Péricles de Souza: “Se desenha um período longo de democracia”

O ato do Comitê Baiano pela Verdade (CBV) em memória dos 50 anos do golpe militar, que aconteceu na última terça-feira (1º/4), em Salvador, reuniu vítimas da ditadura militar na Bahia. Entre elas, estava o dirigente estadual e nacional do PCdoB Péricles de Souza, um dos principais nomes da luta pela resistência ao autoritarismo no estado e em toda a região Nordeste.

Até então militante do movimento estudantil e integrante da Ação Popular (AP), Péricles foi condenado a 15 anos de prisão por conta da participação nos movimentos de contestação. Nesse período, permaneceu na clandestinidade, sendo obrigado a viver em outros estados, a exemplo de Sergipe. Só assim conseguiu fugir da prisão – e da tortura que a acompanhava -, que muitos companheiros não escaparam.

A privação da liberdade só chegou para ele em 1984, quase no fim da ditadura, mesmo promulgada a Lei da Anistia (1979), que perdoou os “crimes políticos”. Foi uma ordem dada pelo ministro da Justiça Ibrahim Abi-Ackel à Polícia Federal para fechar as sedes do PCdoB – ainda na ilegalidade – e prender os principais dirigentes comunistas pelo país. Péricles teve a casa invadida e ficou preso por um dia.

Passado meio século do golpe, o dirigente “ainda lembra como se fosse hoje” da luta que começou no dia 31 de março de 1964 e elogia os eventos em memória da resistência nesse período. Confira os principais trechos do bate-papo que o Vermelho fez com Péricles de Souza durante o ato do Comitê Baiano pela Verdade, que aconteceu no Forte do Barbalho, o maior centro de tortura da Bahia.

O Golpe

Em 1º de abril de 1964, eu estava em plena atividade política, como dirigente do movimento estudantil. Me lembro agora como se fosse hoje a noite do dia 31 [de março] e a noite do dia 1º [de abril]. Nós nos reunimos e tentamos organizar uma resistência aqui em Salvador, que teve desdobramentos importantes. Daí pra cá, foi militância permanente na ditadura, no período mais duro, no AI-5 [Ato Institucional de nº 5]. Saí da Bahia, vivi 12 anos fora daqui, militando na política.

Atos em memória

Me impressiona, e acho que a todos nós, o tratamento de alto nível político que está sendo usado aos atos e eventos relativos aos 50 anos do regime militar. É um grau de politização muito alto que as forças populares estão demonstrando nesse período. As pessoas que hoje têm 30, 35 anos, não viveram esse período, [que já estava] na finalização do seu papel histórico. O principal objetivo desses eventos termina sendo a compreensão dos setores da sociedade do conhecimento da história, principalmente ver esses eventos como lições de que não devem ser repetidos.

Vacina

É uma espécie de vacina que a sociedade deve tomar e que nós ajudamos, nesse sentido, para que períodos como esse sejam varridos da nossa história e não sejam mais instrumentos de ação das elites, das classes dominantes. Eu vejo com um sentido educativo, de ampliação da consciência política. A população entra em contato com a história desse período.

Volta dos militares

É preciso tomar mais contato com a realidade, com os personagens que viveram esse período, apesar de ser muito residual, acho eu, o movimento que pede a volta dos militares. Houve uma atividade insignificante e ridícula dessa ontem [segunda-feira, 31/3], na Câmara dos Deputados, com o deputado Jair Bolsonaro [do PP-RJ, que propôs uma homenagem aos militares].

Ditadura nunca mais

A sociedade já enxerga de forma bastante crítica e dificilmente teríamos algo parecido com o que vivemos naquela época. O que se desenha é um período mais longo de democracia, de liberdade, de pluralidade e de fortalecimento de regimes mais justos, socialmente.

De Salvador,
Erikson Walla