Peru: "Narcoindultos", o grande problema de Alan García

Os generosos indultos ou reduções de condenações outorgados pelo ex-presidente Alan García (2006-2011) constituem um dos temas centrais da política peruana, com demandas de luta contra a corrupção e a impunidade neste caso, enquanto o veterano político social-democrata neoliberal se declara vítima de uma conjura governamental para bloqueá-lo eleitoralmente.

O tema foi pesquisado durante dois anos por uma comissão especial criada para indagar sobre casos de possível corrupção durante o governo de García, a qual apresentou nove relatórios e, no dedicado ao chamado caso "narcoindultos", recomenda ao pleno acusar judicialmente ao ex-mandatário por infração constitucional.

Essa infração concede ademais a possibilidade de que o Congresso desabilite por 10 anos para funções públicas ao ex-dignitário, o que lhe impediria ser candidato a um terceiro mandato presidencial nas eleições de 2016, objetivo da suposta maquinação oficial.

Segundo García e meios de imprensa afins que dão ressonância a suas alegações, dessa maneira o governo procuraria aplanar o caminho à eleição de Nadine Heredia, a influente primeira dama e titular do governante Partido Nacionalista, postulação que enfrenta um veto legal e que ela negou de forma reiterada.

Diversos analistas consideram que o tema permite que García use seus dotes de político experimentado para tratar de neutralizar as ações da comissão investigadora e da maioria das forças políticas que a consideram deve dar conta dos atos pelos quais é acusado.

No entanto, para juristas como Jorge Rendón Vásquez, nenhuma dessas visões é adequada pois esquivam do tema de fundo, que as manobras do ex-governante apontam a ganhar tempo até decorrer os cinco anos posteriores a seu último mandato nos quais o parlamento pode submetê-lo, segundo a Constituição, a um processo de investigação.

"Seu proceder neste vergonhoso e gravíssimo assunto está comandado pela ideia de eludir sua responsabilidade" e ficar impune, sustenta o jurista, enquanto o presidente da comissão que pesquisou García, Sergio Tejada, e representantes de quase todas as forças políticas, assinalam que utiliza com tal fim a influência de seu Partido Aprista no poder judicial.

A tal influência atribuem uma insólita falha de um juiz que dispôs anular todos os relatórios e recomendações da comissão investigadora, porque García não foi citado de forma adequada a seus direitos, a declarar ante o grupo parlamentar.

Numa dessas declarações que a falha pretende anular, García defendeu a probidade de Miguel Facundo Chinguel, um dirigente aprista vinculado a ele há decênios e que era presidente da comissão oficial de avaliação de pedidos de indultos, quem está preso sob suspeita de ter recebido subornos por indultar a narcotraficantes.

Nas declarações que o ditame procura anular, figura também a afirmação de García, de que não consultou com ninguém e tomou solitariamente a decisão de reduzir as penas dos traficantes, ainda que depois da detenção de Chinguel diz que não responde pelo que tivessem feito servidores públicos menores.

O ex-governante reduziu as penas de 5.246 presos, apressando sua liberdade e entre eles incluiu a 3.207 condenados por narcotráfico, 400 deles por ter cometido esse delito com agravantes. Outros 70 foram indultados.

García argumenta que o fez em exercício de suas faculdades presidenciais, para aliviar o amontoamento das prisões, que a cifra não é exagerada e que os traficantes são maioria porque este delito é o de maior incidência. Rendón dimensiona que os perdões são excessivos, sobretudo de traficantes de drogas cujo poder e periculosidade determina que a sociedade e o Estado sejam mais severos com eles, e o primeiro argumento do ex-presidente, pois sustenta a faculdade de indultar não é irrestrita.

"Então, para que a sociedade se toma o trabalho dos detectar, os deter e os julgar, com a enorme despesa que isso implica, se depois terão de ser libertos sem cumprir suas penas total ou parcialmente?", pergunta, a tempo de assinalar que a faculdade presidencial do indulto não é irrestrita e os indultos não podem ser em massa.

Explica que os chefes de Estado têm também a obrigação constitucional de cumprir e fazer cumprir as sentenças e resoluções dos órgãos judiciais, isto é que são responsáveis por que os condenados a prisão permaneçam encerrados até cumprir suas penas e só podem dar indultos em situações excepcionais. "Em todos os Estados, os presidentes da República ou os reis podem conceder o perdão aos condenados" mas muito seletivamente e só após exaustivos estudos por comissões de especialistas, demonstrativos de que os solicitantes se recuperaram.

Segundo o jurista, García tem prescindido desta excepcionalidade, e não justificou suas comutações de pena e indultos, e um grande número de libertados por ele voltou a delinquir. No semanário opositor Hildebrandt em seus 13, o repórter Carlos Moya rebateu também outros argumentos do ex-governante, esclarecendo que descongestionar os presídios cai pelo fato que a população carcerária aumentou um terço, de 35.467 reclusos a 48.858, e outros comentários assinalam que o lógico tivesse sido indultar aos condenados por delitos menores.

Ademais, o ex-governante reduziu as penas de 268 condenados por narcotráfico que estavam em liberdade condicional, isto é, não ocupavam espaço nas prisões.

Acrescenta que também não é verdadeiro que os sentenciados por narcotráfico são maioria, pois resultam mais numerosos os réus de roubo agravado, apesar do qual estes são a metade dos traficantes, entre os que se beneficiaram pelas comutações.

O comitê parlamentar que pesquisou o caso verificou que a chamada Comissão de Graças Presidenciais, encabeçada pelo aprista Facundo Chinguel, atuou discretamente graças ao regulamento dos processos de indultos foi modificada e simplificada para o efeito.

O ministério público maneja a hipótese de que Chinguel encabeçava uma organização delitiva dedicada a cobrar subornos de narcotraficantes em troca de benefícios e que o dinheiro teria servido para financiar eleitoralmente o Partido Aprista.

Sobre o caso de Chinguel, o jurista Rendón pergunta: "como poderia ser explicado que o servidor público encarregado de lhe preparar os expedientes esteja preso, e García, que era seu chefe e quem lhe dava ordens e decidia, ainda não tenha sido julgado?".

Diz também que qualquer pessoa inocente, mal inteirada de que se envolve em algo indevido daria a cara para rebater as acusações, mas essa não é a atitude de García, quem pelo contrário manobra para eludir uma rendição de contas pelos "narcoindultos" e outros casos pendentes.

Depois de seu primeiro governo (1985-1990), García foi acusado de enriquecimento ilícito e outros delitos, mas conseguiu que o poder judicial declarasse a prescrição das causas por não ter sido julgado dentro dos prazos estabelecidos.

O analista Raúl Wiener critica de outro lado ao ex-governante por lançar acusações sem fundamento contra o presidente Ollanta Humala -usando uma declaração de um traficante prófugo que diz lhe ter pago ao mandatário, quando este era oficial do exército, para que permitisse decolar um avião com droga na selva-, em vez de enfrentar ante o Congresso o caso dos narcoindultos.

Também assinala que o aprismo, para desacreditar ao legislador Tejada, utilizou aspectos de sua vida privada como uma suposta filha extramatrimonial aparentemente não reconhecida. "Defende-se atacando porque não tem como explicar por que libertou tantos presos da máfia das drogas", assinala.

Wiener recorda antecedentes controversos de García, como ter vendido em 2003 ao executivo de uma das empresas de um grupo assinalado como traficante ou lavador de dinheiro sujo, a um preço muito acima do que tinha pago ao comprá-la.

Assinala que em 2006, em plena campanha que o levou à presidência pela segunda vez, um dos membros desse clã unido ao narcotráfico aportou cinco mil dólares para o aluguel de um avião com vista a uma viagem proselitista de García, quem ao se revelar o assunto, sendo já mandatário, simplesmente devolveu o dinheiro alegando que tinha sido um empréstimo anônimo.

Fonte: Prensa Latina