Dieese questiona lógica empresarial sobre leis rígidas e alto custo

Livro lançado pelo Dieese mostra movimento intenso da mão de obra em seis setores de atividade econômica. Mais da metade da saída de funcionários ocorre por iniciativa do empregador.

desemprego cai emprego aumenta - Reprodução

Embora não tenha sido o objetivo do trabalho, o livro lançado esta semana pelo Dieese coloca em cheque duas afirmações propagadas pelos empresários brasileiros. A primeira é a de que a legislação brasileira é rígida e engessada. E a segunda refere-se ao suposto alto custo de demissão.

O estudo, que trata da rotatividade da mão de obra em seis setores de atividade, mostra, por exemplo, que o tempo médio de permanência no emprego em 2012 foi de cinco anos – ou três, se excluídos os funcionários públicos. Esse tempo é inferior ao de países europeus e equivalente aos Estados Unidos, que tem uma legislação trabalhista que garante poucos direitos, ou o que os empresários chamam de ‘flexível’.

Segundo o coordenador de Relações Sindicais do Dieese, José Silvestre, organizador do livro, em 2012 o número de vínculos formais no Brasil, entre contratações e demissões, superou os 76 milhões. “Acho que isso é uma demonstração da flexibilidade do nosso mercado de trabalho. E mostra, em certa medida, que o custo para demitir não é alto. Você tem setores que rodam 40%, 50%, 60% da força de trabalho [por ano]. E tem um percentual expressivo de trabalhadores [45%] que são dispensados antes de completar seis meses”, acrescenta. “Não vejo como a legislação cria enrijecimento”, enfatiza Silvestre, destacando que o estudo mostra que a rotatividade está concentrada em uma parcela minoritária das empresas.

Ainda em 2012, aproximadamente 25% das dispensas no Brasil foram feitas a pedido do trabalhador, ante 17% em 2006. Para Silvestre, isso mostra um cenário mais favorável do mercado de trabalho nos últimos anos, com aumento das oportunidades, mas revela, por outro lado, a "precariedade" dos postos de trabalho, com salários baixos. Casos de demissão sem justa causa, demissão a pedido do trabalhador e por término de contrato, correspondem a 85% dos casos.

Descontados desligamentos por transferência, aposentadorias, mortes e a pedido do trabalhador, a taxa média de rotatividade em 2012 foi de 37%, ou seja, quatro em cada dez trabalhadores. A taxa total atingiu 55%, mas com variações que vão desde 21% no setor bancário até 114% na construção civil, ficando na faixa de 40% nos setores metalúrgico (45%) e químico (47%) e chegando a 64% no comércio e 78% nas atividades de alojamento e alimentação, na área de serviços.

Negociação

“Não temos nenhum mecanismo que iniba a rotatividade”, observa Silvestre, para quem a questão passa, principalmente, pelo Legislativo. Ele destaca a ratificação da Convenção 158 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que tramita no Congresso Nacional. A convenção restringe a demissão involuntária, ou seja, sem justa causa. Outra alternativa apontada pelos sindicalistas é tentar estabelecer algum tipo de controle por meio de negociação coletiva.

Livro

Elaborado com apoio da Fundação Friedrich Ebert (FES), o livro é resultado de uma série de seminários e discussões entre diversas entidades dos ramos bancário, metalúrgico, químico, da construção, do comércio e de alojamento e alimentação. Tem como base dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho e Emprego. O Dieese elaborou uma espécie de ranking com 20 funções mais atingidas pela rotatividade nesses diversos setores. Figuram ali atendentes de lanchonete, cozinheiro, garçons, gerente de contas ou administrativo, serventes de obras, pedreiros, alimentadores de linha de produção, montadores de equipamentos eletroeletrônicos e trabalhadores no setor da cana-de-açúcar.

A rotatividade traz “custos perversos” para todas as partes. “Para as empresas, representa uma despesa para selecionar e treinar outra pessoa naquele posto de trabalho e geralmente esse custo não é absorvido pela empresa, mas é repassado ao preço final. O trabalhador não só está afeito ao desemprego como ainda passa a ter, como consumidor, produtos e serviços mais caros. Para o governo federal, os impactos sobre o programa do seguro-desemprego são também mais elevados. Portanto, a sociedade brasileira como um todo tem muito a perder com esse fenômeno estrutural no mercado laboral”, diz o instituto.

“É inegável que a gente teve avanços enormes nos últimos anos, mas ainda temos um déficit grande de trabalho decente na sociedade”, afirma a diretora da FES, Waldeli Melleiro. “Temos de combater isso para melhorar a qualidade nos empregos. Isso passa por um efetivo processo de diálogo social. Na prática, tem de haver muita pressão.”

Os sindicalistas veem a modalidade também como uma estratégia empresarial. "Essa rotatividade perversa é um dos grandes males que afetam a nossa categoria", diz o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), Carlos Cordeiro. "A rotatividade faz parte do negócio." Segundo ele, a diferença salarial, para menos, entre quem entra e quem sai do setor impede o crescimento médio dos salários, apesar dos aumentos reais (acima da inflação) obtidos nas negociações.

A rotatividade atinge principalmente o setor privado. Cordeiro citou como exemplo o banco Itaú, que anunciou hoje lucro de R$ 4,9 bilhões no segundo trimestre. "De 2011 para cá, os bancos cortaram 37 mil postos de trabalho e o Itaú, sozinho, cortou 14 mil."

Benefícios

Para o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Ramo Químico (CNTQ, ligada à Força Sindical), Antonio Silvan Oliveira, parte dos pedidos de demissão feitos pelo empregado deve-se à falta de perspectivas no emprego, com fatores como baixa remuneração e mau ambiente. "Essa turma não perde tempo", afirma. O dirigente critica a Previdência Social, "que não responsabiliza o autor do problema", e o próprio governo, que dá benefícios fiscais sem contrapartidas.

"Falta uma legislação mais restritiva à demissão", acrescenta o presidente da Confederação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores da Construção e da Madeira (Conticom-CUT), Claudio da Silva Gomes. Em certos casos, ele afirma que o próprio Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) pode ser um estímulo para o desligamento, à medida que o valor acumulado vá superando o do salário. A redução do tempo médio das obras também contribui – segundo o dirigente, o período para construção de um shopping, por exemplo, caiu de três anos para seis meses. “A rotatividade é da natureza da construção civil”, disse.

Fonte: Rede Brasil Atual