A oposição, numa articulação com setores descontentes da ARENA, apresentou a candidatura do General Euler Bentes Monteiro, com Paulo Brossard (MDB-RS) como vice. Figueiredo ganhou, com 325 votos, contra 225 de Euler – a eleição mais apertada de todo o período ditatorial.

No dia 23 de agosto de 1979, o Congresso aprovou a Lei da Anistia e, no dia 22 de novembro, aprovou a extinção dos dois partidos e uma nova legislação partidária, ainda restritiva. A ARENA se transformou no Partido da Democracia Social, PDS, e o MDB se tornou PMDB. Surgiram o Partido Popular (PP), liderado por Tancredo Neves (que depois migraria para o PMDB); o Partido dos Trabalhadores (PT), de Luiz Inácio Lula da Silva; o Partido Democrático Trabalhista (PDT), de Leonel Brizola; e ressurgiu o PTB, com Ivette Vargas. Os partidos que advogavam o comunismo só conquistaram a legalidade após o fim da ditadura.

A eleição direta dos governadores foi restabelecida para o pleito de 1982. O PMDB elegeu Franco Montoro, em São Paulo, e Tancredo Neves, em Minas; o PDT elegeu Leonel Brizola, no Rio de Janeiro – os três maiores colégios eleitorais do país e as três maiores bancadas na Câmara de Deputados.

No início de 1983, o deputado federal Dante de Oliveira (PMDB-MT) apresentou a proposta restabelecendo a eleição direta para a Presidência da República em 1985. Comícios foram realizados em várias capitais, mobilizando centenas de milhares de brasileiros. No dia 24 de abril de 1984, véspera da votação da Emenda das Diretas, o Congresso foi cercado por tropas policiais e militares. Parlamentares, manifestantes e jornalistas foram presos. No dia 25, o governo cortou as linhas telefônicas para chamadas interurbanas nos gabinetes de todos os deputados. Mesmo com essa pressão, a Emenda recebeu 298 votos favoráveis e apenas 65 contrários e três abstenções. Porém não alcançou a maioria qualificada de dois terços para garantir sua aprovação.

A eleição indireta do sucessor do General Figueiredo ocorreu em 15 de janeiro de 1985. O PDS concorreu com os deputados Paulo Maluf (SP), presidente, e Flávio Marcílio (CE), vice. Tancredo Neves renunciou ao governo de Minas para disputar a Presidência, tendo por vice o senador José Sarney (MA), pela Aliança Democrática (PMDB com a Frente Liberal, dos dissidentes do PDS). Tancredo obteve 480 votos; Maluf, 180; foram registradas 17 abstenções.

No dia 15 de março de 1985, o Congresso deu posse aos novos governantes civis. Impossibilitado por doença, Tancredo não compareceu, e Sarney recebeu a faixa presidencial do presidente do Congresso. O General Figueiredo, o último ditador, recusou-se a passar o cargo e saiu do Palácio do Planalto pela porta dos fundos. Teve fim a ditadura mais longa e sangrenta da história brasileira.

Ao longo da ditadura, as cassações atingiram parlamentares de todos os Estados, Territórios e Distrito Federal. Perderam seus mandatos parlamentares de oito, dos treze partidos registrados no TSE. Metade das cassações atingiu deputados do PTB. Mas o PSD, a UDN, o PSP, o PSB, o PST, o PDC e o PR também foram vitimados. Com o bipartidarismo, quase três quartos dos cassados eram do MDB, e a ARENA teve um décimo de seus parlamentares vitimados.

Também no Parlamento, a ditadura foi especialmente prejudicial para as mulheres. Nas eleições de 1962, o número inédito de 92 mulheres se candidataram a deputadas federais e duas foram eleitas. Em 1966, das seis deputadas eleitas, cinco foram cassadas: Ivette Vargas, Lígia Doutel de Andrade, Maria Lúcia Mello de Araújo, Júlia Steinbruch e Nysia Carone. Ficou apenas uma mulher, Necy Novaes (ARENA-BA), na Câmara, situação que se repetiu nas duas legislaturas seguintes. O número de candidatas caiu a cada pleito, até chegar a quinze em 1974, número inferior ao de 1954. Somente em 1982, com oito mulheres eleitas, o patamar de 1966 foi superado.

Restituição simbólica dos mandatos cassados

No dia 6 de dezembro de 2012, a Câmara devolveu simbolicamente os mandatos dos 173 deputados cassados pela ditadura. A maioria dos 28 parlamentares ainda vivos foi ao plenário. Pouco depois, no dia 20, o Senado devolveu simbolicamente os mandatos dos oito senadores cassados. Foram homenageados Juscelino Kubitschek, Aarão Steinbruch, Arthur Virgílio Filho, João Abraão Sobrinho, Mário de Sousa Martins, Pedro Ludovico Teixeira e Wilson de Queirós Campos. Marcello Alencar, o único vivo, compareceu. Por iniciativa das lideranças da bancada comunista no Senado e na Câmara, também foram devolvidos os mandatos dos parlamentares do Partido Comunista cassados em 1948, corrigindo, ao menos simbolicamente, uma das maiores injustiças cometida contra os parlamentares e seus eleitores, atropelando a Constituição então vigente. Foram representados por seus familiares.

No dia 18 de dezembro de 2013, foi a vez de o Congresso Nacional devolver o mandato de presidente da República a João Goulart. A sessão legislativa que destituiu o ex-presidente, em 2 de abril de 1964, foi anulada. João Vicente Goulart recebeu o diploma de presidente da República de seu pai, Jango, na presença da presidenta Dilma Rousseff.

O Brasil vai fazendo o acerto com o seu passado. Mas as forças que levaram ao golpe de 1964 continuam tentando impedir os avanços democráticos e a livre manifestação e participação política dos setores populares. As reformas política, urbana e agrária, a necessidade de avanços trabalhistas nas cidades e no campo, a democratização da mídia, o controle do capital externo, a participação do Estado como indutor do desenvolvimento econômico e social e defensor da soberania continuam em pauta. Como no enfrentamento à ditadura, será nas ruas, nas amplas mobilizações, principalmente na participação ativa das trabalhadoras e trabalhadores, estudantes, intelectuais, empresários progressistas e democratas, que os direitos até aqui alcançados serão garantidos e expandidos.

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*Inácio Arruda é senador (PCdoB-CE)