O estupro não pode continuar sendo arma de guerra, diz ministra

“Não podemos permitir que no século 21 o estupro continue sendo arma de guerra, nem dentro nem fora de casa.” As palavras são da ministra-chefe da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Eleonora Menicucci, que foi às lágrimas nesta segunda (31) durante palestra magna “Direito à verdade, à história e à memória”, na abertura do ciclo de debates Resistir Sempre – Ditadura Nunca Mais, sobre os 50 anos do golpe militar de 1964, promovido pela Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais.

Ciclo de debates sobre a ditadura na ALMG - Ricardo Barbosa/ALMG

Evento que contou com a participação da coordenadora da Bancada Feminina da Câmara, deputada federal Jô Moraes (PCdoB-MG), também vítima daquele período, quando viveu anos na clandestinidade, depois de fugir ao ser liberada na segunda vez que foi presa, dando nome falso.

Menicucci se emocionou quando falou da prisão, durante a ditadura militar, com o marido e o filhinho, então com três anos e meio. A ministra lembrou as torturas físicas, psicológicas e sexuais, os estupros nos três anos que passou nos porões da ditadura. Ela destacou que o estupro, os crimes sexuais há muito são usados como armas de guerra pelos torturadores contra as mulheres. E as mulheres, onde estão nesta história?, questionou para responder: “Nossos corpos não estão à venda nos metrôs, nos ônibus para serem violentados, encoxados e estuprados no transporte coletivo”. Para ela, a iluminação pública e transporte público adequados, eficientes, reduziriam drasticamente os crimes sexuais.

A ministra também trouxe para o contexto atual a questão do estupro, da violência sexual que grassa no país, e muito recentemente denunciada e filmada em ônibus e em vagões de metrôs, com os chamados encoxadores – criminosos sexuais que se aproveitam da superlotação para assediar e violentar mulheres no transporte público no deslocamento da casa para o trabalho ou escola e vice-versa. Investigações em alguns estados mostram que esses tipos de criminosos se comunicam e até trocam experiências, mantendo páginas nas redes sociais.

Problema que levou não só a ministra de Políticas para as Mulheres, mas a própria presidenta Dilma Rousseff a pedir às mulheres que denunciem os criminosos sexuais. E que eles sejam presos e respondam por seus atos.

Mineira, Eleonora Menicucci se disse honrada por ter sido convidada para o evento, via o ex-vereador e militante político Betinho Duarte, a quem fez uma deferência especial. Deferência também feita à amiga Jô Moraes, disse.

Em seu discurso sobre os 21 anos de ditadura militar no Brasil, a ministra lembrou que “nós saímos do passado, mas o passado não sai de nós. Nosso dever é contá-lo. Desvendá-lo, trazê-lo à luz da verdade”, disse. Neste sentido, ela ressaltou a importância da Comissão da Verdade, seja no âmbito nacional, quer as comissões estaduais e municipais. Para ela, esses colegiados, “ao capitalizarem a questão e irem a fundo na elucidação dos crimes, contribuem exemplarmente para que, passo a passo, se coloque à luz do dia todos os terrores, as barbáries que vivemos e ainda bem que existem pessoas da minha geração que sobreviveram para enfrentar os torturadores e torturadoras – porque elas também existiram”, enfatizou.

Coronel Ustra

Assim como Jô Moraes, Menicucci também foi presa ainda muito jovem e ambas são sobreviventes da tortura, da resistência. Em grande parte de seu pronunciamento Menicucci decidiu repetir o discurso da presidenta Dilma quando da instalação da Comissão da Verdade, em que foi ao âmago do sentido da palavra, que é o contrário de esquecimento. “O Brasil merece a verdade, as novas gerações merecem a verdade, o sempre tempo acaba trazendo a verdade à luz.”

Outro momento de emoção da ministra e dos que viveram na ditadura, que lotaram plenário e galeria da Assembleia, foi o relato da lembrança do enfrentamento, anos depois, a um de seus torturadores, o coronel reformado do Exército, Carlos Alberto Brilhante Ustra.

Eleonora Menicucci revelou que o encarou frente a frente e lembrou que presenciou um assassinato cometido por ele, que lhe respondeu:” vocês são vacas que passaram pela história”.
Segundo Menicucci, “50 anos depois, e falo por experiência própria, a tortura física é abominável, mas a tortura psicológica talvez ainda seja pior, porque ela não cicatriza. Dói, dói muito a cada depoimento, a cada lembrança, a cada contribuição que damos para reescrever a história como ela realmente foi”.

Denúncia

A ministra também reiterou a importância do processo, lembrou outra militante, Inês Etienne, que denunciou a Casa de Tortura de Petrópolis, do Rio de Janeiro, ela uma vítima de todas as barbáries possíveis, destacou. Neste sentido, Menicucci reiterou a importância de se denunciar todos os torturadores, e os estupradores, para que sejam punidos, responsabilizados, conhecidos.

Menicucci encerrou, lembrando a emoção ao responder presente à leitura dos 66 nomes de mortos e desaparecidos mineiros da ditadura na solenidade na Praça das Bandeiras, na entrada do Legislativo, pouco antes da abertura dos debates, e reiterou a importância da memória daquele período. “Pois esta é a reafirmação do caminho democrático, do resgaste implacável da verdade, porque só com esta verdade reconstruiremos e reescreveremos a nossa história”.

Em entrevista, a deputada Jô Moraes também reiterou a importância dos 21 anos de ditadura, e o 31 de março de 1964 não serem esquecidos nem subestimados. “Foi um golpe que definiu duas décadas de ocupação pela força, pela exceção e barbárie. E também de resistência popular. Sou parte viva, sobrevivente desta época. Era estudante de Serviço Social da Universidade Federal da Paraíba quando fui presa duas vezes, panfletando contra a ditadura. Vivi com várias identidades, em vários locais deste país, mas nunca abri mão da militância, da luta para o Brasil ser uma democracia”, disse emocionada.

Amnésia

Na abertura dos trabalhos, o presidente da Assembleia, Dinis Pinheiro (PP) defendeu a necessidade do resgate histórico: “Relembrar os 50 anos do golpe de 1964 é essencial para retirarmos, do episódio e de seus desdobramentos, lições que possam orientar o nosso comportamento atual, evitando a repetição de erros. O debate, todavia, não deve ser feito apenas de olho no retrovisor, buscando a revisão do passado, mas de modo a direcionar as ações do futuro”.

Na mesma linha, o presidente da Comissão da Verdade do Estado, Antônio Romanelli, defendeu passar a história recente a limpo. Ele rebateu a anistia aos torturadores, lembrando que “anistia é amnésia, e aquela parte da história não pode ser esquecida. Eu não tenho nada a esquecer. E não admito que me julguem pelas regras do senhor Carlos Alberto Brilhante Ustra porque, ele sim, tem muito a esquecer”.

Já o vice-prefeito de Belo Horizonte, Délio Malheiros (PV), representando o prefeito, afirmou que a ditadura foi um atraso terrível para a nossa democracia. “Espero que este tempo nunca mais volte”, declarou. Ele cumprimentou a Assembleia Legislativa por discutir o assunto para que a ditadura nunca mais volte. E postulou que o Brasil assuma “a vanguarda na América do Sul contra a ditatura, contra qualquer regime de exceção”.

Também participaram do evento a defensora pública geral, Andréia Abritta Tonet; o deputado federal Welington Prado (PT), os deputados estaduais Liza Prado (Pros); Paulo Lamac (PT); Rogério Correia (PT); André Quintão (PT); Durval Ângelo (PT) , o vereador Gilson Reis (PCdoB), entre outros.

Fonte: Site da deputada Jô Moraes