Intervenção neocolonial expõe terrorismo na Nigéria à agenda ocidental

O grupo Boko Haram desistiu de exigir a libertação de alguns líderes em troca das mais de 200 meninas que raptou em abril, na Nigéria. Nesta segunda-feira (19), o jornal Telegraph citou fontes próximas ao grupo – que se intitula “Congregação do Povo da Tradição pelo Proselitismo e a Jihad” – afirmando que as garotas podem ser liberadas gradualmente na próxima semana. Entretanto, a presença de tropas francesas, estadunidenses e britânicas mantém o alerta sobre a nova investida neocolonial.

Preocupações com a manipulação da questão pelas potências ocidentais para justificar a sua movimentação militar pela região, extremamente rica em recursos energéticos, continuam fazendo o contrapeso com o alarme pela proliferação das ações terroristas.

Ao participar do Fórum Econômico Mundial para a África, na semana passada, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva alertou para a necessidade de compreender de onde surgiu o grupo, que foi denominado “Boko Haram” (na tradução aproximada da língua hausa: “educação ocidental” ou “não islâmica é pecado”). Lula lembrou as consequências das guerras contra a Líbia e o Iraque, por exemplo, que resultaram no armamento e proliferação de grupos extremistas e paramilitares, “soldados sem general”.

Lula encontra o presidente da Nigéria, Goodluck Jonathan, e oferece apoio
no caso das mais de 200 meninas raptadas pelo grupo Boko Haram.
Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula

Após condenar firmemente o sequestro das mais de 200 meninas que saíam da escola, uma "forma de pressão política inaceitável," Lula ponderou: “Agora, nós temos que ter cuidado para isso não ser usado contra a África.” O ex-presidente abordou a história recente do continente, salientando a independência conquistada através das guerras coloniais, a partir da década de 1960 e as guerras civis subsequentes. Além disso, há a presença neocolonial nos bastidores.

No mesmo sentido, as pressões exercidas sobre o presidente nigeriano Goodluck Jonathan expõem uma série de questões políticas internas ao país, também de expressões regionais e globais, devido às considerações geopolíticas e geoestratégias das potências estrangeiras.

Sylvie Moreira, escrevendo de Paris para o Jornalistas sem Fronteiras, afirma que forças militares especiais francesas e britânicas juntaram-se às norte-americanas na Nigéria, enquadrando grupos de vários países da órbita neocolonial da França, em uma operação de intervenção no maior produtor petrolífero africano.

Depois das manifestações virtuais que incluíram a primeira-dama estadunidense Michelle Obama pelo retorno das meninas sequestradas, ganharam forças expressões de defesa das intervenções, mas também foram impulsionadas as críticas contra a campanha, que lembraram os efeitos das operações estadunidenses sobre a população civis em vários países.

Intervencionismo de Hollande e suas alianças

“O presidente francês, François Hollande, acolheu uma reunião durante o fim de semana, em Paris, para definir contornos operacionais da intervenção, duas semanas depois de Washington ter enviado agentes da CIA, do FBI e da espionagem militar para a Nigéria com o pretexto de libertar as mais de 200 jovens estudantes,” escreve Sylvie Moreira.

De acordo com a jornalista, na reunião participaram altos oficiais franceses, britânicos e norte-americanos, além de “representantes da Nigéria e de países sob a influência francesa na África Subsaariana: Chade, Benim, Níger e Camarões. Os presentes proclamaram ‘guerra total’ contra o Boko Haram.”

“Hollande teve muito cuidado em dizer que o aparelho militar multinacional ficará sob o controle nigeriano, principalmente em termos de espionagem e coordenação de patrulhas, mas ninguém sensato acredita que tal aconteça, estando forças especiais norte-americanas e de outros países da Otan no terreno”, afirma em Paris um alto funcionário do Ministério da Defesa, citado por Sylvie Moreira.

Entretanto, a jornalista ressalva, há cada vez maiores expressões de descontentamento na Assembleia Nacional da França com os sucessivos envolvimentos militares do país na África, como foi o caso da operação militar lançada unilateralmente contra o Mali, no início de 2013, às margens do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

“Não se trata apenas de uma febre intervencionista de Hollande, como se quisesse desviar atenções da catastrófica gestão dos assuntos internos, mas também de um ostensivo, no mínimo descuidado, desrespeito pelos mecanismos democráticos e institucionais da República”, disse Roger Tournault, assessor de um deputado socialista, à jornalista.

O assessor afirmou, também, que “este episódio na Nigéria padece das mesmas contradições de outros. Todos sabem que o Boko Haram, agora sob ameaça, recebe armas dos fundamentalistas islâmicos aliados da Otan na Líbia, por exemplo, através dos fundamentalistas islâmicos combatidos pela França no Mali.”

Há poucos dias, informa Tournault, “foi recebido no nosso Ministério dos Negócios Estrangeiros, em Paris, um desses aliados e senhor da guerra na Líbia, Abdelhakim Belhaj, companheiro de Bin Laden na liderança da Al-Qaida e, por certo, alguém que vê com bons olhos a saga dos fundamentalistas do Boko Haram para impor o seu regime na Nigéria”.

Moara Crivelente, da Redação do Vermelho,
Com informações do All Africa e do Jornalistas sem Fronteiras,