Em visita, John Kerry abre as portas à guerra civil no Iraque

Após 90 minutos “de conversa muito tensa”, durante a qual não conseguiu forçar a demissão do primeiro ministro iraquiano, Nouri al-Maliki, o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, deixou o chefe do governo de Bagdá entregue à sua sorte rejeitando, para já, a possibilidade de os Estados Unidos fazerem bombardeamentos contra a ofensiva fundamentalista sunita.

Por Charles Hussain, de Beirute, e Mário Ramírez, de Washington para o Jornalistas sem Fronteiras

John Kerry Nouri al-Maliki - AFP

“Era de se esperar: Kerry abriu o ringue para a guerra civil iraquiana depois de não ter convencido Maliki a demitir-se”, explica um diplomata iraquiano em Beirute. “A mensagem do secretário de Estado foi: ou as facções iraquianas se entendem – e para isso era imprescindível a demissão de Maliki, muito comprometido com o predomínio xiita – ou deixamos os acontecimentos seguirem o seu rumo até emergir um balanço de forças”, acrescentou o diplomata, que continua no ativo. Mesmo que esse balanço “resulte de uma guerra civil e da destruição do Iraque”, concluiu.

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Correm em Beirute, fazendo eco dos bastidores em Bagdá, várias versões sobre o encontro entre Maliki e Kerry, mas todas elas coincidentes em relação a pontos determinantes: o primeiro ministro iraquiano e os seus até agora protetores de Washington não se entendem e o máximo que o primeiro ministro iraquiano conseguiu do secretário de Estado foi a exigência de que tem de ter um “governo forte” pronto até 1º de julho. O governo de Obama também não perdoa a Maliki o fato de continuar recebendo armas do Irã.

“Pontualmente os Estados Unidos poderão acionar a sua força aérea se o Exército Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL) extravasar as ‘funções’ que lhe estão atribuídas nesta ofensiva, por exemplo tomando Haditha para provocar um apagão em Bagdá, prejudicando o mundo dos negócios e das ligações aéreas”, explica Anwar Haddad, funcionário de uma organização humanitária libanesa e de origem iraquiana.

“Mas também sabemos, pela experiência do último ano, que os Estados Unidos não farão nada que possa prejudicar o papel que o EIIL está tendo na Síria para tentar derrubar o regime de [Bashar al-]Assad em Damasco”, acrescentou.

Uma fonte anônima do Pentágono admitiu que a posição de Kerry perante Maliki deve ser lida em conjunto com o recente discurso do presidente Obama na Academia Militar de West Point. “O presidente usou a imagem de que os Estados Unidos têm na sua capacidade militar o martelo do mundo, mas acrescentou que nem tudo são pregos para martelar”, segundo a mesma fonte.

“Os últimos desenvolvimentos no Iraque não são um prego para martelar, a situação deve ser encarada no contexto regional e interno”, explicou a fonte do Pentágono. “A nível regional, tem que ser avaliada, para já, em conjunto com a questão síria; internamente, o Iraque tem que encontrar o equilíbrio entre as comunidades xiita, curda e sunita, o que o primeiro ministro Maliki não fez – um erro que agora se volta contra ele”.

Confrontado com esta tese, o diplomata iraquiano em Beirute comentou: “É a porta do ringue aberta para a guerra civil como busca do equilíbrio final de forças e a destruição do Iraque – e da Síria – que os Estados Unidos vêm procurando sob a estratégia de ‘redesenhar’ o mapa do Médio Oriente. Os Estados Unidos criaram o caos no Iraque com as duas invasões anteriores, a agora lavam as mãos. O velho gesto de Pilatos universalizou-se”.

Fonte: Jornalistas sem Fronteiras