Inácio Arruda: Desafio democrático, 50 anos após o golpe

Por *Inácio Arruda

Cinquenta anos após o golpe militar de 1964 somos nós, os que contra ele lutaram, que buscamos lições e motivações do que ocorreu naquela página infeliz da nossa história, como cantou o Chico Buarque. Que Brasil era aquele? Que Brasil é este, em que hoje vivemos?

Assim como hoje, o Brasil estava diante de definições. Caminhar com as próprias pernas, ter um projeto de desenvolvimento econômico, social, político próprio? Ou aliar-se à potência dominante, os Estados Unidos, e valer-se de benefícios que ela, como os oligopólios da comunicação então defendiam, como agora, nos daria?

Quando militares ligados aos projetos dos Estados Unidos – e é bom lembrar da participação ativa da Casa Branca no golpe – tomaram o poder, nosso país vivia a experiência de construir caminhos próprios. Economistas, sociólogos, historiadores, políticos e pensadores como Ignácio Rangel, Rômulo de Almeida, Celso Furtado, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Jr., Nelson Werneck Sodré, Luiz Carlos Prestes, Juscelino Kubistchek, João Goulart, Leonel Brizola, João Amazonas e tantos outros buscavam o caminho do desenvolvimento soberano, da industrialização, com a valorização da nação e do trabalhador. Era esse o caminho que vinha sendo trilhado e foi interrompido pelos golpistas e seus apoiadores.

O Golpe de 1964 teve nítido sentido de classe e opção de caminho para a nação. Os vencedores foram os que, nas Forças Armadas, capitularam à senda subserviente ao desejo norte-americano de fazer de nosso país um integrante subalterno de seu projeto de domínio econômico e político. Estavam mancomunados com parte da classe dominante vinculada, econômica e politicamente, com a manutenção de um sistema econômico e social conservador, concentrador de renda e perpetuador da sociedade desigual então vigente. Os membros do nosso Exército, Marinha e Aeronáutica que resistiram a essa opção foram alijados, por meios administrativos e violentos, de suas funções, juntamente com lideranças e ativistas da sociedade civil e do movimento popular, como demonstra a generosa e triste lista de resistentes ao arbítrio instalado no 1º de Abril de 1964 que foram mortos, desaparecidos, presos e torturados.

O que estava colocado naquela época, e prossegue hoje como desafio, é o caminho que trilharemos. O caminho interrompido pela força das armas em 1964 foi retomado com a chegada à Presidência da República de Luiz Inácio Lula da Silva, e continuado pela presidenta Dilma Rousseff. Um caminho afirmativo da soberania nacional, da inclusão social, do crescimento econômico com distribuição de renda, da expansão da democracia e da participação popular na decisão dos rumos do nosso país.

O golpe de 1964 – que teve amplo apoio dos setores que dominavam, e continuam dominando, os meios de comunicação de massa – tentou extirpar, pela força das armas e do aniquilamento dos opositores, um país que se pronunciava, por manifestações culturais como a Bossa Nova, o Cinema Novo, a poesia e literatura comprometidas com as aspirações populares, e os trabalhos de nossos intelectuais dos vários campos – da arquitetura à teoria social e econômica – em favor da construção de uma nação soberana, independente e com justiça social.

Com o golpe e a imposição da vontade dos golpistas, o projeto nacional soberano e democrático foi esmagado, substituído por um projeto subalterno a interesses alheios ao nosso povo e aos ideais democráticos. Cinquenta anos depois, ainda temos que enfrentar suas sequelas, seja no campo dos direitos humanos, com tributos a pagar à sociedade e aos familiares dos que foram imolados na luta pela liberdade; seja na valorização de um novo projeto nacional de desenvolvimento do nosso país, incorporando os valores humanistas e de solidariedade.

Vivemos um tempo de recuperação da cidadania e de expansão da democracia. O país mudou e estamos construindo uma nova etapa na nossa história, sobretudo considerando-se a última década. Hoje, os desafios são ainda maiores. É hora de agregar amplas forças políticas e sociais, para o Brasil avançar na realização das reformas democráticas e estruturais, com mais desenvolvimento, mais democracia e mais progresso social, mais integração com seus vizinhos no continente, impedindo o retorno dos setores reacionários e conservadores. Fiquemos alertas: as forças que apoiaram e perpetraram o golpe continuam presentes. Está em nossas mãos barrá-las e seguir na construção de um país economicamente desenvolvido e socialmente justo. É o nosso desafio.

*Inácio Arruda é senador (PCdoB-CE)