Sandra Helena de Souza: Um país em transe

Por *Sandra Helena de Souza

Não se fala de outra coisa. Nas escolas, nas ruas, campos, construções é o Brasil em pauta, ‘brasis’ que se disputam. Ainda não ‘somos todos iguais, braços dados ou não’; ‘somos todos soldados, armados ou não’. Faz parte.

Houve quem dissesse que nem haveria Copa. Depois do pânico geral fizemos uma Copa memorável e…acabou. Quantas páginas de jornais e debates sobre a influência da Copa nas eleições? Quem ganharia, quem perderia, com a pane de infraestrutura (não houve), com a derrota da seleção (houve)? Quase nada disso se fala nos acalorados debates que ora travamos em todos os fronts, especialmente nas já mal faladas ‘redes sociais’, sobretudo nesse segundo turno das eleições. E, sim, isso é sinal de inequívoco amadurecimento político. Mas nem tudo são flores, como sabia o poeta.

O gigante que acordou na Copa das Confederações parece ter voltado para a ‘militância de sofá’ bem mais frenético (lembremos que um dos cartazes mais frequentes das jornadas de junho era ‘saímos do facebook’) o que acaba conferindo à presente eleição um caráter plebiscitário típico de democracias longevas. Brasil, esse desafio pra cuca.

Não me surpreendo ou horrorizo com ‘baixarias’ que abundam nas redes e já começam a retomar as ruas, beirando às agressões físicas. Lamentavelmente, isso continua dentro das expectativas mais realistas: o clima de desprezo pela política é cuidadosamente urdido pelos silêncios, criminalização, recalcamentos de nossa ainda profunda desigualdade, quase ausência de educação política e debates com contraditório. Não costumo ver os enojados com a sujeira das ruas, barulho, programas eleitorais de TV e rádio (em eleições bienais), também revoltados com a sordidez dos programas policiais, a violência contra negros, homossexuais e mulheres, o extermínio da juventude das periferias urbanas, diuturnamente e sem folgas.

Política é ‘guerra’ por ‘outros meios’; às vezes mais guerra, sem dúvida. Os outros meios envolvem persuasão, trapaça mas também convencimento, civilidade de considerar adversários, e não inimigos, os que pensam economica e politicamente diferente de nós, conquista árdua, nunca levada a termo de modo exaustivo nem nos países mais avançados do mundo. A dissensão está sempre à espreita, nos calcanhares dos mais ou menos precários consensos.

Nosso Brasil vai trilhando seu caminho. Sem vergonha, pessoal, é assim mesmo. Nenhuma grande nação do mundo tornou-se civilizada por decreto: há sempre andrajos da barbárie fundadora. Ainda temos uma transição a completar.

Há quem, a um só tempo, reclame de apatia nas eleições e festeje as abstenções. Vá entender. O ‘pathos’ político agonístico se manifesta em seu elemento próprio, ruidoso e violento. O que nos faz tremer não é o medo da derrota, mas de não ter feito nada para evitá-la. Cada qual com suas armas acredita saber qual o melhor Brasil. Podemos pensar em terminar ‘iguais, braços dados ou não’. Não dá pra saber. Apenas acreditar. E lutar. Muito.

*Sandra Helena de Souza é Professora de Filosofia e Ética

Fonte: O Povo

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