Conceito de "segurança humana" completa 20 anos com desafios

Em 1994, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) publicou seu Relatório sobre o Desenvolvimento Humano, inaugurando o conceito de “segurança humana”, com base em diversas críticas à perspectiva militarista da “segurança”. Nesta quinta-feira (26), o documento completou 20 anos em um mundo ainda vastamente militarizado, mas progressos significativos na concepção da segurança humana também devem ser ressaltados.

Por Moara Crivelente, da Redação do Vermelho

Agricultura Costa do Marfim - AfDB

O relatório do PNUD, assim como outros estudos anteriores e posteriores, tentam fazer avançar uma concepção de segurança centrada nos seres humanos, no desenvolvimento, na erradicação da pobreza, na educação, na inclusão e na justiça social enquanto prevenções contra a violência.

O quadro alternativo apresentado, ainda que falte muito a ser implementado de forma consensual, pretende ser uma alternativa às políticas securitárias com foco no armamento e na mobilização militarista, nos acordos belicosos e nas políticas das “guerras” para a superação de desafios inerentemente sociais e políticos.

Leia também:
Segurança: Potências têm dificuldade em superar visão militarista
União Africana aborda segurança alimentar e cooperação contra guerras
"Fome na África é uma produção do sistema capitalista", diz Marcondes
Gastos militares vão contra justiça social e democracia, diz ONU

Desde a publicação do relatório do PNUD, diversos países adotaram o linguajar da “segurança humana” para formular suas políticas externas, mas ao mesmo tempo, os gastos de inúmeros governos com o setor militar e a articulação de parcerias neste âmbito, entre os países, ainda são verificados como as lacunas a serem preenchidas na compreensão sobre a urgência de uma nova abordagem.

Projetos falidos como as intervenções militares pelo mundo e a chamada “guerra contra as drogas” não fizeram mais do que promover a violação generalizada e sistemática dos direitos humanos de vários povos, deixando populações inteiras vulneráveis e submetidas à atuação agressiva não só de forças estrangeiras como também nacionais, em cenários onde a prevenção e a inclusão social, assim como o desenvolvimento e a segurança alimentar, são cruciais.

Exemplos disso são a Colômbia (com impactos diretos para seus vizinhos latino-americanos), diversos países da África e da Ásia Central, assim como dentro dos próprios países do “norte” envolvidos na promoção das políticas securitárias agressivas, como os Estados Unidos. A militarização do combate às drogas ilícitas e as intervenções armadas espalhadas por diversos países, muitas vezes sob o pretexto da “guerra contra o terror”, fornecem evidências diversas sobre a falência deste modelo.

De acordo com um estudo recente da pesquisadora afegã Shahrbanou Tadjbakhsh, publicado pelo Centro Norueguês de Recursos para a Construção da Paz (Noref), embora o conceito tenha sido objeto de uma resolução de 2012 da Assembleia Geral das Nações Unidas, ainda é enfrentado com rejeição e controvérsia, 20 anos após a sua introdução.

Politicamente, continua o estudo, a sua associação com o conceito da Responsabilidade de Proteger, visto como mais um instrumento intervencionista usado pelas potências imperialistas, tem levado os países do chamado “Sul” a rechaçarem a violação das soberanias nacionais e as condicionalidades impostas através dos programas de "assistência" e "cooperação para o desenvolvimento" resultantes da aplicação tendenciosa destes princípios.

Ainda assim, ressalva a pesquisadora, o conceito é considerado uma ferramenta maleável para análise das raízes das “ameaças securitárias” e suas consequências multidimensionais, como a fome, a pobreza extrema e a exclusão social. Neste sentido, seu uso enquanto instrumento de análise deve ser estendido para a formulação de políticas domésticas e regionais de forma soberana e autônoma, como é o caso de recentes decisões da União Africana.

A organização já chegou à conclusão de que a violência disseminada e a volta do terrorismo são consequências da histórica política intervencionista, dos resquícios da colonização e, principalmente, da extrema pobreza, que deve ser enfrentada com segurança alimentar e investimento em agricultura e infraestrutura, na promoção do desenvolvimento compartilhado.