Escócia, o sonho evaporado?

A rejeição à soberania escocesa em um recente referendo parece fazer com que os sonhos dos independentistas desapareçam, ainda que as condições que Londres tem para cumprir para conceder mais autonomia ao país poderiam criar uma base para futuras batalhas separatistas.

Partidários da independência da Escócia

A vitória dos Unionistas, com 55, 3% dos votos, com mais 44,7% dos soberanistas, demonstrou entre outras coisas a divisão criada em torno de um tema crucial para a Escócia e todo o Reino Unido, que certamente irá mais longe.

Edimburgo abriu uma caixa de pandora que, ainda que seja defendida como um puro exercício da democracia no Ocidente cria sérios problemas para a monarquia constitucional britânica de vários séculos de existência.

As quatro nações do Reino Unido (Escócia, Gales, Inglaterra e Irlanda do Norte) poderiam buscar mais autonomia, diante das promessas para serem cumpridas pelo governo de coalizão entre conservadores e liberal-democratas de entregar mais prerrogativas à Escócia.

O principal ministro Alexander Salmond manifestou sua intenção de não se apresentar em novembro próximo para a reeleição à frente do Partido Nacional Escocês (SNP, por sua sigla em inglês) e, portanto, de também não continuar à frente do executivo autônomo.

No entanto, a saída de Salmond, com 20 anos à frente do SNP e desde 2011 o principal promotor do referendo soberanista, para nada porá fim às aspirações de independência dos escoceses.

O 57% dos entrevistados pela empresa ICM antes da consulta popular de 18 de setembro deste ano entre os jovens e trabalhadores respaldava as ideias que Salmond defendeu quando assinou o acordo para o plebiscito, em outubro de 2012.

Muitos meios consideraram que o primeiro-ministro David Cameron obteve uma vitória pícrica nas urnas, pois ainda que deixasse para trás o susto da ameaça de um triunfo independentista, deverá enfrentar riscos separatistas no futuro.

Cameron já prometeu mais autonomia para os ingleses, galeses e irlandeses do norte, ainda que a página canadense Global Research, considera que longe dos olhos do público, o executivo conservador poderia estar, pelo contrário, imerso em blindar o Governo e evitar a repetição de votos como o escocês.

Por enquanto, a visão de Edimburgo, ainda que não seja a de Salmond, estará colocada na discussão e adoção de leis para janeiro de 2015 relacionadas com a autonomia.

A discussão do tema da soberania deixou o Partido Trabalhista da Escócia em uma profunda crise, pois o apoio de quase a metade de seus membros ao voto soberano criou uma profunda divisão.

O trabalhista de origem escocesa e ex-primeiro-ministro, Gordon Brown, se converteu em um dos principais promotores do ‘Juntos Podemos’, a campanha de Londres para evitar a separação da Escócia.

Brown saiu fortalecido do ponto de vista político, após estar vários anos fora do centro das decisões nacionais, destaca a revista Newsweek.

Os argumentos passaram pela ameaça de ficar sem a libra esterlina em uma Escócia soberana, a redução das aposentadorias ou até chegar ao ponto de reclamar que a ideia da separação não era boa e apelar ao coração dos escoceses.

Também, utilizou-se o argumento de que votar pela independência era um passo que não era digno de riscos e se chamava a manter o status quo, ao invés de desafiar Londres e toda a Europa com a independência.

Um exemplo que incomoda

A realização do referendo na Escócia, ainda quando deixou os soberanistas com um sonho que a primeira vista evaporou, foi acompanhada pela União Europeia (UE) com muita preocupação, pois considera que esse exemplo poderia dar outras dores de cabeça à Europa.

De fato, muitos políticos catalães viajaram à Escócia para observar de perto como se organizou a consulta popular, que argumentos se ofereceram a favor dessa prática, as vias legais para realizá-la e os desafios que seriam enfrentados no caso de separação.

A Cataluña seria a segunda ocasião na Espanha em que se tentaria uma separação, pois a primeira ocorreu em 2008, quando se tentou um plebiscito no País Basco.

Em ambos os casos, diferentemente do Reino Unido, o governo espanhol evitou em todos os momentos a realização do referendo. De fato, Madri ameaça com a possibilidade de colocar todas as travas possíveis para impedir um plebiscito em 9 de novembro deste ano.

Além disso, Flandes também poderia imitar a Escócia, quando a história mostra vários casos de separação como ocorreu em 1922, na Irlanda; na Índia, em 1947; o de Kosovo e Sérvia ou o do Sudão do Sul em 2013, enquanto está pendente o da nação curda.

Por outro lado, a realização de plebiscitos está longe de satisfazer à direção do bloco comunitário, que não está nada interessada na participação dos europeus em decisões através de consultas populares.

Tais práticas são capazes de fraturar a unidade comunitária, o que faz com que a realização do referendo seja vista como beneficiosa para o Partido da Independência do Reino Unido (UKIP), de tendência anti-imigrante e euroescética.

Precisamente, o exemplo negativo dado por Cameron de buscar a ruptura com a UE para repatriar prerrogativas em matéria de imigração, jurisdição, movimento de força trabalhista e outras áreas, reforçou as posições dos soberanistas escoceses.

Em 15 de outubro de 2012, Cameron não pôde colocar objeções a Salmond para pactuar um acordo com o fim de permitir a consulta popular.

A ampliação do grupo de euroescéticos no Reino Unido levou o UKIP, como ocorreu com outros partidos ultradireitistas na Europa, a se converter em uma importante força política, acima dos liberal-democratas, sócios menores dos conservadores.

Isso aumentou a pressão sobre Cameron para endurecer seu discurso contra as instituições do bloco comunitário, do qual o Reino Unido é um estado fundador.

A vitória do NÃO poderia acrescentar adeptos ao UKIP, pois a discussão da soberania e a de pôr em dúvida o controle central de Londres pode ser comparada com a relação entre o Reino Unido e a UE, especula o The Economist.

O desafio para Cameron poderia consistir agora em dispersar os ares separatistas que começam a soprar com mais força no Reino Unido, imerso em uma de suas piores crises constitucionais desde sua criação.

Fonte: Prensa Latina