Tia Rita: Militante e defensora dos direitos humanos

Os luta pelos direitos humanos perdeu, na última quinta-feira (22/01), uma de suas militantes históricas: Rita de Araújo Marques. Tia Rita faleceu aos 97 anos, mas deixa um legado de solidariedade e luta em defesa dos direitos do povo.

Figura histórica da luta social no Ceará, Tia Rita iniciou sua luta ainda em Tauá. “Ela sempre foi uma mulher guerreira, desde a juventude. Casou-se cedo, com um grande intelectual e agitador cultural dos Inhamuns, Jonas Marques, com quem teve três filhas (Rita, Rosa e Cândida). Ao lado do marido, conviveu com as ideias da Revolução Francesa de liberdade, igualdade e fraternidade, que a deixou viúva também muito cedo. Foi quando dedicou-se a criar as filhas e a ajudar tanto as pessoas da família quanto ao próximo. Tia Rita sempre foi preocupada com o bem estar da comunidade”, afirma o médico Mariano Freitas.

A aproximação de Mariano com Tia Rita vem de berço. “Ela, depois da parteira, foi a primeira que tocou em minha cabeça. Era ela quem acompanhava minha mãe, Luzia, em todos os partos, sempre com grande afeto e passando segurança. Perdi minha mãe ainda jovem, com 18 anos, e ela foi de valiosa contribuição para a minha formação tanto pessoal quanto intelectual. Não saberíamos como teríamos sido sem a presença de Tia Rita”, reconhece.

“Vinda para Fortaleza com a incubência de educar as filhas, engajou-se nos movimentos de libertação do povo pobre. Tia Rita foi aquela pessoa que, como se diz, fazia o bem sem olhar a quem, sempre com a perspectiva de servir e incentivar a desalienação das pessoas. Ela não tratava suas ações como caridade, mas como lições de cristianismo. Ela era uma servidora de Cristo, mas não da Igreja”, avalia Mariano.

Segundo o amigo e “filho”, Tia Rita trabalhou pioneiramente, antes da propagada Teologia da Libertação, pensando no bem e nas lutas populares. “Dom Hélder Câmara e Dom Fragoso, quando romperam com o conservadorismo da Igreja, já encontraram-na na luta e seu trabalho perdurou por toda a sua vida, quer fosse com as prostitutas do farol ou com as adolescentes do Lagamar. Ela não tinha hora para trabalhar, era dedicada e onde havia uma necessidade de um acalanto para pessoas desvalidas, Tia Rita se fazia presente”.

O então estudante morou na casa de Tia Rita, por um ano e meio depois que chegou a Fortaleza. Foi onde conheceu Bergson Gurjão Farias, militante comunista que tombou na Guerrilha do Araguaia. “Sua concepção de vida a levou para a militância da esquerda e, mesmo sem ligação partidária, ela acolheu, protegeu e incentivou os jovens para a militância política. Bergson era um dos jovens que frequentavam a casa de Tia Rita. Talvez ela tenha sido uma de suas motivadoras, exemplo de força com que ele enfrentou as desigualdades das relações humanas deste país”, pondera Mariano.

A luta de Tia Rita ultrapassou fronteiras e divisas. “Depois de anos, quando ainda nem se falava em Anistia e nem em Comissão da Verdade, ela fez parte da primeira expedição à região dos conflitos no Araguaia, a procura de indícios e notícias dos militantes que foram assassinados. Uma mulher de coragem e, acima de tudo, consciente da defesa da luta dos direitos humanos”.

Mais relatos de reconhecimento e agradecimento

Benedito Bizerril, vice-presidente estadual do PCdoB-CE, também conviveu de perto com a militante histórica. “Eu a conheci ainda jovem, pois morava no bairro Piedade, em Fortaleza, próximo à casa dela. Sempre a via passar para a Igreja. Tia Rita cumprimentava todo mundo, gostava de conversar, era simpática e tinha relação fácil com todas as pessoas. Minhas irmãs frequentavam a casa dela pois tinham proximidade com as suas filhas. Foi quando também passei a manter uma relação próxima com a família”, recorda o advogado.

A solidariedade de Tia Rita surge em sua primeira prisão. “Em 1971, fui preso político. Muito solidária, ela chegou a ir à auditoria militar em minha defesa. Sempre guardou preocupação grande comigo. Já na minha segunda prisão, quando era funcionário do Banco do Nordeste, período em que foi praticamente desarticulada a direção estadual do PCdoB, Tia Rita acompanhou de perto e ajudou as famílias dos presos políticos”, enaltece Bizerril. .

Sempre atuante, ligada aos movimentos progressistas da Igreja, Tia Rita participou ativamente da luta de resistência contra a Ditadura e foi solidaria às pessoas que sofriam perseguições. “Ela era uma mulher de determinação e firmeza que contagiava quem estava por perto. Decidida e corajosa, enfrentou momentos difíceis e teve papel destacado em vários momentos do país, dentre eles na primeira caravana, ainda início dos anos 80, ao Araguaia. Naquele período a situação ainda era de clima pesado e ela assumiu esta luta pela divulgação intensa das atrocidades cometidas lá. Em qualquer lugar onde chegava, em qualquer ato, sempre conseguia espaço para bradar o Araguaia e lembrar os que lá lutaram e tombaram”.

Benedito Bizerril afirma que Tia Rita tinha a “compreensão muito humana, voltada para as questões sociais”. “Era uma extraordinária amiga de todos os que estavam na luta nos anos duros da Ditadura. Nós, que fazemos o PCdoB, mantivemos com ela uma relação muito afetuosa e de admiração. O sentimento é de perda do que ela representa e do que ela realizou ao longo de sua vida. Sua luta vai ficar na história, gravada no coração de todos que a conheceram”.

O advogado também enaltece a conduta das filhas de Tia Rita, que foram criadas identificadas com o seu sentimento e compromisso. “Apesar de ela se expor para o olhar da repressão, sempre teve em casa a firmeza, a solidariedade e a compreensão da família em suas atividades. Tia Rita deixa o legado de convicção pela liberdade e determinação sem limites da luta pelos direitos humanos. Ela foi uma pessoa que aliou seu sentimento cristão à luta da libertação do nosso povo”.

De Fortaleza,
Carolina Campos