Quatro razões para entender por que mercado "desconfia" de Dilma

O primeiro dia depois das eleições que reconduziram Dilma Rousseff ao Palácio do Planalto foi de turbulência no mercado financeiro brasileiro. O índice Bovespa caiu 2,77%. A cotação do dólar também registrou alta de 2,5%, fechando a R$ 2,52. As ações da Petrobras caíram 12%, a maior queda desde novembro de 2008.

Por Daniel Gallas, da BBC Brasil em Londres

Dilma e Lula

Como aconteceu durante a campanha com a divulgação de pesquisas eleitorais, indicadores do mercado financeiro reagiram mal à reeleição de Dilma, mostrando a preferência de parte do eleitorado pelo candidato derrotado, Aécio Neves (PSDB).

Em uma das primeiras entrevistas concedidas após a reeleição, a presidenta já prometeu mudanças na economia antes do fim de seu primeiro mandato. "Não vou esperar para iniciar todas as ações no sentido de transformar e melhorar o crescimento da nossa economia", disse Dilma ao Jornal Nacional.

A presidenta reeleita reafirmou seu compromisso de 'diálogo com todos os segmentos para discutir os caminhos do Brasil' e se comprometeu a anunciar novas medidas económicas até o fim do ano. "Pretendo colocar de forma muito clara as medidas que vou tomar. Agora, não é hoje. Antes do final do ano. Vou fazer neste mês que se inicia na próxima semana", afirmou.

Mas por que o mercado reagiu com 'desconfiança' à reeleição de Dilma? A BBC Brasil ouviu analistas no exterior sobre o pessimismo entre alguns investidores com os próximos quatro anos de mandato da petista. Conheça alguns dos motivos apontados por eles:

'Exagero interno' contagia exterior

O sentimento negativo em relação à economia no segundo mandato de Dilma entre vários investidores internacionais tem sua origem em um pensamento difundido pelo empresariado brasileiro, na avaliação de Stephen Rose, da LatinCo, consultoria de Londres que auxilia instituições europeias a investir no Brasil.

"A vitória apertada de Dilma ontem [domingo] na eleição presidencial do Brasil pode ser uma decepção, mas não é um desastre", escreveu Rose em um boletim enviado a seus clientes nesta segunda-feira em Londres. Ele cita que o mercado tinha mais confiança na perspectiva de reformas e ortodoxia na economia com uma vitória de Aécio Neves e a provável indicação de Armínio Fraga para o Ministério da Fazenda.

"O antagonismo da comunidade brasileira de negócios a Dilma distorceu o cenário, dando a impressão de que o Brasil vai embarcar em quatro anos terríveis."

"O problema maior é com os empresários locais. O Brasil continua atraindo muitos investimentos estrangeiros diretos", diz Victor Bulmer-Thomas, analista do think tank londrino Chatham House. O Brasil atrai, em média, US$ 55 bilhões (R$ 139 bilhões) em investimentos estrangeiros diretos por ano – e essa média não caiu este ano, mesmo diante do pessimismo registrado no mercado financeiro.

Bulmer-Thomas diz que há investidores estrangeiros acostumados com riscos muito maiores do que o Brasil. Ele cita o exemplo do setor de energia – que continuará atraindo recursos externos pelos próximos cinco ou dez anos, dadas as boas perspectivas de rentabilidade no país.
"Investidores nesse setor estão acostumados com cenários locais muito mais difíceis. Essas pessoas estão acostumadas a investir em lugares como Rússia e Angola, então o Brasil não é o maior dos desafios."

Fuga especulativa

Stephen Rose atribui parte do movimento de saída de capitais estrangeiros nesta semana a um fenômeno particular de setembro. Alguns investidores com olho em ganhos de curto prazo inundaram a bolsa brasileira em setembro, na expectativa de que Aécio Neves ou Marina Silva fossem eleitos. Segundo ele, 52% do movimento de setembro da Bovespa era de capital estrangeiro chegando à bolsa.

Para ele, parte desses estrangeiros estão procurando oportunidades de ganhos no Brasil, e não demoram em sair do país para migrar para lugares como México e Indonésia diante de notícias consideradas ruins.

Rose e Bulmer-Thomas concordam que um dos problemas do mercado financeiro brasileiro é a falta de confiança do empresariado nacional para investir.

"No Brasil, o nível médio histórico de investimento é de 18% do PIB, o que é muito baixo se comparado com Índia e China, que estão na casa de 35% a 40%", diz o analista da Chatham House.

Para convencer os empresários brasileiros a investir, Dilma teria que dar uma série de sinais ao mercado – desde o nome da nova equipe à renovação de alguns princípios.

Ministro da Fazenda

Um dos anúncios mais esperados é o nome do novo ministro da Fazenda, já que Guido Mantega está de saída.

Os analistas acreditam que o mercado aceitará bem algum ministro com perfil parecido com o de Antonio Palocci, com reputação de bom trânsito entre os empresários nacionais, mas rejeitará políticos como Aloisio Mercadante, visto como "esquerdista demais", segundo Stephen Rose.
Mas mesmo a indicação do novo ministro e da equipe econômica não seriam suficientes para apaziguar o mercado. Irene Mia, da consultoria britânica Economist Inteligence Unit, acredita que Dilma tem uma imagem de pessoa que "microgerencia" demais os assuntos da Fazenda e não dá liberdade para seus ministros trabalharem.

Ela cita uma frase de uma entrevista recente do ex-ministro Antonio Delfim Netto: "Dilma é seu próprio ministro da Fazenda", dando a entender que qualquer que seja o ministro, ele não terá espaço para tomar decisões.

Rose acredita que outro fator político será importante no segundo mandato de Dilma: o papel do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no governo. Ele diz que Lula tem uma reputação de conseguir conciliar programas sociais com a gestão eficiente dos pilares da economia – agradando ao mercado e aos eleitores. Se ele ganhar mais espaço no governo Dilma, isso seria bem visto por muitos investidores.

Inflação

Os três analistas são unânimes na indicação de que o combate à inflação é o principal "termômetro" no qual investidores estão de olho. Um compromisso com puxar a inflação – que flutua atualmente próximo ao teto da meta de 6,5% – para o centro da meta (4,5%) mostraria um compromisso do governo em dar condições estáveis para os empresários investirem em aumentar a produção.

Irene Mia diz que, no primeiro mandato de Dilma, o governo só usou a política monetária (alta da taxa de juros) para combater a inflação. Como os juros brasileiros já estão em um patamar considerado alto, a única ferramenta que sobra é a fiscal – com aumento de impostos (que ela descarta) ou redução de gastos públicos.

No entanto, a analista da Economist Intelligence Unit não se mostra otimista com grandes reformas neste setor.

"Eu sinceramente não acredito que muita coisa vá mudar [em comparação com o primeiro mandato]. No momento, a situação é bastante ruim. Estamos prevendo crescimento econômico de 0,4% para este ano", diz Mia.

A previsão da EIU para os anos de 2015 a 2019 é de um crescimento econômico anual médio de 2,5% – levemente superior à média de 1,7% do primeiro mandato de Dilma.

"Durante a campanha, Dilma nunca assumiu que existe um problema com a economia. Ela parece achar que tudo está bem, e que o crescimento vai voltar e a inflação vai baixar. Mas ela não vê nada de errado, então acho que investidores não devem esperar muitas mudanças nas políticas".

Os analistas acreditam que Dilma terá pouca margem de manobra para usar a ferramenta fiscal (aumento de impostos ou redução de gastos públicos), já que o governo já está com dificuldades de cumprir o superávit fiscal primário este ano.

*Jornalista da emissora de TV britânica BBC.