Orlando Oramas León: O lado obscuro de Ayotzinapa

México lindo e querido, reza com toda razão a famosa canção, mas Ayotzinapa é um ponto da geografia da nação asteca que se converteu no reverso da moeda, o lado obscuro e sangrento que hoje estremece o país.

Por Orlando Oramas León*, na Prensa Latina

Ayotzinapa - Moysés Zúñiga

Os acontecimentos de Iguala e o desaparecimento de 43 estudantes da Escola Rural Normal de Ayotzinapa, município de Iguala, no estado de Guerrero, têm alterado o terreno político para o presidente Enrique Peña Nieto e imposto em sua agenda temas de inevitável enfrentamento.

Durante a noite de 26 de setembro passado, a polícia de Iguala reprimiu cruelmente grupos de normalistas de Ayotzinapa, incluído o ataque aos ônibus nos quais viajavam quando tentavam protestar contra um ato na Prefeitura que presidiam o prefeito, José Luis Abarca, e sua esposa.

Nesses acontecimentos os policiais dispararam inclusive contra um ônibus que transportava uma equipe de futebol, com saldo final de seis mortos, dezenas de feridos e 43 normalistas desaparecidos, ainda que já se saiba que foram assassinados, incinerados e seus corpos ensacados e lançados em um rio.

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Segundo informou o procurador-geral, Jesús Murillo, o prefeito Abarca deu a ordem de deter e reprimir os estudantes, que depois foram entregues à polícia do contíguo município de Cocula. Ali foram postos nas mãos de pistoleiros do grupo criminoso Guerreiros Unidos, que os assassinaram a tiros em um pântano próximo ao lixão de Cocula, onde, após empilhá-los, atearam fogo que alimentaram com pneus, plásticos, madeira, diesel e gasolina, desde a noite de 26 de setembro até a tarde do dia posterior.

Por ordens de um dos chefes do Guerreiros Unidos, os corpos carbonizados foram triturados e recolhidos em sacos, que depois lançaram nas águas do rio San Juan, segundo confissões de vários dos assassinos detidos pela Procuradoria Geral da República (PGR).

Em 6 de outubro passado, o presidente Peña Nieto deu a ordem de intervenção federal sobre os acontecimentos de Iguala, na qual participaram mais de 10 mil efetivos da PGR, o Exército, a Armada, Segurança Nacional e outras entidades nacionais e de Guerrero, cujo governador, Miguel Aguirre, apresentou sua renúncia semanas depois.

Tratou-se da maior e mais complexa operação policial na história do México, assegurou o procurador, para quem o caso segue em aberto; e os jovens, oficialmente desaparecidos, até que seja provada, com evidências, sua morte.

Isso tem sido impossível pelo grau de deterioração dos restos coletados no local da execução e incineração, e nas sacolas resgatadas do rio San Juan. Murillo explicou que se encontraram dentes, mas tão degradados pelo fogo que apenas ao tocá-los se convertem em pó.

Será impossível no México extrair o DNA dos materiais coletados, por isso realizam exames em um laboratório de uma universidade austríaca que dispõe da tecnologia mais avançada para tais efeitos.

O caso segue em aberto, sublinhou o titular da PGR, que prendeu 74 pessoas, entre policiais, membros do Guerreiros Unidos e inclusive Abarca e sua esposa, que estiveram foragidos até sua captura há alguns dias em uma colônia nesta capital.

Covas clandestinas e outros desaparecidos

A busca dos normalistas de Ayotzinapa conduziram à descoberta de uma dezena de covas clandestinas entre Iguala e Cocula, com corpos de umas 38 pessoas, nos quais trabalham peritos nacionais e legistas argentinos.

Quatro desses corpos já foram identificados, entre eles pai e filho do estado do México, cujo último telefonema a seus familiares ocorreu em agosto quando relataram ter sido presos pela polícia de Iguala. Também há corpos de mulheres nessas covas, apontou Murillo.

O funcionário assegurou que esses corpos não são dos 43 normalistas, pelo que se impõe a pergunta a respeito de quem são estas outras vítimas e quem foram seus algozes. De acordo com as investigações, a responsabilidade volta a vincular a polícia de Iguala com o crime organizado.

O caso Iguala provocou um despertar, sobretudo em setores estudantis e docentes, mas também em organizações sociais, camponesas, religiosas e defensoras dos direitos humanos, em um momento em que para o governo sua prioridade é implementar as reformas estruturais adotadas nos dois últimos anos.

Iguala põe em destaque os temas da violência, insegurança, corrupção e a inserção de instâncias do governo pelo crime organizado, como evidenciam as relações que se presume mantinha o ex-prefeito Abarca com Guerreiros Unidos, dedicados ao tráfico de papoula e maconha. As críticas chovem dentro e fora do país, que hoje acolhe os 22º Jogos Centro-Americanos e do Caribe (de 14 a 30 deste mês) e a 24ª Reunião Ibero-Americana de chefes de Estado (nos dias 8 e 9 de dezembro próximo), que terão como sede a cidade de Veracruz no Caribe mexicano.

O presidente Enrique Peña Nieto comprometeu-se em ir até o fundo da verdade sobre os fatos violentos em Iguala, mas também anunciou uma convocação das forças políticas, sociais e populares para um compromisso de Estado sobre os temas que hoje ferem a vida nacional.

Paralelamente, os partidos políticos tradicionais mobilizam forças para certificar a limpeza dos candidatos às próximas eleições proporcionais em 2015, quando se renovará a Câmara de Deputados, 9 governos, 641 administrações regionais em 17 entidades e 993 prefeituras em 16 estados, entre outros cargos.

Mas o tempo pode ser curto para o crescente grau de insatisfação popular, como alertou nestes dias a reconhecida jornalista Beatriz Pagés, diretora da revista Siempre e dirigente do Partido Revolucionário Institucional, no governo.

Entretanto, o presidente mexicano viajou para a China e Austrália, uma viagem que foi reduzida pelos acontecimentos nacionais e na qual participou no Foro Econômico de Cooperação Ásia-Pacífico (Apec) e para a Cúpula do G-20.

Durante uma escala técnica em Anchorage, Alaska, o chefe de Estado teve que fazer uma declaração ao país, de condenação a fatos ocorridos no Zócalo desta capital, onde grupos violentos queimaram uma porta do Palácio Nacional.

Os acontecimentos de Ayotzinapa não podem ser combatidos com violência, alertou Peña Nieto, que recebe reclamações de diversos setores nacionais por ações urgentes e sustentáveis para lavar a face do país e, mais que tudo, para enfrentar a corrupção, a impunidade, o crime organizado e a favor do respeito aos direitos humanos.

*Correspondente da Prensa Latina no México.