Negociação nuclear: O prolongamento fortalece o Irã

Anos de desencontros, negociações complexas e uma cautelosa aproximação resumem a relação do Irã com as seis potências mundiais a respeito do programa nuclear do país islâmico que, apesar da sua marcada politização, caminha para um desfecho previsivelmente satisfatório.

A decisão do Grupo 5+1, formado pelos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU mais a Alemanha, de prolongar as negociações com o país persa até novembro próximo fez soprar ventos de otimismo tanto em Teerã como em Viena, cenário da mais recente rodada de diálogo.

A chamada Viena-6 se estendeu por 17 dias em sessões de conversações entre os sete países (Rússia, China, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Alemanha e Irã), com caráter bilateral entre a República Islâmica e alguns de seus interlocutores ou em atividades de mediação dentro do chamado G5+1.

O propósito era chegar a um acordo sobre temas estruturais ou, pelo menos, a um consenso sobre o tempo das negociações, partindo do pressuposto de que todas as cartas foram colocadas sobre a mesa para que o pretendido acordo abrangente final seja selado em novembro, no mais tardar.

Embora se tenha decidido por retomar as negociações em setembro, autoridades estadunidenses falaram inclusive de retomá-las em pleno mês de agosto e aproveitar, além disso, o período ordinário das sessões da Assembleia Geral da ONU no mês seguinte como plataforma para a próxima fase de diálogo.

Ambas as partes admitiram ter chegado a pontos de convergência em muitos temas chave, ainda que existam "sérias e significativas discrepâncias", segundo o chanceler iraniano, Mohammad Javad Zarif, a chefa da diplomacia europeia, Catherine Ashton, e o secretário de Estado norte-americano, John Kerry.

Kerry e membros de sua delegação em Viena disseram que talvez os contatos sejam retomados em um mês em nível de especialistas, mas Ashton e Zarif disseram em um comunicado conjunto que voltariam a se reunir nas próximas semanas "com a clara determinação de se chegar a um acordo o mais breve possível".

"Dar as costas de maneira prematura aos esforços diplomáticos quando foram obtidos progressos significativos implicaria negar a nós mesmos a possibilidade de conseguir nossos objetivos pacificamente", argumentou o então chefe da diplomacia estadunidense.

"Foi realizado muito trabalho e concordamos que gostaríamos de tentar e completar este processo e tomar este tempo extra para terminá-lo", disse por sua vez Ashton ao justificar o prolongamento.

Para observadores diplomáticos consultados pela Prensa Latina, a grande pergunta continua sendo se o prolongamento das conversações nucleares conseguirá superar em quatro meses as principais diferenças que as equipes de negociação foram incapazes de resolver até 20 de julho passado.

Naquela data expiraram os seis meses de validade do acordo interino assinado pelo G5+1 e o Irã em 23 de novembro de 2013 em Genebra, Suíça, e que começou a vigorar em 20 de janeiro.

Sob tal acordo, batizado como Plano de Ação Conjunta de Genebra, as seis potências mundiais aceitaram flexibilizar as sanções econômicas impostas ao Irã, em troca de provas que propiciassem um clima de confiança sobre a natureza pacífica de seu programa nuclear.

Ainda que o Irã tenha aceitado então limitar certas atividades de seu programa atômico, manteve irredutível a defesa de seu direito ao enriquecimento de urânio com propósitos civis vinculados às áreas de energia e saúde, e amparados como país signatário do Tratado de Não Proliferação Nuclear.

Enquanto avançavam as conversas, o Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) certificou o cumprimento pelo país persa dos termos do pacto de Genebra, enquanto eliminou suas reservas mais sensíveis de gás de urânio enriquecido.

A República Islâmica prossegue suas atividades nucleares com menos dinamismo, mas sem pausa, ao mesmo tempo em que os Estados Unidos liberaram 2,8 bilhões de dólares como parte de uma nona parcela de dinheiro congelada pelas sanções econômicas.

Com essa entrega, Washington tratou de dar uma retribuição a Teerã por ter transformado em combustível um quarto de seu urânio armazenado e enriquecido em 20%, o que -segundo Kerry – seria "muito difícil para o Irã usar esse material para uma arma em um cenário evasivo" do acordo.

No entanto, a Casa Branca mantém inacessível para o Irã a grande maioria do dinheiro produto de suas vendas de petróleo, que nos últimos seis meses se estima que cresceu em 25 bilhões de dólares, acima dos 100 bilhões já congelados em contas repartidas por outros países.

O governo do presidente Hassan Rouhani ratificou a disposição de limitar suas atividades nesse terreno para sanar as dúvidas do Ocidente, que considera serem injustificadas e dirigidas a satanizar seu programa nuclear com o argumento de que busca fabricar armas atômicas.

Tudo aponta para que o país persa deverá contrair drasticamente seu programa, mas se o fizer, terá que ver se aceitará o período prolongado que o G5+1 deseja, não obstante que Teerã já concordou que a AIEA multiplique e amplie as inspeções de suas instalações.

As duas partes têm aproximado suas posições com relação ao reator de Arak, que o Ocidente olha com receios por achar que daria ao Irã o plutônio no grau necessário para fabricar a arma atômica.

Nos círculos estadunidenses e europeus tradicionalmente hostis à revolução islâmica se alimenta a desconfiança e se criticou o prolongamento do período de diálogo, enquanto deputados persas apoiam a equipe de negociação nacional, sempre com o alerta de não cruzar "linhas vermelhas".

Reduzir o enriquecimento não é o problema, mas sim em que quantidade, pois o que os iranianos consideram necessário para ter capacidade de produzir o combustível de reatores nucleares e pesquisas científicas, os membros do G5+1 acreditam ser suficiente para o núcleo de uma bomba nuclear.

O líder supremo da revolução islâmica do Irã, aiatolá Ali Khamenei, e outros vinculados à chamada linha conservadora advertem contra qualquer passo que implique fazer "concessões excessivas", ainda que avaliaram a rodada de Viena como uma demonstração da determinação para se chegar ao acordo final.

Segundo o presidente da Comissão de Segurança Nacional e Política Exterior do parlamento persa, Alaeddin Boroujerdi, "a mensagem à opinião pública com o prolongamento dos diálogos de Viena é de que as partes têm vontade de chegar a um acordo global e final".

Esclareceu que o compromisso de continuar conversando por outros quatro meses em nada implica que haverá mudança nas posições do país, que continuará defendendo o que acredita ser seus "direitos legítimos" ao uso pacífico da energia atômica.

Como Boroujerdi, muitas figuras influentes nos âmbitos político e religioso do Irã esperam que os Estados Unidos abandonem suas "demandas excessivas" no período que segue para viabilizar o acordo conclusivo.

Para os deputados iranianos, o fracasso dos diálogos que virão implicaria que o país retomasse a produção de urânio enriquecido a 20%, ativasse aceleradamente o reator de água pesada de Arak e construísse centrífugas de nova geração.

Diante de qualquer desses cenários teria fracassado a diplomacia ocidental e o Irã, em todo caso, seguiria a estratégia impulsionada por Rouhani de se abrir mais ao mundo, desenvolver a economia de resistência e levar até o final sua estratégia no campo atômico.

Da sucursal da Prensa Latina no Líbano.