Alemães exigem posição do governo contra espionagem estadunidense

A oposição alemã insiste com mais veemência na necessidade de haver um esclarecimento público detalhado, e com as respectivas consequências, perante a acumulação de provas de que os Estados Unidos espiam o Estado alemão.

Por Lourdes Hubermann, de Berlim para Jornalistas sem Fronteiras

Angela Merkel - Wikimedia Commons

“Na Europa acusam-nos de autoritarismo e arrogância, mas o que temos é um governo de cordeiros e covardes perante a espionagem norte-americana”, afirma Joachim Baumann, dirigente regional dos Verdes. “É inaceitável que tanto a primeira-ministra como os coligados sociais democratas procurem apegar-se a formalismos para não assumir desde já a gravidade da situação”, acrescentou.

O mais recente episódio da crise de espionagem entre a Alemanha e os Estados Unidos foi a detecção de um agente dos serviços secretos alemães que trabalhava para os Estados Unidos. O escândalo vem somar-se às informações divulgadas por Edward Snowden segundo as quais a Agência norte-americana de Segurança Nacional (NSA) tinha em escuta há vários anos os celulares da primeira-ministra Angela Merkel.

“Se estas acusações forem reais estamos perante um assunto muito sério”, foi a primeira reação conhecida de Merkel à descoberta do agente duplo. “Seria uma contradição flagrante com o que deve ser a cooperação entre parceiros, baseada em confiança”, sublinhou a chanceler.

“O governo reage brandamente porque não quer perturbar as expectativas que tem de que o tratado de livre-comércio que a União Europeia está negociando com os Estados Unidos venha resolver os problemas da economia alemã e relançar o crescimento”, afirma a economista Gisella Frei.

“Desta maneira”, acrescentou, “os partidos do governo arriscam-se perder a dignidade perante os alemães a propósito de um assunto que é traumático para o país, como é o da espionagem, em troca da aposta num processo econômico que, além de ser muito contestado na Europa, não é certo que produza os resultados desejados pelo executivo”, salientou.

“É tempo de dizer basta”, exclamou o presidente alemão, Joaquim Gauck, o dirigente que foi mais longe na crítica aos aliados norte-americanos. Mesmo não tendo o chefe de Estado funções executivas, “uma posição deste tipo não pode ser encarada de ânimo leve, porque representa a voz do Estado alemão”, segundo Norma Gabler, jurista e constitucionalista.

“Um basta aos aliados norte-americanos, e logo numa questão de soberania nacional”, acrescentou a jurista, “é uma maneira de dizer que os alemães não desejam continuar eternamente a ser instrumento para a política europeia de Washington por causa do que se passou há 70 anos”, interpretou Norma Gabler.

“Angela Merkel e os sociais democratas não querem que Snowden venha explicar a Berlim como funciona a espionagem norte-americana sobre o Estado alemão, mas a partir de agora têm ainda menos espaço de manobra para a sua continuada recusa”, afirma Joachim Baumann, o dirigente regional dos Verdes. “Os alemães estão verdadeiramente inquietos por esta devassa das suas vidas pelos supostos ‘amigos’ e não querem que o seu governo seja, no fundo, cúmplice destas práticas. Este caso não pode ficar assim”, disse.

A voz social democrata que foi mais longe na crítica aos norte-americanos foi a do ministro da Justiça, Heiko Maas, que disse que “a mania de espiar da NSA tem que ter limites”, porque “a democracia e os direitos cívicos não são negociáveis”.

Fonte: Jornalistas sem Fronteiras