"Os EUA não têm moral", diz Cuba sobre acusação de tráfico de pessoas
Em seu relatório de 2014 sobre o tráfico de seres humanos no mundo, o Departamento do Estado inclui novamente Cuba em sua lista, situando-a na pior categoria (3). Segundo Washington, “adultos e crianças são vítimas de tráfico sexual e de trabalhos forçados” na ilha. “A prostituição infantil e o turismo sexual são uma realidade em Cuba e houve alegações de trabalhos forçados durante as missões no exterior que o governo cubano realizou”. [1]
Por Salim Lamrani*, de Paris para a Opera Mundi
Publicado 17/07/2014 11:36

Entretanto, Washington reconhece a falta de credibilidade de suas informações:
Assim, apesar da falta de informação confiável, o relatório de 2014 conclui que “o governo de Cuba não cumpre os padrões mínimos para eliminar o tráfico de seres humanos e não realiza os esforços necessários para isso”. [4]
O ponto de vista da Unicef
A acusação mais grave é relativa à prostituição infantil. Entretanto, a Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) não compartilha desse ponto de vista e, pelo contrário, saúda os avanços de Cuba na proteção da infância. [5] Segundo o organismo da ONU, “Cuba é um exemplo na proteção da infância”. Segundo Juan José Ortiz, representante da Unicef em Havana, “a desnutrição severa não existe em Cuba porque há vontade política” de eliminá-la. “Aqui não há criança nas ruas. Em Cuba as crianças ainda são prioridade e por isso não sofrem as carências de milhões de crianças na América Latina, trabalhando, explorados ou em redes de prostituição”. [6]
Ortiz compartilha sua experiência a esse respeito:
[…] Cuba demonstra que, apesar da crise internacional, apesar da gravidade do impacto do bloqueio [sanções econômicas] sobre o desenvolvimento da infância, apesar desse agravante, uma vez que é o único país a tê-lo, pode garantir plenamente os direitos da infância e conseguir níveis de desenvolvimento humano cada vez maiores. Cuba é um exemplo para o mundo de como é possível trabalhar para garantir os direitos da infância e seu pleno desenvolvimento. O povo cubano disfruta de um tesouro do qual às vezes não se dá conta. Os meninos, as meninas e os adolescentes são privilegiados em comparação ao mundo. [8]
20.000 meninos e meninas vão morrer no mundo hoje e a imensa maioria dessas mortes poderia ser evitada. É criminoso deixar que as crianças morram se temos recursos para salvá-las. Se a questão da infância fosse uma prioridade mundial, os problemas dos quais elas são vítimas estariam resolvidos há muito tempo, como é o caso de Cuba.
Cuba sempre foi um exemplo no setor de desenvolvimento social, com nível de igualdade semelhante à dos países mais desenvolvidos […].
O trabalho realizado em Cuba com os menores delinquentes (outra grande questão e desafio para a América Latina e o Caribe) é exemplar. Aqui, não há prisões para crianças. O sistema defende a reabilitação dos jovens extraviados […]. Da mesma maneira, todas as crianças descapacitadas são atendidas, e isso dentro da própria casa se o menino não pode se mover. É um avanço excepcional […]. É o único país que eu conheço onde se pode celebrar o Dia da Criança dançando […]. [9]
Em Havana, as autoridades condenaram a nova inclusão de Cuba, presente na lista negra desde 2003, no grupo de países envolvidos no tráfico de seres humanos e qualificaram o relatório de “manipulador e unilateral ”: [12]
Cuba não solicitou a avaliação dos EUA nem necessita das recomendações de um dos países com maiores problemas no tráfico de meninos, meninas e mulheres no mundo. Os EUA não têm moral para qualificar Cuba, nem para nos sugerir “planos” de nenhuma índole, quando se estima que o número de cidadãos norte-americanos traficados dentro desse país está próximo a 200 mil, onde a exploração sexual, e onde mais de 300 mil crianças, do milhão que abandonam seus lares, estão sujeitas a alguma forma de exploração […].
A inclusão nessa lista, por motivações totalmente políticas, como é também a designação de Cuba como Estado patrocinador do terrorismo internacional, é dirigida a justificar a política de bloqueio […], que afeta severamente a nossa infância, juventude, nossas mulheres e todo o nosso povo. [13]
* Doutor em Estudos Ibéricos e Latino-americanos, Salim Lamrani é professor-titular da Universidade de la Reunión e jornalista, especialista nas relações entre Cuba e Estados Unidos. Seu último livro se chama Cuba. Les médias face au défi de l’impartialité, Paris, Editions Estrella, 2013, com prólogo de Eduardo Galeano.
Notas:
1. State Department, "Trafficking in Persons Report 2014", junho de 2014. http://www.state.gov/j/tip/rls/tiprpt/2014/index.htm (site consultado em 27 de junho de 2014), p. 148.
2. Ibid., p. 148-149.
3. United States Department of State, “Cuban Medical Professional Parole Program”, 26 de junho de 2009. http://www.state.gov/p/wha/rls/fs/2009/115414.htm (site consultado dia 2 de julho de 2014).
4. State Department, "Trafficking in Persons Report 2014", junho de 2014, op. cit., p. 149.
5. José A. De la Osa, "Cuba es ejemplo en la protección a la infancia", Granma, 12 de abril de 2008.
6. Fernando Ravsberg, "UNICEF: Cuba sin desnutrición infantil", BBC, 26 de janeiro de 2010.
7. Radio Havane Cuba, "L’UNICEF signale que Cuba est un exemple en matière des droits de l’homme", 1de junho de 2012.
8. Cubainformación, "Entrevista a representante de UNICEF en Cuba", 4 de junho de 2012. http://www.cubainformacion.tv/index.php?option=com_content&task=view&id=43657&Itemid=86 (site consultado dia 2 de janeiro de 2013.
9. Lisandra Fariña Acosta, "Ce pays est un laboratoire de développement social", Granma, 7 de junho de 2012. http://www.granma.cu/frances/cuba-f/7jun-Ce%20pays.html (site consultado dia 2 de janeiro de 2013).
10. Marcos Alfonso, "Cuba: ejemplo de la protección de la infancia, reconoce UNICEF", AIN, 18 de julho de 2010.
11. UNICEF, Progreso para la infancia. Un balance sobre la nutrición, 2011.
12. Agence France Presse, "Cuba califica de ‘manipulador y unilateral’ informe de EEUU", 21 de junho de 2014.
13. Josefina Vidal Ferreiro, "Declaración de la Directora General de Estados Unidos del Ministerio de Relaciones Exteriores de Cuba", República de Cuba, 21 de junho de 2014.