Iraque deve formar governo enquanto resiste à ingerência dos EUA

Nesta quarta-feira (25), o primeiro-ministro do Iraque, Nuri al-Maliki, apelou à promoção do processo político nos termos da Constituição. Maliki rechaçou a ideia da oposição e das potências imperialistas de que o governo atual deve renunciar, para a formação de um "governo de salvação" que combata o sectarismo e faça cessar o recente pico de violência. Como pano de fundo está a tentativa estadunidense de retomar o controle sobre a política iraquiana.

Por Moara Crivelente, da Redação do Vermelho

John Kerry Nouri al-Maliki - AFP

As eleições de 30 de abril levaram oficiais estadunidenses à maior cautela nas especulações sobre uma pressão para a retirada de Maliki. Clérigos influentes iraquianos foram citados pela emissora pública Al-Iraqiya, nesta quinta (26), instando a formação urgente de um novo gabinete de governo, incluindo xiitas, sunitas e curdos na configuração. A intenção, diz a matéria, é “dar maior credibilidade à luta contra os extremistas sunitas” do Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL), que tem atuado com rompante brutalidade e terrorismo na região.

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A sessão parlamentar para a formação de um novo gabinete de governo está prevista para segunda-feira (30). A coalizão xiita de Maliki, Estado de Direito, conquistou 96 assentos do Parlamento iraquiano, com uma grande variedade de outros partidos de até 33 lugares cada um. A maioria necessária para a formação do novo governo é de 165 dos 328 postos parlamentares.

Entre as descrições de Maliki, listadas em um quadro no jornal estadunidense The New York Times, está o ponto sobre a recusa do premiê iraquiano em assinar um acordo com os EUA para a manutenção de tropas estrangeiras no país, militarmente ocupado e devastado de 2003 a 2011.

Como no Afeganistão, a proposta era a de manter um contingente de tropas estadunidenses para o treinamento do Exército iraquiano e a prestação de “consultoria”, embora o fim da guerra contra o Iraque tenha sido uma promessa eleitoral do presidente Barack Obama.

Nesta quarta, resistindo à simplificação sobre a recente onda de terrorismo espalhada pelo país – com a atuação de grupos também presentes na Síria, como o EIIL (foto) –, Maliki apelou aos partidos do Iraque para que abandonem as disputas e retomem diálogos sérios. A rivalidade e o sectarismo são instrumentos eficazes para a fragmentação do país e para a volta do intervencionismo estrangeiro.

Neste plano, Michael Schwartz, autor do livro “Guerra sem Fim: A Guerra do Iraque em Contexto”, que também colabora com o portal de análises TomDispatch, comentou sobre a volta do assunto à atenção midiática descontextualizada. A crítica do autor volta a ser contra os estereótipos simplificados à moda do consumidor desinformado: o conflito é entre um governo xiita e grupos terroristas sunitas.

Para Schwartz, a falta de atenção midiática, após a retirada dos EUA, com o Iraque, os sunitas e seus protestos, violentos e não violentos, contra o governo e por vários ressentimentos – que datam até de antes da invasão estadunidense de 2003, quando o governo era sunita – é uma das causas deste simplismo. Mas protestos dos últimos anos, reprimidos sistematicamente, têm foco, por exemplo, na insuficiência da recuperação do país após a devastação dos oito anos de ocupação dos EUA, o desemprego, a educação e a reconstrução, por exemplo.

Um novo governo sem os Estados Unidos

O premiê indicou que a proposta de formar um novo governo é arriscada, que ignora e viola a Constituição, e prometeu promover um processo político. Alguns assessores militares dos EUA chegaram a Bagdá para discutir sobre as cooperações no combate ao terrorismo, embora as pressões e exigências que acompanham as “parcerias” estadunidenses sejam conhecidas. Em 2010, por exemplo, o presidente Obama telefonou ao então presidente Jalal Talabani para pedir-lhe que renunciasse ao cargo, em prol da maior divisão de poderes.

Segundo uma matéria de dezembro de 2012 do New York Times, que revelava uma conversa telefônica confidencial entre Obama e Talabani, o plano era a instalação de Ayad Allawi no cargo, um xiita secular que garantiria a inclusão de mais sunitas no governo, segundo Obama. O esquema, que acabou fracassando devido à recusa de Talabani, já demonstrava a falta de simpatia dos EUA para com Maliki, uma vez que pretendia também conter o seu poder; na atual crise, quatro substitutos para o premiê já foram definidos como “aceitáveis” pelo Ocidente.

A Constituição iraquiana prevê uma sessão parlamentar após a realização das eleições para a escolha de um presidente da Câmara de deputados, depois um presidente do governo, os vice-presidentes e um primeiro-ministro, em um processo que pode durar meses.

Sunitas e curdos têm feito várias exigências para integrar a coalizão de governo, enquanto a disseminação do terrorismo por toda a região, inclusive Síria e Líbano, continua sendo a maior consequência da interferência estrangeira. Desde que o EIIL tomou a cidade de Mosul, a menos de 100 quilômetros da capital, Bagdá, no início de junho, a reocupação do Iraque pelos EUA se converteu em um novo-velho desafio do governo a ser formado e do povo iraquiano.